“Rouba, mas faz”
A análise de resultados eleitorais é uma ciência obscura,
dada a um sem número de teses e teorias, umas mais matemáticas, outras mais
sociológicas, outras, ainda, politico-filosóficas, mas todas com um elevado
grau de adivinhação, como uma espécie de oráculos da coisa pública perscrutando,
entre académicos, comentadores, analistas e políticos, as entranhas sacrificiais
das sondagens e das urnas, boletim a boletim, rua a rua, freguesia a freguesia.
Uma das magias benignas da democracia é essa imprevisibilidade
do voto. A incapacidade intrínseca de prever o comportamento individual de cada
eleitor e, com isso, o agregado do resultado eleitoral. Por mais elucubrações ou
estratégias que se façam, nas democracias maduras, ou pelo menos naquelas em
que o voto não seja adulterado, o povo é sempre soberano e cada cabeça é um
voto e ganha quem tiver mais votos. Em teoria, a alternância democrática é uma
das suas virtudes, a mudança de partidos na governação é uma espécie de sistema
imunitário do exercício do poder, pelo que é sempre surpreendente os fenómenos
de longevidade em democracia, algo que nos parece mais próximo da ditadura do
que da liberdade.
São difíceis as análises sobre os resultados eleitorais na Madeira,
onde o PPD/PSD, com Miguel Albuquerque, conseguiu este domingo a sua 14ª
vitória eleitoral consecutiva, desde 1976, desta feita a 3ª em 3 anos e a
escassos 300 votos de uma nova maioria absoluta. Um feito, a meu ver, com tanto
de notável como de inexplicável. Podemos aviltar o caciquismo e as redes de dependência
criadas ao longo de décadas numa sociedade pequena e insular. Podemos eventualmente
remeter para um conservadorismo intrínseco dos madeirenses, atreitos à mudança
ou a perigosos progressismos, inclusive causticados pelas experiências tantas
vezes traumáticas de séculos de abundante emigração. Podemos ainda elaborar
sobre o otimismo de uma região economicamente desenvolvida e com índices positivos,
onde o turismo desempenha um papel fundamental na evolução do arquipélago,
desde muito antes da própria democracia. O facto é que, mesmo com suspeições de
corrupção, compadrio e laivos indesmentíveis de autoritarismo, o PSD de Albuquerque
está de saúde e recomenda-se, isto até o Ministério Público aterrar de novo na
ilha com a força e o peso de uns quantos C-130.
Mas estas eleições levantam duas questões importantes sobre a saúde geral das nossas democracias. Por um lado, a ideia de estabilidade, tão glosada nos últimos dias, principalmente por protagonistas como Bolieiro ou Montenegro, agitando a bandeira das virtudes de uma suposta estabilidade governativa, consubstanciada nestes resultados, e como se a estabilidade, só por si, fosse algo benéfico para um sistema que se quer dinâmico, evolutivo e, principalmente, rotativo. No que é uma óbvia confusão entre estabilidade e estagnação, que parece ser o caso do pântano democrático em que a Madeira se encontra, aprisionada entre o lodo e a falta de alternativa potável. Por outro lado, a velha questão do: “rouba, mas faz”, esse mantra que se instalou neste país de pequenos e grandes caciques e que convive bem com personagens como Valentim Loureiro ou Isaltino Morais. Agora com a agravante sistémica de um fenómeno que se supunha reduzido ao nível autárquico se querer alastrar, como um pútrido cancro metastizado, aos níveis mais altos do poder, onde políticos sem ética procuram transformar os atos eleitorais numa espécie de referendos à sua idoneidade pessoal e plebiscitos à sua conduta moral, transformando as eleições em salvo condutos para os seus desmandos individuais. É que, ao contrário do que nos querem fazer crer, Albuquerque e Montenegro, na sua demagogia populista e contrária ao Estado de Direito, o julgamento democrático não é o mesmo que o trânsito em julgado. E as eleições servem para avaliar projetos políticos e não para inocentar potenciais ilícitos criminais.