quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Speakers' Corner 4

A Pedra Filosofal

O passado fim-de-semana foi pródigo em fenómenos partidários na região. Em Ponta Delgada, os sociais-democratas reuniram-se em congresso. Uma concentração pujante, impregnada pelo odor inebriante do poder, que teve inclusive direito a destacados convidados de honra. Luís Montenegro, Miguel Albuquerque e, a coqueluche juvenil da social-democracia lusa, o Tom Riddle do centro-direita, o delfim Sebastião Bugalho. Ex enfant terrible do comentário político e hoje bem-instalado deputado europeu. Por seu turno, o Partido Socialista, reuniu timidamente a sua comissão regional, num pequeno auditório na singela e pitoresca Vila Franca do Campo. Nestes dois encontros, uma nota comum perpassa um pouco pelo tom dos discursos e da coreografia política: a obsessão com o “novo”. De um lado e do outro, este parece ser o foco principal de toda a acção político-partidária, o culto e a fixação na renovação e na juventude. O PS-Açores, até, adotou como slogan “um novo futuro” e fez anunciar que tinha renovado em mais de 81% o seu secretariado regional.  

Na velha ciência alquímica, uma das mais ambicionadas quimeras era a descoberta da “pedra filosofal”, uma substância mágica capaz de transformar outros metais em ouro e que era tida, também, como o elixir da eterna juventude, capaz de dar ao seu detentor a imortalidade. Atualmente, a vida política contemporânea parece estar tomada dessa febre, dessa embriagante pulsão pela longevidade e a eterna juventude, expressa na permanente procura de mudança e, paradoxalmente, de perpetuação no poder. Mesmo os partidos ditos mais conservadores parecem acometidos dessa ânsia marxista dos “amanhãs que cantam” e das jovens promessas. Como se o passado fosse um incandescente inferno de calamidades do qual precisam, a todo o custo, de se distanciar.

Não me interpretem mal. Eu sou progressista e acredito no valor da mudança. O triste não é mudar de ideias; triste é não ter ideias para mudar, como dizia o Barão de Itáraré. Mas, é precisamente aqui, no campo das ideias, que este culto partidário da renovação permanente me inquieta. Exatamente porque não são as ideias que eles querem mudar, nem os métodos, nem mesmo alguns cancros metastisados que pululam pelos vasos sanguíneos partidários como cadáveres ambulantes, na forma de longas e inexpugnáveis carreiras políticas. O foco único da mudança autofágica dos partidos são os nomes, as caras e, aqui e ali, um ou outro currículo útil.  O foco da atividade partidária não está nas políticas e nas soluções e na reconquista da confiança política dos cidadãos, mas na saltitante e permanente dança de cadeiras dos seus protagonistas, sejam eles novos-velhos ou falsos novos.

O que a política partidária, elemento fundamental da democracia, precisa urgentemente não é de caras novas, mas de novas soluções e outras e melhores formas de exercer a própria política. Novos métodos e novas estratégias para, dito de uma forma muito simples, resolver os problemas dos cidadãos. De que é que serve renovar em 80% um órgão dirigente se os discursos, as práticas e as ideias são as mesmas de sempre? Se as palavras são as de antigamente, se até o tom e a forma é o mesmo que o antepassado, mimeticamente estudado ao espelho do quarto de banho de hotel, para que servem essas fictícias renovação e juventude?  Destruíram o SNS. A escola pública está um caos. As finanças regionais no precipício de uma bancarrota. Mas são jovens e são novos. O que se percebe deste excitado agitar de rostos e de falsa juventude, ou mesmo desse renovar de listas inteiras de nomes de dirigentes, é que o que estes partidos verdadeiramente procuram é essa mítica “pedra filosofal” que lhes conceda não a mocidade mas a eternidade no poder. Como tristes e cansados Nicolas Flamel, descendentes de uma prática política velha e gasta que, afinal, já pouco ou nada tem para nos oferecer.

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