SOS Monte Verde (e não só…)
Na semana que passou, a praia do Monte Verde voltou a ser
notícia e, de novo, pelas mesmas conspurcadas razões. Análises à qualidade da
água obrigaram a Delegação de Saúde a ordenar a interdição a banhos naquela
zona balnear. O tema é antigo, está identificado, existem até petições e
manifestações sobre o assunto, mas, apesar de todos os alertas, e das sempre
rápidas mas incumpridas promessas, o problema continua lá, recorrente e
impassível, como uma fatalidade do destino. O tema é, aliás, tão gasto que
chega a ser deprimente falar dele.
Já cansa apontar, uma e outra vez, esta atitude negligente
com que os Açores e os açorianos olham o mar. A medo e castigo, caixote de lixo
avulso e permanente, distante como um vizinho rabugento. Durante décadas, séculos
até, ninguém queria saber do mar para mais do que porta de entrada de navios e
saída de emigrantes, lugar de trauma ou de morte. A orla marítima era
território de pobres e indigentes, deixado ao abandono e à incúria das
autoridades. Para o mar escorria, literalmente, o pior de nós mesmos.
A reivindicação do litoral como espaço de vivência, lazer,
saúde, fruição e desenvolvimento tem sido um processo estupendamente lento. Com
sucessos, como a praia dos Areais de Santa Bárbara ou a onda de Santa Catarina.
E com horríveis insucessos, como foi o caso da baía de Rabo de Peixe ou, como agora
em evidência, o da praia do Monte Verde, que, qual vítima inocente de violência
doméstica, continua a sofrer os abusos do que está a montante dela.
A poluição marinha é um problema humano, que começa na
poluição em terra, escorre pelos rios, no caso açoriano, pelas ribeiras, e
acaba no mar. A praia do Monte Verde é um exemplo clássico disso. Atualmente,
mesmo com milhões gastos em saneamento básico, continuam a existir efluentes
domésticos e agroindustriais a escorrer para os leitos das ribeiras e daí para
o mar. Estão identificados e sinalizados, e ninguém, por inércia ou
eleitoralismo, faz absolutamente nada. Existem mesmo casos de explorações
agrícolas que fazem descargas diretas depois das cinco da tarde, ou aos
domingos, porque sabem que não há vigilantes da natureza ou GNR para os apanhar
em flagrante delito. O pior é que o mar, na sua enorme sapiência, acaba por nos
devolver tudo o que nele depositamos, seja lixo ou, como é o caso, matéria
fecal.
Coincidentemente, ou não, enquanto os níveis perigosos de E.
coli surfavam sozinhos as ondas do Monte Verde, na cidade da Horta os deputados
regionais discutiam o relatório da comissão de ambiente sobre a petição SOS
Monte Verde e Levada da Condessa, promovida pelo Mário Moura, o Ricardo Cabral
e por mim próprio. O aspeto mais triste desse debate inócuo é a forma como os
deputados transformam este precioso instrumento de democracia direta, as
petições, em simples armas de arremesso eleitoral e político: uns defendendo a
situação, outros tentando tirar dividendos eleitorais imediatos de uma suposta
oposição.
Neste caso concreto, apesar de um meritório esforço, que
concedo e elogio, em ouvir os vários, senão todos, os intervenientes no
problema, é incompreensível, e mesmo inaceitável, como a comissão, no seu
relatório, se abstém de apresentar qualquer parecer digno desse nome ou
proposta de resolução ao governo com vista à efetiva resolução do problema. Tudo
não passou, para além de uma manifesta perda de tempo, de mais uma forma de
afastar os cidadãos da participação cívica e, com isso, de dar cabo da nossa
democracia.
Neste fechar de olhos governativo, justiça seja feita aos
candidatos do PS à autarquia, que se disponibilizaram para nos ouvir e, oxalá,
para cumprir o desígnio coletivo de salvar o Monte Verde. Até lá, os
Enterococos intestinais haverão de continuar a banhar-se livremente um pouco
por todas as nossas zonas balneares, seja no Monte Verde, no Porto Pim, na
Prainha em Angra ou no Ilhéu da Vila. Resta saber até quando?
Sem comentários:
Enviar um comentário