quarta-feira, 16 de julho de 2025

Speakers' Corner 41

SOS Monte Verde (e não só…)

Na semana que passou, a praia do Monte Verde voltou a ser notícia e, de novo, pelas mesmas conspurcadas razões. Análises à qualidade da água obrigaram a Delegação de Saúde a ordenar a interdição a banhos naquela zona balnear. O tema é antigo, está identificado, existem até petições e manifestações sobre o assunto, mas, apesar de todos os alertas, e das sempre rápidas mas incumpridas promessas, o problema continua lá, recorrente e impassível, como uma fatalidade do destino. O tema é, aliás, tão gasto que chega a ser deprimente falar dele.

Já cansa apontar, uma e outra vez, esta atitude negligente com que os Açores e os açorianos olham o mar. A medo e castigo, caixote de lixo avulso e permanente, distante como um vizinho rabugento. Durante décadas, séculos até, ninguém queria saber do mar para mais do que porta de entrada de navios e saída de emigrantes, lugar de trauma ou de morte. A orla marítima era território de pobres e indigentes, deixado ao abandono e à incúria das autoridades. Para o mar escorria, literalmente, o pior de nós mesmos.

A reivindicação do litoral como espaço de vivência, lazer, saúde, fruição e desenvolvimento tem sido um processo estupendamente lento. Com sucessos, como a praia dos Areais de Santa Bárbara ou a onda de Santa Catarina. E com horríveis insucessos, como foi o caso da baía de Rabo de Peixe ou, como agora em evidência, o da praia do Monte Verde, que, qual vítima inocente de violência doméstica, continua a sofrer os abusos do que está a montante dela.

A poluição marinha é um problema humano, que começa na poluição em terra, escorre pelos rios, no caso açoriano, pelas ribeiras, e acaba no mar. A praia do Monte Verde é um exemplo clássico disso. Atualmente, mesmo com milhões gastos em saneamento básico, continuam a existir efluentes domésticos e agroindustriais a escorrer para os leitos das ribeiras e daí para o mar. Estão identificados e sinalizados, e ninguém, por inércia ou eleitoralismo, faz absolutamente nada. Existem mesmo casos de explorações agrícolas que fazem descargas diretas depois das cinco da tarde, ou aos domingos, porque sabem que não há vigilantes da natureza ou GNR para os apanhar em flagrante delito. O pior é que o mar, na sua enorme sapiência, acaba por nos devolver tudo o que nele depositamos, seja lixo ou, como é o caso, matéria fecal.

Coincidentemente, ou não, enquanto os níveis perigosos de E. coli surfavam sozinhos as ondas do Monte Verde, na cidade da Horta os deputados regionais discutiam o relatório da comissão de ambiente sobre a petição SOS Monte Verde e Levada da Condessa, promovida pelo Mário Moura, o Ricardo Cabral e por mim próprio. O aspeto mais triste desse debate inócuo é a forma como os deputados transformam este precioso instrumento de democracia direta, as petições, em simples armas de arremesso eleitoral e político: uns defendendo a situação, outros tentando tirar dividendos eleitorais imediatos de uma suposta oposição.

Neste caso concreto, apesar de um meritório esforço, que concedo e elogio, em ouvir os vários, senão todos, os intervenientes no problema, é incompreensível, e mesmo inaceitável, como a comissão, no seu relatório, se abstém de apresentar qualquer parecer digno desse nome ou proposta de resolução ao governo com vista à efetiva resolução do problema. Tudo não passou, para além de uma manifesta perda de tempo, de mais uma forma de afastar os cidadãos da participação cívica e, com isso, de dar cabo da nossa democracia.

Neste fechar de olhos governativo, justiça seja feita aos candidatos do PS à autarquia, que se disponibilizaram para nos ouvir e, oxalá, para cumprir o desígnio coletivo de salvar o Monte Verde. Até lá, os Enterococos intestinais haverão de continuar a banhar-se livremente um pouco por todas as nossas zonas balneares, seja no Monte Verde, no Porto Pim, na Prainha em Angra ou no Ilhéu da Vila. Resta saber até quando?

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