terça-feira, 28 de maio de 2019

Em contraciclo


Há uma ideia latente, no espírito nacional, mesmo desde o tempo da sua fundação, que é a de que Portugal é um país eternamente atrasado relativamente ao centro da Europa. Ninguém corporizou melhor esta ideia, do atraso português, do que a Geração de 70 e esse seu paladino imaginário Carlos Fradique Mendes que, nas suas Cartas, afronta o torpor nacional ovacionando a vibração iluminada das grandes capitais europeias. Pode parecer estranho recuperar esta ideia, a propósito destas eleições para o Parlamento Europeu, mas olhando para os resultados, fica, de facto, a sensação de que corremos em contraciclo, no país, face à Europa, e, nos Açores, então, mais ainda.

A Europa - Dois factos fundamentais dos resultados destas eleições: a participação eleitoral que ultrapassou a mítica fasquia dos 50%; e, a não-vitória dos partidos antieuropeístas. Estes foram os dois fantasmas que assombraram toda a campanha, quer nas parangonas dos jornais, quer nos discursos dos políticos. Por um lado, o medo do progressivo alheamento dos eleitores europeus face às instituições e ao próprio projecto europeu não se confirmou, dando assim como que uma lufada de ar fresco aquele que é o segundo maior, depois da Índia, espaço de democracia do mundo. Por outro lado, aquela que se temia seria a avalanche antieuropeia dos partidos populistas e neofascistas, também, não se confirmou, nem mesmo em França onde, apesar da vitória, Le Pen ganhou com menos votos do que em 2014. No total dos 751 deputados que formam o Parlamento Europeu, a coligação negativa, liderada pelo italiano Salvini, com o americano Bannon como seu novo Maquiavel, não terá mais do que 70 lugares. Mas, outro facto sobressai destas eleições: a queda dos partidos ditos tradicionais e o crescimento dos partidos ecologistas e liberais. O grande desafio dos próximos cinco anos será, forçosamente, a democratização dos directórios europeus e a aproximação das suas instituições aos cidadãos. A escolha da próxima comissão será um momento fundamental neste caminho e fica claro, com estas eleições, que socialistas e conservadores deixaram de ser donos e senhores dos destinos da Europa e passarão a ter de ter, fatalmente, em conta a vontade dos cidadãos que votaram nestas novas ideologias e novas forças partidárias.
O País – Portugal vive em contraciclo do movimento europeu, não só pela esmagadora vitória da indiferença, expressa pela abstenção - 69% - a maior taxa dos 45 anos da nossa democracia, como pela vitória inequívoca do PS. Por essa Europa fora, de uma forma ou de outra, os eleitores perceberam a importância da sua participação, em Portugal não nos podíamos estar mais nas tintas para a Europa e, nem a propositada e absurda focagem da campanha nos temas nacionais, como os fogos, a geringonça, ou os professores, conseguiram mobilizar o eleitorado. E, o contraciclo é ainda maior pela vitória de um partido clássico e no poder, e pela insignificância a que se viram remetidos os novos partidos, que se diziam representar as novas ideologias e as novas formas de estar na política, Livres e Bastas,  Alianças e outros que tais, todos juntos, nem um pavilhão multiusos, desses milhares, que foram construídos com dinheiros europeus ao longo dos anos, em cada vilória do país, conseguiriam encher. A excepção é o PAN, que, ao que parece, cimenta a sua matriz geracional e ideológica, reforçada pelo facto de, hoje em dia, ninguém saber que nessa eterna coligação chamada CDU, para além do PCP, também lá milita um outro partido, que dá pelo nome de Partido Ecologista Os Verdes.
E os Açores – Pois então, por cá tudo mais ou menos na mesma, ou, ainda, um bocadinho pior. 81% de orgulhosos abstencionistas, 1 deputado europeu, um PS absolutamente hegemónico e uma oposição inexistente, ou pior do que inexistente, comatosa, um verdadeiro peso morto no nosso sistema político. Por mais que Alexandre Gaudêncio, num pueril exercício de malabarismo político, queira ver na abstenção um qualquer reflexo de insatisfação dos eleitores com a governação socialista, o facto é que o PSD se afunda cada vez mais, para níveis próximos do ridículo, e o PS-Açores continua, e vai continuar, a ganhar eleições folgadamente, por mais disparates que faça, ou escândalos que dele se aproximem. Em democracia são os votos que mudam os governos, não são as abstenções!
Por último, uma nota para o André Bradford, que será nos próximos 5 anos, o único representante dos Açores no Parlamento Europeu. A Europa precisa de políticos, mais do que técnicos ou tecnocratas, que por lá já abundam em excesso. E os Açores precisam de mais Europa, mas não só a Europa das quotas das pescas e dos cêntimos do leite, dos fundos europeus e das comparticipações de investimento. André Bradford é um político inteligente, experiente e sagaz, que saberá levar os Açores a uma Europa em tumulto, mas fica aqui o repto para que saiba, também, trazer aos Açores uma outra Europa, que não apenas a Europa da retórica partidária e da tirania financeira. 


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