quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Café Royal LX

Auto da Farsa

Acto 1. Cena 1. No palco ornamentado do seu congresso de investidura, de mãos confiantes no ambão, um líder partidário clama, aos céus, um “banho de ética”. Ao mesmo tempo, por detrás do véu, selecciona para capatazes um autarca, famoso por arregimentar militantes em descampados e prédios devolutos e uma causídica, famosa por ser discípula da igreja do despautério populista, que, e não de somenos, está a ser investigada por abuso discricionário de poder, na adjudicação de prestações de serviços, numa instituição cujo primeiro étimo é: Ordem. Em simultâneo, mas noutro local, um presidente de um clube desportivo, depois de exigir, ditatorialmente, aos seus pares (ou serão súbditos?) uma inqualificável unanimidade de apoio, tem o desplante de impor a censura aos seus servos, espécie de Torquemada de balneário. Entretanto ainda, no mais ocidental caldeirão da Europa, um parlamentar, eleito por um partido monárquico, recorre à greve de fome para exigir comida quente para a mão cheia de utentes de uma escola que é, literalmente, geminada das respectivas residências de cada um dos presumíveis beneficiários. Não há qualquer ironia em tudo isto, não há humor, nem sequer ridículo. Tudo isto está muito para lá de fado. Tudo isto é, tão somente, triste…
 
 
*versão ligeiramente revista...

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Café Royal LIX

Sexo

Que me perdoem os leitores que vierem ao engano, mas esta não é uma crónica com bolinha vermelha. Esta é uma crónica sobre tolerância e respeito pela sexualidade, a nossa e a dos outros. O carnaval é a celebração dos excessos, por antítese aos jejuns da Quaresma, e está impregnado de sexualidade. Em Portugal, é comum as mulheres despirem-se e os homens vestirem-se… de mulheres. Esta aparente ambivalência sexual dos portugueses é extraordinária. Num país onde, na maioria dos casos, as mulheres são beatas e os homens são canastrões, no entrudo são subitamente acometidos por uma vontade interior de “sair do armário”. As mulheres, que levam a maior parte do ano a esconder o corpo, usam o carnaval para, semidespidas, desfilarem enregeladas ao som de sambas importados. Os homens, que passam o ano a homofobicamente escarnecer de tudo o que seja vagamente transgénero, assaltam os armários das mulheres para se embelezarem com vestidos, maquiagens, saltos altos, pelos a sair dos collants e rolos de papel higiénico a fingir de seios. Mas isto é no Carnaval, porque no resto do ano este é um país onde um político assumir a sua homossexualidade ainda é notícia de 1ª página e 70% dos jovens consideram natural comportamentos violentos na intimidade da relação…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Café Royal LVIII

SATA

A história da SATA foi sempre uma aventura. Mas o que começou com a coragem e ousadia de um grupo de visionários empresários, apostados em criar uma centralidade açoriana, entrou, lentamente, numa rota agonizante. Como uma aeronave que se lança cegamente no mais violento dos cumulos nimbus. Nos últimos 40 anos, a companhia transformou-se num imenso tabuleiro de jogos políticos. Ao mesmo tempo, internamente, foi sendo tomada pelos interesses pessoais das suas inúmeras chefias. Encurralada num beco sem saída, literalmente como um avião voando sem combustível, a empresa vê-se hoje lançada ao turbilhão selvagem dos mercados. Em face das alternativas, a escolha é a privatização, abandonando-se o interesse público e abraçando o frio e calculista interesse privado, por mais românticos que venham a ser os cadernos de encargos. Num gesto em tudo semelhante aos muitos que foram tomados pelo anterior governo da república, o mais à direita desde a ditadura, que tudo vendeu, sem dó nem piedade. Infelizmente, essa escolha é tomada por um governo do Partido Socialista. Indesculpavelmente, essa decisão é tomada sem plebiscito, ao arrepio do seu programa eleitoral e de governo, como se a vitória em eleições fosse um cheque em branco que tudo permite. No fim, só isso ficará para a História…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Café Royal LVII

O Circo

A enxurrada de casos jurídicos transformados em notícias de última hora é ofegante e embriaga. Foi a Raríssimas, os bebés da IURD, bilhetes para a bancada VIP do estádio da luz, uma mulher assassinada depois de apresentar queixa por violência doméstica no Ministério Público, pop stars da magistratura suspeitos de vender sentenças, entre tantas outras parangonas da mesma laia num caleidoscópio inebriante e em que se mistura tudo e todos como se todo o país fosse habitado por arguidos. Pelas nossas ilhas é auditorias, comissões de inquérito, Asclépios e Arriscas. Se bem que estes dois são basicamente a mesma coisa. Hoje em dia, seguir as notícias, é mais ou menos como deitar de costas no balcão da tasca e enfiar por um funil pela goela abaixo não sei quantas garrafas de álcoois diferentes. O que vale é que no dia seguinte, contorcemo-nos com dores, mas não nos lembramos de nada. O problema disto tudo não está nas investigações, nem, tão pouco, nas notícias. Está, isso sim, na mistura entre as duas. Essa sangria barata feita de vinho de cheiro e gasosa entre casos de justiça e justiça feita nas televisões é que transforma o país num circo cheio de domadores, palhaços e malabaristas e em que nós, os cidadãos, somos tratados como bestas amestradas.

in Açoriano Oriental