Sociedade Açoriana de Trapalhadas Aéreas
Há data da sua fundação, a denominada Sociedade Açoreana de
Estudos Aéreos, apresentava-se como instrumento determinante de ligação dos
Açores ao Mundo. Na visão dos seus fundadores, um grupo de cinco notáveis
empresários açorianos, a integração do arquipélago no contexto das ligações
aéreas transatlânticas era condição fundamental para o desenvolvimento
económico da região, não só no turismo mas, também, na alavancagem da exportação
de outros sectores produtivos, e, ainda, como veículo de ligação das ilhas às
suas diásporas. Contrariamente ao que hoje se possa pensar, a SATA não nasceu como
companhia interilhas, o foco da companhia sempre foi a ligação dos Açores ao
exterior.
Ao longo dos seus mais de oitenta anos de história, a
companhia foi sobrevoando intempéries e desastres, reestruturações e vendas,
mas mantendo sempre a sua matriz como companhia de bandeira de um arquipélago
charneira na navegação aérea internacional, particularmente do Atlântico Norte.
Com mais ou menos aterragens e descolagens, fossem elas financeiras, políticas
ou propriamente aeronáuticas, a companhia manteve-se ao longo de décadas em
velocidade de cruzeiro, cumprindo honradamente o seu desígnio, até ao fatídico ano
de 2015 em que duas decisões distintas e aparentemente alheias entre si se conjugaram
para mergulhar a companhia num voo picado rumo ao abismo – a liberalização e o “cachalote”.
A saga do conhecido A330-200, que teve como madrinha de batismo
a cantora Nelly Furtado, popularizado como “cachalote”, foi agora reaquecida e amplificada
por uma reportagem em horário nobre de uma televisão nacional e os contornos
dessas decisões, tomadas em 2015, merecerão, se for caso disso, avaliação pelos
tribunais. Mas, neste voo turbulento da SATA rumo à falência técnica, também
recentemente decretada, com todas as letras, pelo Conselho Superior de Finanças
Públicas, o que ninguém parece querer reconhecer, ou sequer falar, é o papel instrumental
da abertura do espaço aéreo da região, numa liberalização selvagem, com a
recorrente incapacidade dos governos em suportarem os custos das obrigações de serviço
público, por eles definidas, e as suas consequências na saúde financeira da empresa,
numa sucessão de trapalhadas que culminaram na situação atual, em que já nem
mesmo as ditas low cost se propõem voar para os Açores. Na verdade, o
problema da SATA, mais do que financeiro, ou administrativo, que também o é, é,
acima de tudo, político. A liberalização
do espaço aéreo, fervorosamente defendida pelo então secretário de estado Sérgio
Monteiro, foi uma decisão política arbitrária que não teve em consideração os melhores
interesses da região e muito menos da sua companhia aérea, numa liberalização feita
apenas com os interesses dos sacrossantos mercados em vista.
Ao longo dos últimos anos, as decisões dos gestores da
companhia têm sido alvo de escrutínio e impropério por parte de opinião pública
e publicada, mas seria bom que nos debruçássemos também sobre as decisões dos
sucessivos governos, de cá e de lá, na estratégia e no dia-a-dia da companhia. O
que a SATA precisa não é de privatização, mas de boa gestão. A ânsia atual da
privatização busca apenas fugir de um problema, agravando-se a nossa dependência
dos humores financeiros dos interesses privados. O desiderato dos fundadores,
com bravura e sacrifício pessoal, foi abrir os Açores ao mundo, criando
centralidade com uma companhia aérea própria. Hoje, políticos menores
contentam-se com a vista curta de se colocarem inteiramente nas mãos da
ganância dos mercados. E com a agravante, como confirmou recentemente o
Presidente do Governo Regional, em entrevista nobre na televisão, de mais uma
vez se deixar os prejuízos aos contribuintes e os lucros aos privados. Para usar
uma linguagem dos aviões, na iminência da catástrofe: Brace! Brace!