O ultraconservadorismo ambiental
Sábado último, um grupo de cidadãos assinou neste jornal um
texto elogiando a interdição a banhos do Ilhéu de Vila Franca do Campo.
Começando com uma exclamação de “Excelentes notícias!”, os autores do
artigo reclamam a “devolução”, do Ilhéu, à sua “verdadeira função: um
santuário natural.” Propondo que o uso balnear seria prejudicial para a
biodiversidade deste “monumento geológico” e sugerindo “novas”
formas de relação com o Ilhéu, “através de visitas guiadas conscientes”,
escutar os silêncios, interpretação ambiental e programas de monitorização da
biodiversidade marinha e terrestre do Ilhéu.
Pondo de lado alguma excitação negativa, que parece querer
ver num problema de saúde-publica uma oportunidade proibicionista, há dois
aspetos nesta visão ultraconservadora do ambientalismo que gostava de
assinalar, pelo que, a meu ver, sinalizam de uma ideia distorcida do que são os
Açores, por um lado, e do que deveria ser a preservação ambiental, por outro.
Começando por este último aspeto, existe uma corrente de
pensamento que vê na interdição do acesso e da fruição da natureza o caminho
para a conservação ambiental. Limite de acessos, capacidades de carga,
interdições, épocas de defeso e todo um outro tipo de obstáculos à interação
entre o homem e a natureza. Quase como se o estatuto de monumento, ou reserva
natural fosse uma espécie de fronteira militarizada entre os bárbaros humanos,
destruidores e incivilizados, e a virginal e impoluta natureza intacta das
nossas nove ilhas atlânticas. Thoreau, escritor e ensaísta americano, um dos
pais do transcendentalismo e ávido naturalista, escreveu, em “Walden”,
um manifesto sobre a comunhão com a natureza, que buscamos a natureza para
viver deliberadamente, “para afrontar apenas os factos essenciais da vida”,
para aprender o que temos para ensinar, “e não, quando morrer, descobrir que
não havia vivido”. Por oposição àquilo que Thoreau considerava serem as
vidas de “silencioso desespero” da maioria dos homens. Precisamente, a
melhor forma de proteger a natureza é educando as pessoas para sua vital
importância e isso só é possível através da fruição dos seus espaços e
ambientes e não se pode proteger o meio natural afastando as pessoas dele.
Conservação é uma coisa, interdição é outra.
Por outro lado, a ideia errónea de que os Açores são um
grande santuário natural intacto e puro é não só falsa como potencialmente
perigosa. Toda a história destas ilhas é uma de interação entre homem e
natureza. A virada das terras, os cultivos, a introdução de espécies, os Açores
são esse moldar da natureza pelo homem e, por sua vez, da construção do homem
pela natureza que o rodeia, tantas vezes castigando, outras acolhendo e
nutrindo, com a sua opulência e abundância. E o Ilhéu da Vila, proteção e
ancoradouro natural desde os inícios do povoamento, representa um exemplo singular
dessa relação simbiótica e de interdependência entre o humano e o natural. Até 1942
a Vila Franca foi, por causa do seu Ilhéu, ancoradouro privilegiado da ilha, inclusive
no interior do Ilhéu, o que levou ao rasgar de um canal de acesso logo no séc. XVI.
Esta relevância levou mesmo à elaboração de um projeto para a construção de um
ou mais molhes de ligação entre o Ilhéu e a ilha, para a criação de um grande
porto oceânico, o que originou a criação da Companhia do Abrigo Marítimo do Ilheo
de Vila Franca do Campo, da qual até a rainha D. Amélia e o rei D Fernando
foram subscritores de ações. Ao longo dos séculos, o Ilhéu foi terra de
cultivos, de vinha e pastoreio e, em 1933, zona de banhos e veraneio com a
construção de uma casa de apoio pelo seu então proprietário António Botelho da
Câmara Velho de Melo Cabral. Desde sempre o Ilhéu é parte fundamental da vivência
micaelense e fonte perene dessa ligação entre homem, mar e natureza. Elogiar a
sua interdição, mesmo que por ultraconservadorismo ambiental, é rejeitar a
verdadeira natureza da vida insular.
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