O fim do sonho europeu
No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, o continente europeu
viu-se mergulhado numa escura e amordaçada multitude de escombros. Da
destruição física ao trauma psicológico e espiritual. Da desagregação política
e económica. E, da tenaz política e geoestratégica de duas novas grandes
potências em ardente guerra fria, à sua esquerda e à sua direita. Mas deste pó ergueram-se
grandes estadistas e deles brotou a esperança de instituições internacionais
fortes, que agregassem os povos, oferecessem esperança e paz e, principalmente,
impedissem que o continente soçobrasse de novo ao peso do apocalipse. A
“Declaração Schumann”, mais do que um projeto económico, era uma visão
ambiciosa e audaciosa para o seu tempo, se considerarmos que foi gizada apenas
5 anos depois do fim da segunda grande guerra. A consciência de que a
prosperidade e a paz no continente só seriam possíveis com a normalização das
relações entre França e Alemanha, e a sua aceitação por Konrad Adenauer, é um
ponto basilar naquilo que foi a história da Europa nos últimos 75 anos. Robert Schumann,
juntamente com Adenauer, Jean Monnet e outros, representam uma linhagem de
estadistas conscientes e visionários que legaram ao mundo o seu mais longo período
de paz e prosperidade. Nunca a expressão de Newton, de que nos “erguemos nos
ombros de gigantes”, foi tão acutilantemente pertinente.
Mas desgraçadamente, o tempo dos grandes estadistas, europeus
e mundiais, morreu. Os grande líderes políticos que construíram a Europa deram
lugar a uma extensa família de eurocratas, e a visão de uma prosperidade que impedisse
o eclodir de conflitos foi substituída pela miopia estéril da próxima eleição.
Em vez de grandes desígnios ou aspirações, a política europeia é regida hoje pelos
curtos ciclos das eleições e a perpetuação de mecanismos pouco claros, pouco
democráticos e reduzidamente escrutináveis. Dos quais, o processo de escolha
dos líderes da Comissão e do Conselho são, aliás, exemplo claro. E num mundo em
acelerada e agitada mudança, a Europa é cada vez mais um velho e inconsequente
protagonista, sem voz, sem ascendente e, muitas vezes, sem orientação.
Nas últimas semanas Ursula von der Leyen e António Costa
viram confirmadas as suas indigitações para os mais altos cargos europeus.
Costa, a quem o jornal Político designava como o primeiro líder europeu de uma “minoria
étnica” (sic). O que dá bem nota da sua irrelevância e da baixíssima expectativa
quanto ao seu desempenho. De melhor político da sua geração, em Portugal, a
obscuro e irrelevante representante de uma minoria étnica, no grande palco
europeu. Já a Sra. Leyen, a braços com uma investigação por corrupção na gestão
dos contratos vacinais vê-se reconduzida na liderança de uma Europa cada dia
mais irrelevante económica, política e estrategicamente, a braços com uma guerra
à sua porta, instigada pelos interesses financeiros e económicos da máquina de
guerra global, de um lado, e pela ambição de um tirano, pelo outro, numa nova
tenaz de medo e conflito, exatamente o que os pais fundadores da União sempre
desejaram evitar.
Postos perante esta escolha, os grande areópagos europeus optam
pela guerra para assegurar o seu poder. O relatório Draghi indica na indústria
militar o caminho para uma nova evolução económica do continente, numa nova
corrida às armas e na criação de exércitos europeus, incensados pela sempre
voraz racional belicista da alta finança mundial. E, no seu discurso de posse
perante o parlamento, a Sra. Leyen vincava estas escolhas, enfatizando o tom de
uma luta pela liberdade baseada, pasme-se, na segurança e defesa, e já não,
como os gigantes que a antecederam ambicionaram, nos ombros da prosperidade, da
igualdade e da fraternidade. É assim, neste sobressalto, que acordamos para
dura realidade do fim do sonho europeu.
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