quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Speakers' Corner 13

Reconquistar a Democracia

A comunicação social, toda ela, na sua permanente excitação editorial, têm estado efervescente com as efabulações das próximas eleições presidenciais. Mesmo que as mesmas só venham a acontecer lá para os idos de 2026. Ricardo Costa, jornalista feito comentador tornado administrador de grupo económico em situação difícil, num exercício de pitonisa política, na última edição da revista do Expresso, escrevia mesmo que a “campanha presidencial cruzará muitos meses de 2025 e  provavelmente abafará as autárquicas”. Ora esta espécie de ejaculação precoce comunicativa, que tanto exalta os comentadores, elabora num erro dramático para a saúde da nossa democracia – a inversão do ónus, subvertendo a importância da própria pirâmide do poder, sobrevalorizando o resultado e subalternizando o decisor, que somos todos nós.

Cinquenta anos depois de Abril, cujas celebrações incompreensível e lamentavelmente passaram mais ou menos despercebidas e envergonhadas um pouco por todo o país, a democracia portuguesa parece ter esquecido a sua principal razão de ser – a procura do bem comum, expressa na vontade popular da maioria dos seus cidadãos. Ao revés, os espaços de ação democráticos foram capturados por interesses privados, com partidos políticos reféns de financiamentos e da sua própria perpetuação no poder, numa ditadura do cifrão que se estende hoje de forma cancerígena ao chamado “quarto poder” que deveria ser independente, escrutinando de forma isenta, e por vezes mesmo impiedosa, os vários níveis do exercício do poder.

A verdade é que, salvo alguma surpresa judicial ou orçamental, o mais importante ato político do ano que agora começa serão as eleições autárquicas, tido como o nível mais baixo do nosso ordenamento político, mas que é verdadeiramente a essência e o chão comum da nossa vida democrática. O poder local representa o elo mais próximo do cidadão com o executivo, seja na freguesia, na autarquia, ou, em certa medida, mesmo na autonomia que mal-amanhadamente se vai praticando nestas ilhas. É no poder local que reside a forma mais pura de exercício político, que não é mais do que a prática do governo da polis, ou seja de todos nós, cidadãos unidos numa comunidade territorial e humana.

De todos os desafios com que nos vemos confrontados hoje, económicos, demográficos, culturais, sociais e políticos, naquilo que se vulgarizou chamar de “grande crise da civilização ocidental”, talvez seja na reconquista do primeiro patamar do poder político, restituindo-lhe a sua primazia na hierarquia dos poderes democráticos, que pode residir o primeiro passo para a reconquista dos valores democráticos e da própria salvação da Democracia. Independentemente das propostas ou das escolhas é na valorização do poder local, enquanto forma mais pura de exercício do governo que pode estar a esperança para os modelos democráticos do futuro, em que seja de novo o cidadão o centro da ação política e não o interesse do amigo ou do partido, o lucro mais ou menos anónimo dos interesses económicos ou as estratégias dos múltiplos maquiavelismos que cegam os diretórios partidários.

A um ano de completarmos o cinquentenário das primeiras eleições autárquicas em liberdade, o futuro da nossa democracia não está na eleição de um qualquer proto autoritário capitão de submarino com passaporte vacinal para a presidência da república. Está na reconquista, freguesia a freguesia, autarquia a autarquia, do poder pelo povo, com projetos políticos coerentes e estruturados, que sejam altruístas e verdadeiros, sejam eles de partidos, por mais enquistados que estes estejam, ou de listas de cidadãos, naquele que até é um dos poucos patamares da democracia em que tal é possível, restituindo de novo à Democracia a sua mais límpida natureza – o exercício do bem comum, em vez do interesse de cada um.

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