segunda-feira, 19 de abril de 2010

AÇORES, UM ARQUIPÉLAGO DE IMENSO MAR.

“Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar”
Vitorino Nemésio.


Procurando ir ao encontro do desafio lançado pelo Presidente do Partido aquando da apresentação da sua Moção de Orientação Global (MOG), “discutir o que o partido pode e deve fazer por todos os açorianos”, julgamos pertinente reflectir sobre uma das áreas que mais honra o património ideológico e político do Partido Socialista dos Açores e onde este foi, é e será sempre, um imprescindível agente de mudança e de progresso – o Turismo.
É inquestionável que foi o Partido Socialista e os governos de Carlos César quem, numa aposta sustentada e com políticas concretas, abriu os Açores ao mundo e deu mundo aos Açores. Contrariaram-se, assim, séculos de bruma e décadas de um conservadorismo beato que fechava os Açores ao exterior e que, do pouco mundo que trazia aos Açores, fazia-o sob a censura de uma mundivisão estagnada pelos valores da suspeita e do receio.
Em boa verdade, até aos governos da Nova Autonomia, o Turismo açoriano viveu exclusivamente da vontade, da perseverança e do árduo trabalho de alguns protagonistas isolados, muitas vezes incompreendidos, que lutaram duramente, contra o conservadorismo dominante. D’As Ilhas Desconhecidas até aos Xailes Negros os Açores foram bruma, manto e segredo, só se dissipando o nevoeiro com a ambição socialista de apresentar as ilhas ao mundo sob uma nova luz. Uma luz feita da multiplicidade de verdes das nossas terras e da imensidão de azuis do nosso mar.
De 1996 até hoje, e não obstante novos caminhos que seja preciso trilhar ou melhorar daqui em diante, os Açores consolidaram a sua aposta no Turismo, com a abertura de novas ligações aéreas e marítimas, com a melhoria generalizada das acessibilidades, com o aumento exponencial do número de camas e dormidas, com a divulgação no exterior, com o investimento em serviços, restauração e oferta cultural.
Hoje, apesar das debilidades da crise, urge prosseguir esse caminho, aprofundando e aperfeiçoando, cada vez mais, a aposta socialista no Turismo, como um dos pilares do desenvolvimento sustentado do arquipélago e da autonomia regional.
Aliás, embora a actual situação económica global seja preocupante, o Turismo é uma das áreas de maior potencial futuro e a actual circunstância é precisamente o momento ideal para se repensar metodologias, rever estratégias e criar novas oportunidades.
Assim, e tal como a própria MOG sugere, feito que está o fundamental do trabalho de infra-estruturação do Turismo açoriano, importa agora recentrar as políticas do Turismo privilegiando-se cada vez mais uma maior aposta nos serviços, com particular ênfase na qualidade dos serviços, e no correcto aproveitamento das mais-valias próprias do arquipélago, grupo a grupo, ilha a ilha, quer estas sejam belezas naturais, idiossincrasias culturais e sociais ou todo um outro universo de ofertas diferenciadas, que os Açores têm e que faz com que nos distingamos valorativamente de outros destinos. Precisamos de identificar e potenciar todas aquelas características que fazem dos Açores, uma experiência singular aos olhos do potencial turista.
Neste sentido e, como exemplo paradigmático, a já identificada ligação da região ao mar constitui uma das maiores e mais interessantes oportunidades dos Açores, no âmbito do crescimento do seu potencial turístico.
Os Açores possuem a maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia e nessa imensidão existem incontáveis fontes de riqueza e desenvolvimento. Tanto nas duzentas milhas como na costa, em profundidade ou à superfície, por necessidade ou lazer, as potencialidades do mar que nos rodeia são infinitas e gritam pela nossa atenção. E o nosso mar não é apenas o imenso azul, o mar dos Açores é também o enorme potencial dos 691 quilómetros da sua linha de costa, maior que a totalidade do litoral do continente.
As nove ilhas dos Açores possuem no seu conjunto quase 700 quilómetros de orla marítima e nessas praias, baías, enseadas e fajãs, esconde-se um dos maiores patrimónios naturais, ainda não explorados, do arquipélago – as ondas.
Nos últimos anos assistiu-se por todo mundo a uma enorme vaga de interesse pelos desportos ditos de evasão, sendo que os desportos de ondas estiveram na vanguarda desse movimento. Os desportos de ondas são hoje uma indústria global com um substancial peso na economia dos países e das regiões onde são praticados. Estima-se que haja, actualmente, cerca de 50 milhões de praticantes distribuídos pelo mundo inteiro (cerca de 30 mil em Portugal), com um crescimento mais acentuado, em particular, na Europa, nomeadamente Espanha, França, Itália, Inglaterra, Irlanda, Alemanha e países nórdicos como a Noruega, a Finlândia e a Suécia. Numa sondagem recente 90% dos europeus considerou o Surf o desporto que mais gostaria de experimentar. O valor da indústria do Surf na Europa está estimado em 1.700 milhões de euros. Em Portugal esta indústria está avaliada em 11 milhões de euros de lucros anuais. Um outro estudo revela que uma onda de qualidade pode gerar até 100 milhões de euros de lucros no Turismo para esse local. Em muitos locais, os desportos de ondas são hoje considerados como um verdadeiro cluster com enormes potencialidades na sustentação dos mercados, na captação de turistas e nos índices de satisfação e de retorno destes.
