quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Speakers' Corner 54

As vencedoras e os vencidos

Os cenários pós-eleitorais são sempre férteis em elações, conjeturas, explicações e narrativas. Os americanos até têm um nome próprio para os profissionais que se dedicam a esta arte específica da comunicação política: os chamados spin doctors. Que é como quem diz, especialistas em dar a volta aos resultados.

Estas últimas eleições autárquicas, em particular aqui nos Açores, foram ricas em exercícios de contorcionismo verbal, sobretudo por parte dos líderes dos grandes partidos e, de forma bastante contundente, do candidato do PSD à Câmara de Ponta Delgada, todos prontos a clamar para si vitórias, mesmo que fossem vitórias de Pirro, como foi o caso.

Cada um, à sua maneira, cantou vitória, reclamando para si e para os seus os louros de mais votos, mais mandatos, uma percentagem que sobe aqui, uma freguesia ganha acolá. É o habitual nestas ocasiões, mas nem sempre é o mais justo, muito menos o mais verdadeiro.

No meu entender, o facto mais relevante destas eleições é, sem dúvida (ainda mais do que o alarme falso do CHEGA!...), a extraordinária vitória das mulheres. Nunca os Açores tiveram tantas mulheres a liderar autarquias, numa demonstração clara de uma evolução sísmica na política regional. Fátima Amorim, Ana Brum, Catarina Manito, Elisabete Nóia, Catarina Cabeceiras, Vânia Ferreira, Bárbara Chaves e Graça Melo, esta última com uma vitória tão retumbante quanto surpreendente. E, se juntarmos a isto as prestações inesperadas de Sónia Nicolau e de Lurdes Alfinete, uma tirando a maioria a Pedro Nascimento Cabral na maior autarquia dos Açores, e a outra ficando a uns escassos trezentos e poucos votos de virar a Ribeira Grande, temos uma demonstração vibrante de que foram, sem sombra de dúvida, as mulheres as grandes vencedoras desta noite eleitoral.

No campo dos derrotados, e ao contrário do que quiseram fazer parecer nos seus discursos de circunstância, José Manuel Bolieiro, Francisco César, Paulo Estêvão, José Pacheco e Pedro Nascimento Cabral saem da noite de domingo com mais razões de preocupação do que de regozijo. Por mais que o líder do PSD e do Governo queira cantar vitória, não consegue uma vitória robusta que lhe dê lastro para sobreviver às tempestades que aí vêm, nomeadamente as da SATA, da bancarrota e de um orçamento regional com mais austeridade do que o da Troika. Paulo Estêvão sofre uma derrota envergonhante no seu pequeno feudo particular, agravada pelas suspeitas que recaem sobre o seu candidato. José Pacheco ficou longe do que pretendia, ou sequer do que se esperava e, apesar de garantir a eleição para vereador em Ponta Delgada, não consegue, nem nas freguesias, as vitórias que lhe vaticinavam os observadores.

Por último, Francisco César vê o partido resvalar ainda mais no seu processo descendente que, apesar de ter mais votos do que o PSD, se traduziu na perda de câmaras, freguesias e mandatos, com a vergonha maior de ficar em terceiro lugar, atrás de Sónia Nicolau, em Ponta Delgada. Onde, aliás, seria importante que os dirigentes da secção concelhia do partido tirassem as devidas ilações da péssima condução de todo este processo.

Em Ponta Delgada, Pedro Nascimento Cabral perde dois vereadores, fica empatado com Sónia Nicolau e sofre uma queda impressionante de quase quatro mil votos. Fica agora dependente de difíceis negociações para conseguir aprovar o seu programa, tarefa árdua para alguém que já demonstrou não ter feitio para grandes diálogos.

Espero sinceramente que, neste cenário difícil que se avizinha, tanto na Câmara de Ponta Delgada como na Região, não venha a ser o PS de Francisco César a dar a mão aos desmandos de um PSD que, em conjunto, pode reivindicar os dúbios títulos de pior presidente de câmara e pior governo regional de sempre. Nem mesmo com a desculpa esfarrapada da “estabilidade”, porque a estabilidade é o refúgio dos fracos, e os Açores pedem lideranças fortes para navegar tempos de tempestades…

 

Sem comentários: