quinta-feira, 28 de março de 2019

Café Royal CXVII


(A)normalidade

Acossado pelas muitas críticas, a que foi sujeito na opinião pública, por causa da genealogia dos seus nomeados, o PS tentou contrapor com três tipos de argumentos: socialização; não-discriminação; e (o mais caricato de todos) genética. O primeiro sustenta que é normal, em determinados contextos de socialização, as pessoas construírem relações de amizade ou amorosas. O segundo é que não podem ser prejudicadas ou discriminadas nas suas “carreiras profissionais” (sic) por causa da sua filiação. E, pela voz autorizada de Carlos César, o argumento genético, de que determinadas “famílias” têm especial “vocação” para o “empenhamento cívico”. Ora, tudo, nestes argumentos, está errado. Primeiro, as relações pessoais não devem ser transpostas, muito menos de forma exponencial, para o Espaço Público. Depois, a Política não pode nunca ser vista como uma “carreira profissional”, com direito a Ordem, Estatuto, Sindicato e Contrato Colectivo de Trabalho. Por último, mas mais importante, a República existe, e o Socialismo também, já agora, exactamente para pôr fim a essa injusta, perniciosa e monárquica ideia de que só o “filho de peixe é que sabe nadar”.


quinta-feira, 21 de março de 2019

Café Royal CXVI

Carros

Nunca gostei de carros. Os carros, para mim, são utensílios básicos, servem para nos levar de um lugar para o outro, como um abridor serve para abrir caricas, sendo que gosto mais do abridor do que de carros. Só uma vez fui proprietário de um carro, uma carrinha velha, que comprei usada e que serviu o seu papel até ser encomendada ao sucateiro. Não tenho, como se compreende, grande simpatia por ralis, o máximo de entusiasmo que me provocam são as vitórias do Ricardo Moura que teria sido o primeiro português campeão do mundo de Bodyboard não fosse o azar dos tímpanos. O Rally não me é mais do que um incómodo. Percebo-lhe o ganho de notoriedade, fruto das imagens que viajam o mundo, mas isso também o Surf ou o Cliff Diving conseguem e por metade do preço. Mas, já que tantos açorianos parecem gostar da coisa e que, por isso, ela provavelmente vai continuar, permitam-me uma sugestão: não estará na hora de tirar da zona mais nobre da cidade o estendal cacofónico do Rally? Numa cidade que se quer turística, todo aquele circo tresanda a terceiro mundo, ainda para mais quando há dois megapavilhões, um em cada lado da ilha, a rogar por uso. Pensem nisso.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 14 de março de 2019

Café Royal CXV

O erro

Enquanto militante do PS-Açores não posso deixar de expressar, publicamente, a minha profunda discordância política com a escolha do Francisco Cesar para líder da bancada parlamentar. Esta discordância não se prende com uma avaliação melhor ou pior das suas qualidades políticas, julgo até que é uma injustiça para o próprio que vê, deste modo, os seus méritos pessoais postos em causa, mas antes com o facto iniludível de ser uma mensagem errada do Partido à sociedade, como se o PS fosse uma espécie de SONAE da política. Sucessões dinásticas são apanágio dos grandes grupos empresariais ou de outros regimes que não o nosso. O Partido Socialista não pode omitir o facto de Carlos Cesar ser um político no activo, com altos (muitos) cargos de responsabilidade no Partido, na política nacional e regional, algo que, por si só, obrigaria a uma redobrada exigência ética. Exigência esta que, a não ser tida pelos próprios, deveria ser tida pelo Partido. Creio, sinceramente, que a esmagadora maioria dos socialistas nunca aceitariam que algo deste género se passasse com um familiar seu. Porquê, então, aceitá-lo com familiares de outros?

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 7 de março de 2019

Café Royal CXIV

Revolta moral

Confesso a minha fadiga, mas como fugir do tema quando as notícias nos bombardeiam com mais milhões para o BES, mais comissões de inquérito, mais, mais, mais… Uma das esperanças capitais de Abril era a de uma sociedade justa, sem as desigualdades sociais que marcavam o Estado Novo. Acreditámos que os partidos políticos seriam os paladinos desse desígnio. Em 40 anos, muito foi feito, na educação, na saúde, na protecção social, e uma grande fatia da população portuguesa soergueu-se para níveis de vida muito superiores aos anteriores a 74. No entanto, ao mesmo tempo, criamos uma enorme rede de interdependências entre o sistema partidário e o económico-financeiro, e a própria Democracia ficou refém dessa obscura relação entre o interesse público e os interesses privados. A Política deixou de ter desígnios para passar a ser, tão só, uma máquina de gestão de pequenos lucros. Paulatinamente vamos percebendo, por via dessa avalanche de casos de corrupção, desde a de vão de escada à de escadaria palaciana, como os valores morais foram canibalizados pela ganância e como a nossa vida foi subjugada, novamente, pela ditadura do dinheiro…