Tragédias do desgoverno nacional
No início de Novembro de 2023, depois de quase um ano de uma
surpreendente convulsão política, às mãos de um governo de maioria absoluta mergulhado
num caos sucessivo de escândalos, intrigas, investigações e suspeitas, o país
foi surpreendido por uma ação policial em São Bento, que levaria à demissão de
António Costa, no meio de um parágrafo da Procuradoria-Geral do Ministério Público
e uns quantos maços avulsos de notas escondidos nas estantes do seu chefe-de-gabinete.
Uns poucos dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa comunicava
ao país a sua decisão de convocar eleições, alicerçado na presunção, aliás
criada por si, de que a maioria eleitoral existente era de Costa e não do PS e,
nas suas palavras, na impossibilidade de manter em funções um governo fraco e que
seria visto, assim, como um governo de iniciativa presidencial. Ao mesmo tempo,
o líder do PSD, Luís Montenegro, alinhava pelo mesmo diapasão da urgente ida às
urnas alegando que “a degradação do governo impõe a devolução da palavra ao
povo” (sic). De facto, o pouco mais de um ano e meio do segundo governo de
Costa parecia uma inexplicável via sacra de casos, casinhos e casões, entre
ministros e secretários de estado, envolvidos nos mais rocambolescos e
degradantes episódios de corrupção e desgoverno até, por fim, subir ao cargo do
próprio Primeiro-ministro.
Fast forward para os dias de hoje e temos um governo
de minoria parlamentar frágil e acossado, mergulhado em incompetências e incompatibilidades,
cujo fumo da suspeição chegou, também finalmente, ao próprio Luís Montenegro.
Depois do caos na Saúde, do escândalo do INEM, da incompreensível Lei dos
Solos, noticiam os jornais que o Primeiro-ministro de Portugal, o tal da
degradação do anterior governo, está desde a sua tomada de posse a receber
chorudas avenças de empresas privadas, entre elas a Solverde dos casinos,
através de uma empresa familiar, cuja participação terá vendido, em ato nulo, à
sua mulher, com quem é casado em comunhão de adquiridos. De um passo, ficamos a
saber que Montenegro é, não só, um péssimo advogado, como, ainda por cima, um
igual hipócrita aos que tanto criticava antes de si. E que, numa surreal
declaração ao país, em horário nobre televisivo, ensaiou uma fuga para a
frente em dois atos, delegando a empresa aos seus filhos, de 19 e 23 anos, admitindo
dessa forma a prevaricação anterior, e ameaçando, no jogo político-partidário, a
roleta-russa das moções de censura e de confiança. Quando o único caminho digno
que se lhe apresentava era demissão pronta e segura e a consequente convocação
de eleições.
Mas, tão mau ou pior do que a hipocrisia e o cinismo político
de Luís Montenegro, ou o cúmplice e inusitado silêncio de Marcelo, é o
contorcionismo acobardado do principal líder da oposição, Pedro Nuno Santos,
que é incapaz de se confrontar, preso que está no seu próprio labirinto partidário,
com a exigência moral de fazer cair este governo, seja apresentando ele próprio
uma moção de censura, seja votando favoravelmente outra de um qualquer outro
partido, como a já anunciada pelo PCP.
Nos últimos anos muito se tem debatido as razões para a ascensão
dos populismos, da demagogia e da polarização política, que tem minado as
democracias e levado à escolha pelo eleitorado de políticos e partidos
iliberais e de tendência totalitária. Políticos e comentadores repetem-se na condenação
do discurso dos Andrés Venturas desta vida e espantam-se com a fulgurante aparição
de todo o tipo de Almirantes. A realidade é que a crise das democracias está no
seu próprio âmago e nos degradantes comportamentos dos que se dizem defensores
da moral e do bem-comum, quando na verdade apenas se preocupam com o seu próprio
bem pessoal e com os joguinhos políticos da dança das cadeiras do poder.
Olhamos as notícias e as ações e os discursos dos políticos atuais
e enche-nos uma sensação enjoada de que isto já não é um país, mas um pântano
sem fundo…