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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Speakers' Corner 49

O fim do Contrato Social

Nos últimos dias, o conceito de responsabilidade política tem estado nas bocas do país, a reboque, perdoem-me a ironia, da tragédia do Elevador da Glória. O próprio Presidente da República, sempre pronto a disparar comentários políticos, veio a terreiro referir-se ao tema, indicando explicitamente o escrutínio popular expresso no voto das próximas eleições autárquicas como forma imediata de assacar responsabilidades políticas ao autarca de Lisboa, Carlos Moedas.

Este, por seu lado, tentou esgrimir os argumentos da fuga ou da coragem política para justificar o injustificável, recorrendo a terminologias abjetas e inqualificáveis para classificar os adversários políticos e usando exemplos indecorosos ao evocar figuras que já não estão entre nós para se defender. Foi o caso de Jorge Coelho e da famosa Ponte Hintze Ribeiro, mais conhecida pela tragédia de Entre-os-Rios.

No meio desta cacofonia, talvez seja importante regressar ao que antecede a responsabilidade política, nomeadamente, o famoso Contrato Social. Só assim se percebe como, nos nossos dias, se confunde ética individual com escrutínio, este com responsabilidade política e, finalmente, com moral pública.

O Contrato Social teve origem no final do século XVIII, com os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau, que teorizaram sobre a aliança entre governo e população, consubstanciada num pacto entre as partes. Apesar das diferenças entre eles, uma ideia era comum: os indivíduos organizam-se em sociedade estabelecendo regras e acordos para garantir direitos, deveres e um convívio pacífico sob a autoridade de um poder político legítimo. Tratava-se de um pacto em que as pessoas abriam mão de parte da sua liberdade em troca da proteção e segurança oferecidas pelo Estado.

Os direitos e deveres individuais eram definidos a partir desse pacto, que estabelecia regras e limites ao poder do governante. Cada pessoa renunciava parcialmente à sua liberdade natural para garantir a sobrevivência coletiva e direitos civis. A autoridade do Estado emanava desse consentimento dos governados, sendo legítima apenas enquanto respeitasse os termos do pacto. O Contrato Social fundamenta a ideia de responsabilidade política e a obrigação do governante de prestar contas à sociedade, servindo de base teórica à legitimidade do poder político e da organização das sociedades modernas.

Compreender estas raízes é essencial para perceber o princípio do bem comum e o próprio exercício de cargos públicos, em que os governantes devem estar ao serviço dos cidadãos. A tragédia que vivemos hoje, visível nos incêndios, na falência do SNS, numa justiça que não funciona, num sistema de ensino caduco e depauperado, num elevador que cai, ou até mesmo numa SATA em colapso, no Ilhéu que fecha a banhos ou na Praia do Monte Verde, é que os governantes deixaram de garantir o bem comum, a tal proteção e segurança do Estado, e passaram a cuidar apenas do seu interesse pessoal. Os partidos políticos deixaram de ser plataformas ideológicas de alternativa governativa e tornaram-se máquinas de disputar eleições, cujo único objetivo é a sobrevivência dos seus dirigentes.

Mais grave ainda é transformar eleições em plebiscitos sobre a responsabilidade política, ou a ausência dela, dos candidatos. Com isso, legitima-se a sua própria infidelidade ao princípio maior da responsabilidade moral dos governantes: a honra e o cumprimento estrito dos termos do Contrato Social. Bloco a bloco, esse contrato vai-se esboroando a cada tragédia, a cada incêndio, a cada política pública falhada, num acumular de incumprimentos que termina na dissolução da premissa essencial de um Estado de Direito: a confiança dos cidadãos nos governantes e no próprio Estado.

Jorge Coelho não se demitiu por ter lido qualquer relatório, mas porque tinha consciência moral do seu papel enquanto governante. Ao contrário de Carlos Moedas, e outros como ele, que não se demite, exatamente, porque não tem um pingo de moral ou mesmo de consciência.