sábado, 4 de setembro de 2021

Em defesa da Heresia, uma resposta a Maria do Céu Patrão Neves.

 

Galileu Galilei observando os astros

Os caminhos da intolerância são tortuosos e enviesados. Ela infesta-se como uma erva daninha, procurando os buracos, os vazios, por onde trilhar o seu infestante precurso. Agarrando-se, grudando-se, como uma trepadeira, um denso e espesso manto que abafa e encobre. Como um nevoeiro, dir-se-ia, que tudo envolve na sua opacidade húmida e palpável. A Democracia é o único sistema político que nos insta à tolerância, que permanentemente nos obriga ao exercício da aceitação do outro e do respeito pela diferença, num permanente equilíbrio de oposições. Hannah Arendt, filósofa alemã, de origem judaica, teorizou profusamente sobre as origens do totalitarismo e da intolerância, sobre o papel do bem e do mal nas nossas vidas, individuais e coletivas, e sobre, nas suas próprias palavras, a “terrivelmente normal banalidade do mal”. Num dos seus escritos, Arendt, ela própria fugida ao terror nazi, advertiu que: “Se não formos perdoados, libertos das consequências dos nossos atos, a nossa capacidade de agir estaria, por assim dizer, confinada a um único ato do qual nunca poderíamos recuperar, seríamos vítimas das suas consequências para sempre.”

Vem este pequeno introito a propósito do artigo, publicado hoje, pela Professora Maria do Céu Patrão Neves sobre aquilo a que a própria chama, de forma bastante genérica, de “negacionistas”. Este debate maniqueísta e excessivamente simplista, amplificado à exaustão pela comunicação social, entre aquilo que poderíamos chamar de “situacionistas”, no sentido dos que aceitam acriticamente os postulados da ditadura pandémica e todos os outros, que vão desde o pobre trabalhador que se viu layoffizado, ao mais aguerrido e galvanizado anti-vaxxer, passando por largas centenas de cidadãos que apenas perguntam porquê(?), e a que se convencionou englobar no vasto chapéu-de-chuva de “negacionaistas”, este debate, dizia eu, está inquinado na origem, porque se autoanula na sua própria polarização dogmática e cuja expressão máxima nacional foi o epiteto de “obscurantismo”, cozido como um crachá, pelo Sr. Vice-almirante, no peito de todo e qualquer “negacionista” que tente fazer ouvir a sua voz em oposição aos ditames da ditadura sanitária e à narrativa oficial do totalitarismo pandémico. Como se ser-se crítico da conformidade pandémica fosse toda uma nova e abominável forma de heresia.

Uma das grandes e talvez primeiras vítimas desta pandemia foi, precisamente, o pluralismo. Vastos sectores das nossas sociedades parecem ter caído, voluntariamente, no precipício do unanimismo acéfalo, apregoando uma espécie de consenso medieval sobre o dogma pandémico. E, o mais absurdo de tudo isto, é que o fazem acoberto de um fervor cientificista, uma quase encíclica científica, que é, ela própria, a antítese de tudo aquilo que a ciência, a verdadeira ciência, representa enquanto campo de dúvida e de permanente interrogação do saber. E, é precisamente na esteira deste fio de pensamento fascizante, de uma suposta superioridade intelectual dos pró-covid versus os contra-covid, que o artigo de Patrão Neves se insere, sugerindo, de forma aviltante, numa quase xenofobia intelectual e das ideias, que os “negacionistas” são todos irracionais e culpados do supremo crime de não professarem do pensamento único e é, por isso mesmo, que tal artigo merece resposta.

Patrão Neves, entre outras coisas absurdas, como misturar a pandemia com as alterações climáticas, declara a incapacidade de raciocinar de todos aqueles que ponham em causa a “ciência” pandémica, utilizando para isso o argumento emocional dos óbitos. 17 mil em Portugal, um milhão e trezentos mil na Europa, mais de 4 milhões e meio em todo o mundo, são a prova da superior razão pandémica e da vil ignorância negacionista. “Eram pessoas, com os seus projectos e vida e famílias, pessoas como nós e morreram.” Diz-nos, lacrimejando, suponho eu, Patrão Neves. O problema do populismo é a sua própria fragilidade argumentativa. A morte é, em si mesma, uma componente última, da vida. É uma inevitabilidade real à qual o covidiotismo procura opor-se, como uma espécie de coiote à caça do Bip-bip. A morte é impossível de parar ou de conter e, no processo, é o coiote que sai chamuscado. O que Patrão Neves não diz é que a taxa de letalidade da Covid-19 é de 3% e que mais de 70% das mortes, ditas, por Covid-19 tinham acima de 70 anos, quando a esperança média de vida é 80. (E, já nem vale apena aqui entrar na questão dos PCR...).

