quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Speakers' Corner 15

Os Carteiristas

“O Carteirista” é um filme, de 1959, realizado pelo renomado cineasta francês Robert Bresson, e reconhecidamente considerado como um dos mais importantes filmes da história do cinema. Michel, é um carteirista insensível, apaixonado por uma bela e sentimental Jeanne, que  corre as ruas de Paris roubando carteiras e bens de insuspeitos transeuntes. Tal como o excecional Raskolnikov de Dostoiesvky, no célebre “Crime e Castigo”, aliás inspiração para o próprio filme, Michel vive à margem da lei e da moral, vendo-se a si próprio num espelho de superioridade face ao mundo que o rodeia. O roubo, na particular formulação mental de Michel, é um direito e imperativo da sua condição superior.

Entrou recentemente em vigor, em alguns concelhos da ilha de São Miguel, apesar de uma suposta unanimidade na sua decisão e aplicação, a tão propalada Taxa Turística Municipal que, acoberto de uma hipotética pegada turística nos municípios, com sobrecustos a nível de resíduos, limpeza, infraestruturas e espaços públicos, ou de interesse turístico, estes decidem ir ao bolso de quem nos visita, utilizando para isso a mão trémula das unidades de alojamento. O Turismo, como aliás se tem visto um pouco pelo país, e apesar de ser reconhecidamente o motor atual da nossa recuperação e resiliência económica, é solo fértil para todo o tipo de populismos. É, também, razão e exemplo dos mais básicos instintos humanos, como a inveja, a avareza ou a irracionalidade que nos acometem quando percecionamos, palavra tão na moda, nos outros um bem, uma abundância, que nos parece legitima ou ilegitimamente nossa. Há a perceção de que o Turismo é uma espécie de nova galinha dos ovos de ouro e todos querem um pedaço desse bolo.

Existem diversos aspetos nesta medida que vão contra a mais elementar razoabilidade. Como aliás se viu na reversão da Taxa Regional, que o PAN pretendeu instituir mas que a ALRAA logo, e bem, compreendeu cancelar. Desde logo há aqui uma incompreensão sobre a indústria e o negócio que 1) não explicita os supostos impactos e 2) não entende a natureza e a dimensão da atividade. Veja-se a entrada em vigor de uma medida quando em alguns casos quase 50% da ocupação já estava vendida previamente. O mito da “massificação” turística é outra dessas questões, mas isso dava para todo um outro artigo. Depois, há uma questão de publicidade enganosa, ou de greenwashing se quisermos, em que os municípios se dizem responsáveis por algo que na sua quase totalidade não são. E prometem coisas que sabemos que não farão. Já para não falar numa ideia de limitação de uma taxa a 3 noites, que foi vendida como sendo o limite a cobrar a cada visitante na ilha, mas que na verdade é um limite por estabelecimento, podendo na realidade um visitante que disfrute de suponhamos 8 dias na ilha, que pagar taxa de cada vez, como amiúde sucede, que mudar de alojamento, seja dentro de Ponta Delgada, ou da Vila Franca para as Furnas.

Se juntarmos a isto tudo o facto de que os principais pontos turísticos da ilha serem na realidade responsabilidade privada ou do Governo Regional, veja-se o exemplo do chá, ou dos ananases, das lagoas, ou do ilhéu da Vila, os trilhos que, na sua grandíssima maioria, são pagos pelo governo, os nadadores-salvadores que a maioria das câmaras se recusam a pagar, ou de estas já receberem, por via do aumento da fatura da água, avultadas quantias nos seus orçamentos por via do incremento da atividade turística. Já para não falar nas óbvias dúvidas processuais e constitucionais, ao nível de proteção de dados, ou da reserva da vida privada, para dar apenas dois exemplos, que muitos dos regulamentos já publicados colocam. A verdade é que os municípios de São Miguel se comportam como carteiristas, indo ao engano, ludibriando e furtando, agindo na sombra, a título de uma autoridade moral que na verdade não têm. E assim se esfola a galinha dos ovos de ouro.

 

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