sábado, 14 de julho de 2018

Mix Tape 2

Track 2 - The Summerhouse

As memórias que guardamos da infância são evanescentes, como sonhos, como bolas de sabão levitando pelo ar. Mas, de todas, talvez as mais impressivas sejam as dos verões. Os verões de criança feitos invariavelmente de mar, de areia da praia e dos ramos das árvores do jardim que trepamos. Aqueles infindáveis verões, meses corridos, de junho a setembro, feitos da mais pura liberdade, inconsciência e infância. Os verões em que corríamos descalços pelas pedras, negras, quentes e pontiagudas. Dávamos mergulhos na água fria. Apanhávamos escaldões e erámos tão absolutamente descomprometidos como o ritmo da espuma das ondas que se abatia, em sons, nas pedras durante a noite, entrecortada de quando em vez pelo vôo tonitruante dos cagarros. Talvez a canção que melhor resume esse sentimento de mágico encantamento das férias de verão seja The Summerhouse. Oitavo tema do terceiro álbum da banda The DivineComedy. “Do you remember / The way it used to be / June to September / In a cottage by the sea […] Distant cousins, local kids / We climbed every tree together / And it never ever rained / 'Til we climbed back on the train / That would take us so far away / From the village and the bay / And the summerhouse / Where we found new games to play […] Do you remember / Sunday lunch on the lawn / Daring escapes at midnight / And costumeless bathes at dawn. […] You were only nine years old / And I was barely ten / It's kind of weird to be back here again / Do you remember / The summerhouse...?” Promenade foi lançado pela editora de culto Setanta, em 1994, tinha eu vinte anos e estava a meio de uma entediante licenciatura. 94 não era já o ano das guitarras, mais ou menos alternativas, ou das excessivas rebeldias de um Nevermind dos Nirvana. 94 foi o ano de Lisboa Capital da Cultura e da sensação de que tudo estava ao nosso alcance, nada nos podia parar. Pode ser estranho que a melancólica música de Neil Hannon e Joby Talbot, uma espécie de plágio Pop de Michael Nyman, se adeque a essa sensação de invencibilidade pós-adolescente. Mas, para mim, nessa altura, era exactamente esse reconhecimento da perenidade das memórias dessa infância, mais ou menos etérea que, não só se manifestava naquele disco, como nos permitia abraçar o futuro, como se de um mergulho nas tranquilas águas dos verões passados na meninice se tratasse.

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