Ao longo do tempo, tem sido a própria pandemia a pôr em causa todas as supostas verdades do discurso oficial, seja na letalidade do vírus, na forma de disseminação, na eficácia da vacina, na sua transmissibilidade e imunização. Seja, na evidencia empírica, protagonizada pela Suécia, de que nada do que foi feito em Portugal era, em boa verdade, necessário. Porém, para Patrão Neves, questionar tudo isto é um sinal de “ignorância”, numa inversão indesculpável e inaceitável de tudo aquilo que deveria ser o debate, já não só científico, mas acima de tudo e isso sim, democrático. 

No mais, a lógica de Patrão Neves é apenas um libelo infeliz pejado de intolerância e autoritarismo, igual a tantos outros que temos visto, por estes dias da peste, que vivemos desde Março de 2020. Um comboio de fel, carregado, nas suas próprias palavras, de “falta de paciência”, “exasperação”, “emoções primárias”, irracionalidade e insustentabilidade de ideias e, mais triste, ou cómico se quisermos, numa extraordinária incapacidade de se ouvir e ler a si própria, de alguém que começa por defender a necessidade de um pensamento único, mas acaba a apelar ao espírito crítico, como única forma de o instituir. Pois quanto a isso, da minha parte, nada contra. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Negacionista Involuntário

Primeiro foi uma pandemia sustentada num teste pouco fiável e com uma mortalidade, felizmente, reduzidíssima. Foram as máscaras, as superfícies, o distanciamento e os confinamentos.  Depois foi a panaceia vacinal que tudo iria curar e trazer a ansiada alvorada do novo normal. E, então, vieram as variantes que não podiam ter nacionalidade e que só podiam ser nomeadas em código. Agora a vacina já não cura, já não impede a infeção, nem a transmissão e nem sequer a tão almejada imunidade de grupo. Uma vacina tão imprescindível, universal e maravilhosa que até as crianças saudáveis tem que ser inoculadas, mas à qual não levantaram as patentes e, no resto do mundo, apenas menos de 10% da população conseguiu ser picada com tão mágico elixir. Pelo caminho o vírus segue a sua marcha, a mortalidade por Covid é a menos de 2% da mortalidade global e mais de 80% é acima dos 70 anos (e tudo isto baseado no tal teste manipulável à vontade do freguês…). Entretanto, no auge da ditadura pandémica, um passaporte vacinal e a segregação e a xenofobia viral. Tudo acoberto desse novo dogma chamado “ciência” e a espada dessa nova inquisição chamada “comunicação social”. E o negacionista sou eu?!? Continuação de boas férias…

P. S. Este curto post foi previamente censurado pelo Facebook. É isto o “novo normal”…

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Em louvor da Tolerância

 

Auto-de-fé, Jan Luykens, 1559

A História da Humanidade é uma história de intolerância ou, dito de outra forma, é a estória da luta pela tolerância. E, é uma saga que recua a mais de 2 milhões de anos atrás, às lutas entre o homo habilis e o homo erectus, predecessores do designado homo sapiens, designação essa que, olhando o estado do mundo hoje, se diria ser, no mínimo, ligeiramente exagerada. Desde tempos imemoriais, antes mesmo que houvesse história, os humanos desconfiaram uns dos outros e evoluíram em permanente conflito. Citando Tucídides que, com a sua História da Guerra do Peloponeso, é considerado o pai da História, “toda a Terra é uma sepultura de homens famosos”. Um dos períodos mais negros desta infindável história de beligerância entre homens que se supunha serem iguais durou quase mil anos e teve como rosto essa infame instituição chamada Santa Inquisição. A Inquisição nasce, no séc. XII, como um tribunal católico que visava combater a heresia e a blasfémia, basicamente, aquilo a que hoje chamaríamos delito de opinião. Em nome do dogma da fé e contra a heresia, que mais não é do que uma divergência de pontos de vista, foram cometidos alguns dos mais horrendos crimes contra a dignidade do homem, o saber, a ciência, a tolerância e, numa palavra, contra a humanidade. O mais famoso de todos os inquisidores é, sem dúvida, o espanhol Tomás de Torquemada, confessor da Rainha Isabel a Católica, que ficou conhecido no seu tempo como “o martelo dos hereges”. Em Portugal, ao longo de quase 300 anos, e até à sua extinção em 1821, foram inúmeros os autos-de-fé, sendo a consequência mais gravosa de muitos deles a fogueira método pelo qual se queimava não só o corpo, mas, acima de tudo, o espírito dos hereges. Em O Nome da Rosa, Umberto Eco descreve assim o real Grande-Inquisidor Bernardo Gui: “Era um dominicano de cerca de setenta anos, frágil mas direito de figura. Impressionaram-me os seus olhos cinzentos, frios, capazes de fixar sem expressão, em que muitas vezes, porém, havia de ver bailar lampejos equívocos, hábil tanto em ocultar pensamentos e paixões como em exprimi-los de propósito.” … “Concluí que, de algum modo singular, ele estava inquirindo, e valia-se de uma arma formidável que todo o inquisidor no exercício da sua função possui e manobra: o medo do outro.

