quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Speakers' Corner 10

Sociedade Açoriana de Trapalhadas Aéreas

Há data da sua fundação, a denominada Sociedade Açoreana de Estudos Aéreos, apresentava-se como instrumento determinante de ligação dos Açores ao Mundo. Na visão dos seus fundadores, um grupo de cinco notáveis empresários açorianos, a integração do arquipélago no contexto das ligações aéreas transatlânticas era condição fundamental para o desenvolvimento económico da região, não só no turismo mas, também, na alavancagem da exportação de outros sectores produtivos, e, ainda, como veículo de ligação das ilhas às suas diásporas. Contrariamente ao que hoje se possa pensar, a SATA não nasceu como companhia interilhas, o foco da companhia sempre foi a ligação dos Açores ao exterior.

Ao longo dos seus mais de oitenta anos de história, a companhia foi sobrevoando intempéries e desastres, reestruturações e vendas, mas mantendo sempre a sua matriz como companhia de bandeira de um arquipélago charneira na navegação aérea internacional, particularmente do Atlântico Norte. Com mais ou menos aterragens e descolagens, fossem elas financeiras, políticas ou propriamente aeronáuticas, a companhia manteve-se ao longo de décadas em velocidade de cruzeiro, cumprindo honradamente o seu desígnio, até ao fatídico ano de 2015 em que duas decisões distintas e aparentemente alheias entre si se conjugaram para mergulhar a companhia num voo picado rumo ao abismo – a liberalização e o “cachalote”.

A saga do conhecido A330-200, que teve como madrinha de batismo a cantora Nelly Furtado, popularizado como “cachalote”, foi agora reaquecida e amplificada por uma reportagem em horário nobre de uma televisão nacional e os contornos dessas decisões, tomadas em 2015, merecerão, se for caso disso, avaliação pelos tribunais. Mas, neste voo turbulento da SATA rumo à falência técnica, também recentemente decretada, com todas as letras, pelo Conselho Superior de Finanças Públicas, o que ninguém parece querer reconhecer, ou sequer falar, é o papel instrumental da abertura do espaço aéreo da região, numa liberalização selvagem, com a recorrente incapacidade dos governos em suportarem os custos das obrigações de serviço público, por eles definidas, e as suas consequências na saúde financeira da empresa, numa sucessão de trapalhadas que culminaram na situação atual, em que já nem mesmo as ditas low cost se propõem voar para os Açores. Na verdade, o problema da SATA, mais do que financeiro, ou administrativo, que também o é, é, acima de tudo, político.  A liberalização do espaço aéreo, fervorosamente defendida pelo então secretário de estado Sérgio Monteiro, foi uma decisão política arbitrária que não teve em consideração os melhores interesses da região e muito menos da sua companhia aérea, numa liberalização feita apenas com os interesses dos sacrossantos mercados em vista.

Ao longo dos últimos anos, as decisões dos gestores da companhia têm sido alvo de escrutínio e impropério por parte de opinião pública e publicada, mas seria bom que nos debruçássemos também sobre as decisões dos sucessivos governos, de cá e de lá, na estratégia e no dia-a-dia da companhia. O que a SATA precisa não é de privatização, mas de boa gestão. A ânsia atual da privatização busca apenas fugir de um problema, agravando-se a nossa dependência dos humores financeiros dos interesses privados. O desiderato dos fundadores, com bravura e sacrifício pessoal, foi abrir os Açores ao mundo, criando centralidade com uma companhia aérea própria. Hoje, políticos menores contentam-se com a vista curta de se colocarem inteiramente nas mãos da ganância dos mercados. E com a agravante, como confirmou recentemente o Presidente do Governo Regional, em entrevista nobre na televisão, de mais uma vez se deixar os prejuízos aos contribuintes e os lucros aos privados. Para usar uma linguagem dos aviões, na iminência da catástrofe: Brace! Brace!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Speakers' Corner 9

O fim do sonho europeu

No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, o continente europeu viu-se mergulhado numa escura e amordaçada multitude de escombros. Da destruição física ao trauma psicológico e espiritual. Da desagregação política e económica. E, da tenaz política e geoestratégica de duas novas grandes potências em ardente guerra fria, à sua esquerda e à sua direita. Mas deste pó ergueram-se grandes estadistas e deles brotou a esperança de instituições internacionais fortes, que agregassem os povos, oferecessem esperança e paz e, principalmente, impedissem que o continente soçobrasse de novo ao peso do apocalipse. A “Declaração Schumann”, mais do que um projeto económico, era uma visão ambiciosa e audaciosa para o seu tempo, se considerarmos que foi gizada apenas 5 anos depois do fim da segunda grande guerra. A consciência de que a prosperidade e a paz no continente só seriam possíveis com a normalização das relações entre França e Alemanha, e a sua aceitação por Konrad Adenauer, é um ponto basilar naquilo que foi a história da Europa nos últimos 75 anos. Robert Schumann, juntamente com Adenauer, Jean Monnet e outros, representam uma linhagem de estadistas conscientes e visionários que legaram ao mundo o seu mais longo período de paz e prosperidade. Nunca a expressão de Newton, de que nos “erguemos nos ombros de gigantes”, foi tão acutilantemente pertinente.

Mas desgraçadamente, o tempo dos grandes estadistas, europeus e mundiais, morreu. Os grande líderes políticos que construíram a Europa deram lugar a uma extensa família de eurocratas, e a visão de uma prosperidade que impedisse o eclodir de conflitos foi substituída pela miopia estéril da próxima eleição. Em vez de grandes desígnios ou aspirações, a política europeia é regida hoje pelos curtos ciclos das eleições e a perpetuação de mecanismos pouco claros, pouco democráticos e reduzidamente escrutináveis. Dos quais, o processo de escolha dos líderes da Comissão e do Conselho são, aliás, exemplo claro. E num mundo em acelerada e agitada mudança, a Europa é cada vez mais um velho e inconsequente protagonista, sem voz, sem ascendente e, muitas vezes, sem orientação.

Nas últimas semanas Ursula von der Leyen e António Costa viram confirmadas as suas indigitações para os mais altos cargos europeus. Costa, a quem o jornal Político designava como o primeiro líder europeu de uma “minoria étnica” (sic). O que dá bem nota da sua irrelevância e da baixíssima expectativa quanto ao seu desempenho. De melhor político da sua geração, em Portugal, a obscuro e irrelevante representante de uma minoria étnica, no grande palco europeu. Já a Sra. Leyen, a braços com uma investigação por corrupção na gestão dos contratos vacinais vê-se reconduzida na liderança de uma Europa cada dia mais irrelevante económica, política e estrategicamente, a braços com uma guerra à sua porta, instigada pelos interesses financeiros e económicos da máquina de guerra global, de um lado, e pela ambição de um tirano, pelo outro, numa nova tenaz de medo e conflito, exatamente o que os pais fundadores da União sempre desejaram evitar.

Postos perante esta escolha, os grande areópagos europeus optam pela guerra para assegurar o seu poder. O relatório Draghi indica na indústria militar o caminho para uma nova evolução económica do continente, numa nova corrida às armas e na criação de exércitos europeus, incensados pela sempre voraz racional belicista da alta finança mundial. E, no seu discurso de posse perante o parlamento, a Sra. Leyen vincava estas escolhas, enfatizando o tom de uma luta pela liberdade baseada, pasme-se, na segurança e defesa, e já não, como os gigantes que a antecederam ambicionaram, nos ombros da prosperidade, da igualdade e da fraternidade. É assim, neste sobressalto, que acordamos para dura realidade do fim do sonho europeu.