Glifosato mental
Na semana passada foi amplamente noticiado o diploma do
CHEGA! repondo a autorização do uso do glifosato na região. Banido, ou de uso
limitado, em países como França, Bélgica, Holanda e Alemanha, e com milhares de
processos em tribunal nos EUA por alegadamente “poder” causar cancro, o
herbicida da Monsanto, que estava proibido nos Açores desde 2020, por proposta
do BE com voto favorável da então maioria PS, volta agora a ver autorizada a
sua utilização, “em circunstâncias especiais” (o que quer que isso seja), por proposta
do partido de André Ventura, com os votos favoráveis da coligação CDS/PPM/PPD e
do deputado da IL.
Desenvolvido nos anos 70 e comercializado com o nome RoundUp,
o glifosato, cujo principal composto químico é o fosfonometil, foi usado como
herbicida de largo espectro para queimar as ervas daninhas em culturas
intensivas de grande dimensão como o milho, o algodão e a soja. A ação do
glifosato dá-se através das folhas de plantas em crescimento, secando-as e
impedindo o seu desenvolvimento, não prevenindo ou controlando o seu aparecimento,
o que obriga a uma utilização regular e intensiva do produto. A utilização em
larga escala de glifosato levou mesmo a Monsanto a desenvolver sementes
geneticamente modificadas de culturas como soja e milho capazes de resistir ao
glifosato, naquilo a que chamava de RoundUp Ready, numa clara e lucrativa estratégia
de capitalismo circular, desenvolvendo em simultâneo a doença e a cura no mesmo
recibo e fatura. A acessibilidade do herbicida levou depois a que o glifosato
se disseminasse em usos domésticos, em pequenos jardins, e de forma exponencial
em espaços públicos, por autarquias e governos, no “controlo” de ervas daninhas
e outras invasoras, um pouco por todo o mundo.
A partir de final dos anos 90, a Monsanto tornou-se alvo de
milhares de ações judiciais, tanto por publicidade enganosa, o produto era
comercializado como sendo seguro e biodegradável, como por responsabilidade
civil, em alegações de que o RoundUp era
na verdade cancerígeno. Inclusive, em 2015, um relatório da Organização Mundial
de Saúde referia, embora envergonhadamente, que o glifosato era “provavelmente cancerígeno
em humanos”. Em Agosto de 2018, menos de um mês após ser adquirida pela Bayer,
um dos mais mediáticos casos contra a Monsanto, envolvendo o RoundUp, teve a
sua sentença revelada num tribunal de São Francisco, tendo um júri condenado a
empresa a pagar uma indemnização de 289 Milhões de dólares a Dwayne Johnson, um
jardineiro de uma escola pública da cidade, acometido com um terminal linfoma.
Um dos advogados nesse célebre e mediático caso foi nem mais nem menos do que
Robert Kennedy Jr., tido então como um herói das causas ambientais e hoje visto
por alguns media e parte da esquerda sanitária como um perigosíssimo “chalupa”.
O que sabemos hoje é que o glifosato é um produto arcaico e ultrapassado,
e apesar da Monsanto e da Bayer, com os seus poderosos lobbys, continuarem a
negar as alegações, o uso sistémico do glifosato, até pela sua ineficácia na
prevenção, nomeadamente em espaços públicos, contem riscos consideráveis e suficientes
para que seja previdente a sua não utilização, ademais em zonas públicas. Os Açores
têm problemas sérios com espécies infestantes e, pela sua dimensão e particularidade
insular, precisam de abordagens corajosas e determinadas para a proteção e
gestão da sua paisagem e dos seus espaços públicos. A reintrodução do glifosato,
num destino que não se cansa de dizer sustentável, é apenas preguiça (ou será
lobby?) e revela uma espécie de arcaísmo mental e facilitismo, de quem é
incapaz de compreender como o mundo hoje requer soluções inteligentes e consensualizadas,
mesmo quando sejam mais difíceis ou dispendiosas. Aprovar ou revogar leis é
mais ou menos fácil. Há por ai até uma petição a correr que se pode assinar. Mais
difícil é revogar os glifosatos mentais de alguns dos ocupantes do nosso parlamento.
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