quarta-feira, 11 de junho de 2025

Speakers' Corner 36

História de um país sem rumo

Quem calcorreia hoje as ruas de Ponta Delgada, descendo da Machado dos Santos à António José d’Almeida, rumo à Matriz, dificilmente saberá quem foram esses expoentes do republicanismo que dão nome a duas das mais importantes artérias do nosso burgo. Machado Santos, vice-almirante, herói do 5 de Outubro, foi um perpétuo revolucionário, tido como o “pai da República”. António José d’Almeida, médico e opositor da monarquia, ficou conhecido por um manifesto publicado em Coimbra, na sua juventude, intitulado Bragança, o Último, que o levou à prisão e ao estatuto de herói republicano. Mais tarde viria a ser Presidente da República, entre 1919 e 1923. Ambos maçons, como muitos republicanos da época, simbolizam o espírito de um tempo dividido entre a agitação contestatária e a aspiração progressista. A Primeira República foi um imensamente agitado período de transição entre uma monarquia de setecentos anos e uma ditadura, que duraria quarenta e oito, e que pretendia vir repor uma certa organização e esteio a um país desgovernado. Nesses curtos 16 anos, Portugal teve 45 governos e 8 presidentes.

Se um futuro historiador olhar o país daqui a 100 anos, reconhecerá certamente as mesmas tendências, as mesmas aspirações populares incumpridas e os desmandos políticos de elites conspiracionistas. Provavelmente calcorreará ruas com nomes como Costa ou Montenegro, nomes que, como tantos outros, cairão também no esquecimento. A história, como dizia Mark Twain, não se repete, mas rima. E há, neste tempo que vivemos, uma impressão forte de fim de regime. Cinquenta anos após Abril, o país parece soçobrar sob o peso do que ficou por cumprir.

Dos famosos três D’s que Medeiros Ferreira levou ao Congresso Democrático de Aveiro, em 1973, e que Melo Antunes transportaria para o programa do MFA, a descolonização redundou num desastre, a democratização sucumbiu ao poder do capitalismo partidário, e o desenvolvimento coloca Portugal entre os países da UE com maior desigualdade na distribuição da riqueza. Só Bulgária, Roménia, Letónia e Lituânia nos ultrapassam nesse triste ranking do índice de Gini.

Se há ilação a tirar das últimas eleições, é a de que existe um descontentamento generalizado no país, um povo descrente e cansado e uma classe política incapaz de se regenerar e de incutir esperança nos eleitores. O mesmo historiador futuro, ou uma cartomante de agora, dirá, e com razão, que o momento é propício a sebastianismos, a líderes salvíficos que, acoberto de um manto de nada, como um nevoeiro diáfano, se apresentam como portadores da ordem, do bom-senso e do progresso, mesmo que falso e mentiroso e empacotado em insultos e alarvidades.

Quando o centro ruir, a democracia ruirá com ele. Muito provavelmente, o país elegerá um ex-almirante de fama vacinal para o cargo de mais alto magistrado da Nação. Um primeiro-ministro pouco transparente e de passado duvidoso cairá em desgraça num escândalo judicial envolvendo empresas e favores. Montenegro cairá, e o PPD cairá com ele. E, depois disso, um líder populista e demagogo poderá ascender ao poder, erguido em promessas doces e inebriantes de autoridade, limpeza e patriotismo. O velho e reconhecido “pôr ordem nisto”, ou o salazarento “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”. A direita será toda ela populista, com tudo o que isso traz de reacionarismo e nacionalismo bacoco. O Almirante, então, dirá que o país precisa de estabilidade e dará o seu magnânimo aval a uma coligação entre Ventura e um qualquer Passos Coelho da vida. A esquerda, órfã e desorientada, será remetida a uma oposição triste e prolongada. E Portugal mergulhará, de novo, numa bem-comportada e resignada noite autoritária com o Almirante ao leme, de fato assertoado e barba grisalha, sabe-se lá com que rumo.

Oxalá me engane. Porque se não irei acabar os meus dias na frente de um qualquer pelotão de fuzilamento por delito de opinião e tráfico de liberdade de expressão.

Sem comentários: