quarta-feira, 5 de março de 2025

Speakers' Corner 22

Tragédias do desgoverno nacional

No início de Novembro de 2023, depois de quase um ano de uma surpreendente convulsão política, às mãos de um governo de maioria absoluta mergulhado num caos sucessivo de escândalos, intrigas, investigações e suspeitas, o país foi surpreendido por uma ação policial em São Bento, que levaria à demissão de António Costa, no meio de um parágrafo da Procuradoria-Geral do Ministério Público e uns quantos maços avulsos de notas escondidos nas estantes do seu chefe-de-gabinete.

Uns poucos dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa comunicava ao país a sua decisão de convocar eleições, alicerçado na presunção, aliás criada por si, de que a maioria eleitoral existente era de Costa e não do PS e, nas suas palavras, na impossibilidade de manter em funções um governo fraco e que seria visto, assim, como um governo de iniciativa presidencial. Ao mesmo tempo, o líder do PSD, Luís Montenegro, alinhava pelo mesmo diapasão da urgente ida às urnas alegando que “a degradação do governo impõe a devolução da palavra ao povo” (sic). De facto, o pouco mais de um ano e meio do segundo governo de Costa parecia uma inexplicável via sacra de casos, casinhos e casões, entre ministros e secretários de estado, envolvidos nos mais rocambolescos e degradantes episódios de corrupção e desgoverno até, por fim, subir ao cargo do próprio Primeiro-ministro.

Fast forward para os dias de hoje e temos um governo de minoria parlamentar frágil e acossado, mergulhado em incompetências e incompatibilidades, cujo fumo da suspeição chegou, também finalmente, ao próprio Luís Montenegro. Depois do caos na Saúde, do escândalo do INEM, da incompreensível Lei dos Solos, noticiam os jornais que o Primeiro-ministro de Portugal, o tal da degradação do anterior governo, está desde a sua tomada de posse a receber chorudas avenças de empresas privadas, entre elas a Solverde dos casinos, através de uma empresa familiar, cuja participação terá vendido, em ato nulo, à sua mulher, com quem é casado em comunhão de adquiridos. De um passo, ficamos a saber que Montenegro é, não só, um péssimo advogado, como, ainda por cima, um igual hipócrita aos que tanto criticava antes de si. E que, numa surreal declaração ao país, em horário nobre televisivo, ensaiou uma fuga para a frente em dois atos, delegando a empresa aos seus filhos, de 19 e 23 anos, admitindo dessa forma a prevaricação anterior, e ameaçando, no jogo político-partidário, a roleta-russa das moções de censura e de confiança. Quando o único caminho digno que se lhe apresentava era demissão pronta e segura e a consequente convocação de eleições.

Mas, tão mau ou pior do que a hipocrisia e o cinismo político de Luís Montenegro, ou o cúmplice e inusitado silêncio de Marcelo, é o contorcionismo acobardado do principal líder da oposição, Pedro Nuno Santos, que é incapaz de se confrontar, preso que está no seu próprio labirinto partidário, com a exigência moral de fazer cair este governo, seja apresentando ele próprio uma moção de censura, seja votando favoravelmente outra de um qualquer outro partido, como a já anunciada pelo PCP.

Nos últimos anos muito se tem debatido as razões para a ascensão dos populismos, da demagogia e da polarização política, que tem minado as democracias e levado à escolha pelo eleitorado de políticos e partidos iliberais e de tendência totalitária. Políticos e comentadores repetem-se na condenação do discurso dos Andrés Venturas desta vida e espantam-se com a fulgurante aparição de todo o tipo de Almirantes. A realidade é que a crise das democracias está no seu próprio âmago e nos degradantes comportamentos dos que se dizem defensores da moral e do bem-comum, quando na verdade apenas se preocupam com o seu próprio bem pessoal e com os joguinhos políticos da dança das cadeiras do poder.

Olhamos as notícias e as ações e os discursos dos políticos atuais e enche-nos uma sensação enjoada de que isto já não é um país, mas um pântano sem fundo…