Permitam-me que, nesta ocasião especial, quebre o
protocolo e comece por cumprimentar a Sra. D. Maria Emília Brederode dos Santos
e, na sua pessoa, toda a família do Professor José Medeiros Ferreira e, também,
a organização deste encontro de afectos.
Cara Maria Emília
Sua Excelência, Presidente do Governo Regional dos
Açores,
Dr. Vasco Cordeiro, Caro Amigo
Caras Amigas e Caros Amigos do Professor José Medeiros
Ferreira
Se o Professor Medeiros Ferreira estivesse aqui
connosco hoje e contenho-me para não invocar a formulação cristã – ele está no
meio de nós – arrisco a dizer que certamente estaria, neste momento, com o seu
vasto sorriso e elegância habitual, a comentar as façanhas dos miúdos do Rui
Jorge e a vitória derrota da selecção nacional na final do Europeu de
Sub-21.
Teria chegado a esta sala depois de assistir ao jogo
num qualquer restaurante de Ponta Delgada, comentando passes, dribles,
desmarcações, o timing das
substituições, o futuro na carreira desses miúdos. Quando encontrasse um
benfiquista, lançaria um lamento pela venda do Bernardo Silva e, aos
Sportinguistas, recomendaria cautela com o potencial incendiário da dupla Bruno
de Carvalho -/- Jorge Jesus.
Depois, e ainda antes de falar de política, falaria de
banhos de mar, da temperatura da água no pesqueiro nesta época do ano, se há ou
não águas vivas na praia do corpo santo…
Aqui, entre amigos, o Professor Medeiros Ferreira
seria como sempre foi: um amante das coisas boas da vida e um ser humano de uma
imensa disponibilidade para os outros, para conversar com os outros. Penso que
não haverá traço mais distintivo da sua personalidade, depois da benigna
vaidade pessoal, do que essa permanente sede de conversa, de debate de ideias,
de argumentar, a favor, contra, baseando sempre o seu discurso na enorme
erudição e pautando cada frase, cada ideia, com uma ironia que era só sua.
Aqui, entre camaradas, o Professor Medeiros Ferreira
não deixaria de falar de política, a nacional e a europeia, que são cada vez
mais uma e a mesma coisa. Criticaria ironicamente uma Europa refém da Finança, esquecida
da sua própria história, governada por meros mangas-de-alpaca inspeccionando
avidamente balancetes de dívida sem a noção dos povos e do desenho dos mapas.
Uma Europa onde, na sua fronteira leste, os novos fascistas Húngaros constroem
muros de má memória e os amanuenses de Bruxelas ponderam fazer cair a mais
antiga Democracia da História. Se aqui estivesse hoje o Professor Medeiros
Ferreira poderíamos certamente ouvir o seu comentário sarcástico à triste sina
de um país que tem como primeira figura do Estado um professor de finanças (sempre
os professores de finanças) que, sem uma gota de sensibilidade humana, reduz
toda uma Nação de 10 milhões de pessoas a um número - um 19, que serão 18,
ambicionando talvez ele (o professor de finanças) que sejamos nós o 17…
Que falta nos faz o Professor Medeiros Ferreira e a
sua sagacidade política, o seu instinto certeiro, a capacidade de saber
antecipadamente o resultado político de um determinado gesto, de um determinado
discurso.
Aos seus camaradas, de cá e de lá, não deixaria de
alertar para os riscos da actual situação política, apelando para que não se
deixem enredar na discussão pequena, na luta estéril, da espuma dos dias.
Apelando a que as ambições dos socialistas, quer para se manter no poder, quer
para o alcançar, sejam sempre as de um partido humanista e verdadeiramente,
social-democrata. Coisa que os partidos à nossa Direita já deixaram de ser e
que importa urgentemente revelar, assim como urge mostrar às novas gerações que
nem só de bandeiras fracturantes, agitadas em manifestações ou sorrateiramente
afixadas nos edifícios do Estado, se faz a Esquerda.
Aqui, na sua terra e entre os seus, o Professor
Medeiros Ferreira falaria das ilhas e da açorianidade,
hoje palavra tão em voga. Mas uma açorianidade
feita de mundo, feita da ideia de um arquipélago na ponte entre dois sonhos, o
sonho europeu e o sonho americano, e da extraordinária potencialidade de sermos
essa ponte. Uma açorianidade já não
feita de antítese aos mandos e desmandos da República, mas da afirmação segura
da importância de um povo que se expressa pela força do próprio Atlântico,
tanto aqui, nas nove ilhas, como em Lisboa e na restante Europa – como ainda e
parafraseando Pessoa, nesse Ocidente ao Ocidente do Ocidente que é a América.
Uma açorianidade até, que pela sua asserção
plena, poderá ser a génese da refundação do ideal europeu, já que uma Europa
feita de povos e pelos povos terá sempre que começar na identidade de cada um
de nós, seja nos estados ou nas regiões.
Nestes dias em que a Europa parece desfalecer sob o
manto de uma incompetente, falsa e nefasta unidade monetária, compete a cada
democrata, seja no Corvo ou em Creta, dizer que a Europa se faz de pessoas, dos
seus espaços e dos seus ideais pois é deles que é feita a História e, sem a
História, não somos nada.
Terminada a homenagem, feitas as honras, depois de
todos os cumprimentos, o Professor Medeiros Ferreira agregaria à sua volta um
grupo de amigos, jovens e menos jovens conforme o espírito. De chapéu e andar
altivo, desceríamos juntos a rua até às Portas do Mar, sentindo a maresia e o
calor do verão, e numa qualquer esplanada deixaríamos a conversa eternizar-se
em volta de uma mesa, uma ideia e muitas amizades.
Obrigado Professor, pela sua amizade.
Pedro Arruda
30 de Junho de 2015
texto lido ontem no Teatro Micaelense na sessão de homenagem ao Professor Medeiros Ferreira