quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Speakers' Corner 11

Glifosato mental

Na semana passada foi amplamente noticiado o diploma do CHEGA! repondo a autorização do uso do glifosato na região. Banido, ou de uso limitado, em países como França, Bélgica, Holanda e Alemanha, e com milhares de processos em tribunal nos EUA por alegadamente “poder” causar cancro, o herbicida da Monsanto, que estava proibido nos Açores desde 2020, por proposta do BE com voto favorável da então maioria PS, volta agora a ver autorizada a sua utilização, “em circunstâncias especiais” (o que quer que isso seja), por proposta do partido de André Ventura, com os votos favoráveis da coligação CDS/PPM/PPD e do deputado da IL.

Desenvolvido nos anos 70 e comercializado com o nome RoundUp, o glifosato, cujo principal composto químico é o fosfonometil, foi usado como herbicida de largo espectro para queimar as ervas daninhas em culturas intensivas de grande dimensão como o milho, o algodão e a soja. A ação do glifosato dá-se através das folhas de plantas em crescimento, secando-as e impedindo o seu desenvolvimento, não prevenindo ou controlando o seu aparecimento, o que obriga a uma utilização regular e intensiva do produto. A utilização em larga escala de glifosato levou mesmo a Monsanto a desenvolver sementes geneticamente modificadas de culturas como soja e milho capazes de resistir ao glifosato, naquilo a que chamava de RoundUp Ready, numa clara e lucrativa estratégia de capitalismo circular, desenvolvendo em simultâneo a doença e a cura no mesmo recibo e fatura. A acessibilidade do herbicida levou depois a que o glifosato se disseminasse em usos domésticos, em pequenos jardins, e de forma exponencial em espaços públicos, por autarquias e governos, no “controlo” de ervas daninhas e outras invasoras, um pouco por todo o mundo.

A partir de final dos anos 90, a Monsanto tornou-se alvo de milhares de ações judiciais, tanto por publicidade enganosa, o produto era comercializado como sendo seguro e biodegradável, como por responsabilidade civil, em alegações  de que o RoundUp era na verdade cancerígeno. Inclusive, em 2015, um relatório da Organização Mundial de Saúde referia, embora envergonhadamente, que o glifosato era “provavelmente cancerígeno em humanos”. Em Agosto de 2018, menos de um mês após ser adquirida pela Bayer, um dos mais mediáticos casos contra a Monsanto, envolvendo o RoundUp, teve a sua sentença revelada num tribunal de São Francisco, tendo um júri condenado a empresa a pagar uma indemnização de 289 Milhões de dólares a Dwayne Johnson, um jardineiro de uma escola pública da cidade, acometido com um terminal linfoma. Um dos advogados nesse célebre e mediático caso foi nem mais nem menos do que Robert Kennedy Jr., tido então como um herói das causas ambientais e hoje visto por alguns media e parte da esquerda sanitária como um perigosíssimo “chalupa”.

O que sabemos hoje é que o glifosato é um produto arcaico e ultrapassado, e apesar da Monsanto e da Bayer, com os seus poderosos lobbys, continuarem a negar as alegações, o uso sistémico do glifosato, até pela sua ineficácia na prevenção, nomeadamente em espaços públicos, contem riscos consideráveis e suficientes para que seja previdente a sua não utilização, ademais em zonas públicas. Os Açores têm problemas sérios com espécies infestantes e, pela sua dimensão e particularidade insular, precisam de abordagens corajosas e determinadas para a proteção e gestão da sua paisagem e dos seus espaços públicos. A reintrodução do glifosato, num destino que não se cansa de dizer sustentável, é apenas preguiça (ou será lobby?) e revela uma espécie de arcaísmo mental e facilitismo, de quem é incapaz de compreender como o mundo hoje requer soluções inteligentes e consensualizadas, mesmo quando sejam mais difíceis ou dispendiosas. Aprovar ou revogar leis é mais ou menos fácil. Há por ai até uma petição a correr que se pode assinar. Mais difícil é revogar os glifosatos mentais de alguns dos ocupantes do nosso parlamento.

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