Os Carteiristas
“O Carteirista” é um filme, de 1959, realizado pelo renomado
cineasta francês Robert Bresson, e reconhecidamente considerado como um dos
mais importantes filmes da história do cinema. Michel, é um carteirista
insensível, apaixonado por uma bela e sentimental Jeanne, que corre as ruas de Paris roubando carteiras e
bens de insuspeitos transeuntes. Tal como o excecional Raskolnikov de
Dostoiesvky, no célebre “Crime e Castigo”, aliás inspiração para o próprio
filme, Michel vive à margem da lei e da moral, vendo-se a si próprio num
espelho de superioridade face ao mundo que o rodeia. O roubo, na particular
formulação mental de Michel, é um direito e imperativo da sua condição
superior.
Entrou recentemente em vigor, em alguns concelhos da ilha de
São Miguel, apesar de uma suposta unanimidade na sua decisão e aplicação, a tão
propalada Taxa Turística Municipal que, acoberto de uma hipotética pegada
turística nos municípios, com sobrecustos a nível de resíduos, limpeza, infraestruturas
e espaços públicos, ou de interesse turístico, estes decidem ir ao bolso de
quem nos visita, utilizando para isso a mão trémula das unidades de alojamento.
O Turismo, como aliás se tem visto um pouco pelo país, e apesar de ser
reconhecidamente o motor atual da nossa recuperação e resiliência económica, é
solo fértil para todo o tipo de populismos. É, também, razão e exemplo dos mais
básicos instintos humanos, como a inveja, a avareza ou a irracionalidade que nos
acometem quando percecionamos, palavra tão na moda, nos outros um bem, uma
abundância, que nos parece legitima ou ilegitimamente nossa. Há a perceção de
que o Turismo é uma espécie de nova galinha dos ovos de ouro e todos querem um
pedaço desse bolo.
Existem diversos aspetos nesta medida que vão contra a mais
elementar razoabilidade. Como aliás se viu na reversão da Taxa Regional, que o
PAN pretendeu instituir mas que a ALRAA logo, e bem, compreendeu cancelar.
Desde logo há aqui uma incompreensão sobre a indústria e o negócio que 1) não
explicita os supostos impactos e 2) não entende a natureza e a dimensão da
atividade. Veja-se a entrada em vigor de uma medida quando em alguns casos
quase 50% da ocupação já estava vendida previamente. O mito da “massificação”
turística é outra dessas questões, mas isso dava para todo um outro artigo.
Depois, há uma questão de publicidade enganosa, ou de greenwashing se quisermos,
em que os municípios se dizem responsáveis por algo que na sua quase totalidade
não são. E prometem coisas que sabemos que não farão. Já para não falar numa
ideia de limitação de uma taxa a 3 noites, que foi vendida como sendo o limite
a cobrar a cada visitante na ilha, mas que na verdade é um limite por estabelecimento,
podendo na realidade um visitante que disfrute de suponhamos 8 dias na ilha,
que pagar taxa de cada vez, como amiúde sucede, que mudar de alojamento, seja
dentro de Ponta Delgada, ou da Vila Franca para as Furnas.
Se juntarmos a isto tudo o facto de que os principais pontos
turísticos da ilha serem na realidade responsabilidade privada ou do Governo Regional,
veja-se o exemplo do chá, ou dos ananases, das lagoas, ou do ilhéu da Vila, os
trilhos que, na sua grandíssima maioria, são pagos pelo governo, os
nadadores-salvadores que a maioria das câmaras se recusam a pagar, ou de estas
já receberem, por via do aumento da fatura da água, avultadas quantias nos seus
orçamentos por via do incremento da atividade turística. Já para não falar nas óbvias
dúvidas processuais e constitucionais, ao nível de proteção de dados, ou da
reserva da vida privada, para dar apenas dois exemplos, que muitos dos
regulamentos já publicados colocam. A verdade é que os municípios de São Miguel
se comportam como carteiristas, indo ao engano, ludibriando e furtando, agindo
na sombra, a título de uma autoridade moral que na verdade não têm. E assim se
esfola a galinha dos ovos de ouro.
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