Os Açores são, desde logo, pela sua condição geográfica, uma região com incontestáveis potencialidades neste mercado. Pela sua natureza arquipelágica, pela diversidade e extensão da sua costa, pelo seu clima ameno e de baixa amplitude térmica, ao longo do ano, pela sua proximidade da corrente do golfo, que lhes permite temperaturas da água do mar altamente convidativas, ao que se associa a configuração dos fundos marinhos e a latitude próxima da zona de formação das baixas pressões, o arquipélago dos Açores apresenta condições naturais de excelência, quer em termos de formação como de consistência das ondas.
Importa ainda realçar o facto de para este mercado ser o Inverno a época de maior apetência, uma vez que é nessa altura do ano que surgem as melhores condições naturais para a prática destes desportos. Neste aspecto os Açores apresentam uma mais-valia comparativa indiscutível pelo facto do Inverno no arquipélago ser muito menos rigoroso do que no continente Europeu. Tal facto permitirá um significativo incremento no combate à crónica sazonalidade do Turismo da região, assim como o facto do turista de ondas ser um “ecoturista”, com uma aguda sensibilidade para as questões da preservação da natureza e com uma apetência muito própria para um tipo de Turismo mais próximo da ruralidade, do Turismo de habitação, e, também, com pouco impacte na paisagem e nas comunidades locais. Isto é, em nossa opinião, extremamente importante para a evolução do Turismo nas ilhas mais pequenas e pouco massificadas.
São, assim, estes dados, aliados à diversidade e quantidade de locais nas várias ilhas dos Açores com potencial para a prática dos desportos de ondas, alguns deles de alto nível, que nos permitem afirmar sem tibiezas que esta é uma área onde os Açores se podem afirmar como um player a nível europeu, até mesmo mundial, e de onde se pode tirar profundos benefícios económicos e sociais.
Os Açores no seu todo e alguns concelhos em particular, como a Ribeira Grande, a Praia da Vitória, Vila do Porto, Santa Cruz da Graciosa, entre muitos outros, possuem todas as condições para experimentar um retorno extraordinariamente positivo deste produto.
Os desportos náuticos, em geral, e os desportos de ondas, em particular, estão já identificados, tanto em estudos como em legislação, como sendo um dos potenciais a explorar no futuro do Turismo na região, mas são ainda pouco reconhecidos e desenvolvidos. Há por isso ainda um profundo trabalho a realizar, no estudo dos locais, na análise das potencialidades de intervenção e na adaptação, caso a caso, das linhas de acção. Neste trabalho importa incluir os autarcas em colaboração com os técnicos e os restantes níveis da administração. Todos os indicadores apontam para que este possa ser mais um nicho, dentro do hipercluster do mar, que em muito pode contribuir para o desenvolvimento sustentado da aposta turística da região.
Por maioria de razão este modelo do cluster ondas pode, e deve, ser repercutido em outros nichos do produto turístico, igualmente com elevados benefícios para as economias locais e para o desenvolvimento do Turismo dos Açores como um todo: nas festividades locais, na gastronomia, no vulcanismo, na observação da natureza, whale watching, bird watching, náutica de recreio, pesca desportiva, no termalismo, no golfe, na arte, na arquitectura, no estudo e interpretação do clima, entre muitas outras áreas especificas em que os Açores apresentam características diferenciadoras claras. Esta adaptação do modelo de turismo dos Açores a uma potenciação das mais-valias particulares de cada ilha, cada grupo e da região pode e deve ser o suporte para uma política de Turismo que faça deste sector, verdadeiramente, um motor do desenvolvimento do arquipélago. Uma aposta séria na diversificação da nossa oferta, na qualificação do produto turístico Açores, na conquista de novos e melhores mercados, da qual o produto ondas é apenas um exemplo, do que entendemos ser uma aposta na colocação do Turismo no vértice da política global do arquipélago.
Desta forma cremos ser o momento do PS aprofundar ainda mais a sua aposta no Turismo, em estreita relação com o sector dos Transportes, e também fomentando uma estratégia de profunda articulação com o Ambiente e a Cultura, numa visão integrada e abrangente dos âmbitos de acção de cada um destes sectores, entendendo-se o Turismo, não apenas, como um aspecto isolado da economia regional, mas sim, como um sustentáculo fundamental para o desenvolvimento económico, social e ambiental da região. Ao mesmo tempo e concomitante com esta articulação cria-se uma maior preocupação na identificação e subsequente aposta nas mais-valias específicas de cada concelho, cada ilha e grupo, procurando-se na exploração destes nichos individuais e na sua união construir um todo coeso e dinâmico, focando a atenção na potenciação das particularidades de cada nicho dentro do produto Açores, num esforço conjunto para conquistar “um novo ciclo de reformas para uma região sustentável e uma autonomia segura”.

Ponta Delgada, 8 de Abril de 2010


MOÇÃO SECTORIAL apresentada ao XIV CONGRESSO DO PARTIDO SOCIALISTA/AÇORES realizado em
Angra do Heroísmo, Terceira, de 16 a 18 de Abril de 2010.
Subscritores: Pedro Arruda e José San-Bento. Aprovada por unanimidade.

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