quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Speakers' Corner 44

A frustração de uma petição

Nestes tempos conturbados que vamos vivendo, é frequente ouvirmos os políticos nas televisões falarem da erosão dos valores, da falência da democracia, da ascensão dos populismos e do fantasma de novos totalitarismos que pairam negros e ameaçadores sobre nós, como nuvens de mau agoiro.

A verdade é que esta luta da democracia pela sua autopreservação é já antiga. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial que as democracias ocidentais têm procurado manter o Estado Social e defender o seu contrato com os cidadãos. Não poucas vezes, essa defesa passou pelo apelo à participação cívica e pela criação de instrumentos de democracia direta, como é o caso dos referendos ou, mais concretamente, das petições. Com estes instrumentos, pretendia-se incentivar os cidadãos a fazerem parte do governo democrático, indo mais além do que a mera prática do dever cívico do voto nos atos eleitorais.

No enquadramento constitucional português, o direito de petição está consagrado desde 1976, tendo sido reforçado com a revisão constitucional de 1989 e regulamentado pela Lei n.º 43/90, de 10 de agosto, que estabelece as condições do seu exercício por cidadãos e entidades coletivas. Este direito permite a qualquer cidadão (português ou estrangeiro residente) recorrer aos órgãos de soberania para defender direitos ou propor medidas de interesse geral.

Ao nível da União Europeia, qualquer cidadão dispõe do direito de petição ao Parlamento Europeu, consagrado no artigo 227.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE e no artigo 44.º da Carta dos Direitos Fundamentais. As petições europeias constituem um canal direto entre cidadãos e instituições da UE, reforçando a democracia participativa. Destacam-se particularmente em temas como o ambiente, a saúde pública ou a proteção de direitos fundamentais.

Em ambos os níveis, nacional e europeu, as petições são instrumentos centrais de participação democrática, permitindo aos cidadãos contribuir ativamente para os processos políticos e legislativos, com procedimentos claros, simples e, felizmente, cada vez mais acessíveis graças à digitalização.

O problema é que, infelizmente, e com particular gravidade ao nível regional, as petições têm sido sucessivamente tratadas com uma espécie de sobranceria altiva por parte de deputados, comissões e parlamento. O instrumento peticionário é encarado, nomeadamente pelo parlamento regional, como mais uma maçada regimental que é necessário cumprir com enfado. Recorrentemente, as petições são admitidas, organizam-se audições por parte das comissões competentes, elaboram-se relatórios vazios, em que os partidos que suportam os governos se limitam a fazer eco daquilo que os diferentes departamentos governamentais lhes impingem e, tanto em sede de relatório como de debate, abstêm-se de emitir parecer, fazer recomendações ao governo ou, e aqui os restantes grupos parlamentares são igualmente responsáveis, apresentar qualquer tipo de proposta legislativa ou de resolução que acolha as preocupações dos cidadãos e procure efetivamente resolver os problemas que estas petições sinalizam.

O caso mais recente é o da petição SOS Monte Verde, em que, após inúmeras audições e, até, visitas ao local, tanto a comissão como o plenário foram incapazes de olhar com intenção para as propostas feitas pelos cidadãos com vista a uma solução equilibrada para o problema de contaminação das águas da praia do Monte Verde e das ribeiras que aí desaguam. Pelo contrário, expuseram-se ao ridículo de apenas corroborar as ações que as secretarias envolvidas alegam estar a implementar e que, como ficou claro em julho último, com uma nova interdição a banhos no local, comprovadamente não servem nem resolvem o problema.

Quando tanto se fala em defender a democracia, talvez se devesse começar por aqui: pela proteção e pelo respeito por um dos poucos gestos de democracia participativa que os cidadãos ainda têm ao seu dispor.

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