Vem este curto introito histórico a propósito de uma nova “heresia”, perseguida com fervor inquisitorial pela turba fanática e os seus muitos grande-inquisidores de hoje – a anti-vax. Neste tempo de aguda polarização, desde o início da loucura pandémica que qualquer tipo de dissinto é tido como heresia e quem ousar questionar essa nova fé científica é imediatamente apostado de negacionista. Embora, não deixe de ser irónico que o negacionismo tenha inicialmente sido usado para apontar pejorativamente os críticos das alterações climáticas, essa sim uma pandemia de consequências globais e genocidas. Mas, neste auge do fervor pandémico, os novos torquemadas do covidismo e inquisidores da vacinação escolheram imolar na fogueira do segregacionismo todos aqueles que, por qualquer íntima razão, escolheram e decidiram, fazendo uso do seu livre-arbítrio, recusar a vacina. Subitamente, é como se todo um novo vagão de cristãos-novos se formasse na sociedade açoriana, portuguesa, mundial, de pessoas ostracizadas pelo crime de pensamento. Esta intolerância primária e abjeta é não mais do que um novo auto-de-fé, onde, à luz de um dogma, de uma inusitada e ignóbil fé, se procura queimar quem pensa de forma diferente, com o mesmo autoritarismo e sobranceria moral dos torquemadas de antigamente. Mesmo que estivesse em causa um vírus com uma letalidade de 90% em vez dos 2% que este tem. (Isto se acreditarmos nos próprios métodos e números da OMS. Um dia far-se-á a história dos testes RT-PCR e das mortes "com" e "de" Covid-19). Mesmo, dizia eu, que esta pandemia fosse verdadeiramente uma ameaça mortal à sobrevivência da humanidade, quando, para a travar, abdicamos dos fundamentos do que nos faz humanos e de algo tão primordial à existência como é a tolerância a pergunta que fica é: estamos a lutar para salvar exatamente o quê? Se um mundo de cego e totalitário conformismo e intransigência, ou uma civilização que funde os seus pés na tolerância e no respeito como essência de todas as aspirações humanas. Eu escolho seguir e acreditar neste último.


sábado, 26 de junho de 2021

os componentes do olhar

 

Migrant Mother (1936) photo by Dorothea Lang

Imaginemos, por um momento, um país civilizado. E, imaginemo-lo numa ilha que é essa a forma verdadeira de todas as utopias. Nesse país todas as pessoas são educadas e letradas, cursaram as mais prestigiadas universidades, completando doutoramentos e pós-doc. A economia é pujante e efervescente, exalando dinamismo e empreendedorismo e todos os outros ismos da língua e do inevitável anglicismo. Desemprego inexistente e superavit permanente. Nesse país o Estado é uma entidade magnânima e protetora. Provendo zelosamente as mais básicas necessidades dos cidadãos. Sistema de Saúde Universal, com cobertura a cem porcento. Maternidades de ponta, médicos de família com rácio de 1 para 10 e cuidados primários e políticas para a prevenção na saúde tão eficazes que o mais moderno centro de tratamento oncológico era um imenso e ecoante vazio. Os melhores números na educação, zero abandono escolar, iguais taxas de reprovação. No desporto um acumular de medalhas e vitórias em mundiais e olimpíadas. As forças de segurança, desarmadas, desempenham funções cívicas, auxiliando crianças e idosos. O exército, dedicado apenas a missões de paz em países estrangeiros, empobrecidos, dizimados pela fome, a pobreza e a guerra. Não existem cidades, nem campo, nesse país, todo o território é um vasto e geométrico subúrbio equilibrando suavemente a natureza e o urbanismo numa síntese perfeita e harmónica entre a terra e o homem. Imaginemos que esse país é súbita e misteriosamente atacado por uma pandemia, provocada por um vírus desconhecido e, potencialmente, letal. O Governo decreta imediatamente um confinamento geral que é escrupulosamente respeitado por toda a população. O país entra em pausa. Os cidadãos, recolhidos aos seus lares amplos e modernos, acompanham pelas televisões o evoluir da situação. Ouvem-se os melhores especialistas, os mais doutos sábios e cientistas, números são analisados, gráficos desenhados, curvas e planaltos, equações e extrapolações, relatórios clínicos e múltiplos cenários. Os governantes exortam o civismo e a responsabilidade individual, a nação inteira une-se na batalha pandémica. Indiferente ao estrito confinamento e distanciamento, ao uso permanente de máscara e etiqueta respiratória, o vírus segue o seu variante caminho, positivando constantemente, internando esporadicamente e matando raramente. Trabalhadores e empresas abraçam o teletrabalho, os negócios fechados vivem das subvenções do Estado. Os jovens comunicam por Tik-tok e os pais por Whatsapp. A sociedade prossegue num confortável alheamento a narrativa pandémica até que um dia, como se despertasse de um sonho, alguém decide sair à rua e, espreguiçando-se num prolongado abrir dos braços, respirar.

Imaginemos, agora, uma outra ilha. Pobre, deficitária, caótica. Governada pela cobiça e a incompetência. Onde a pobreza grassa e a saúde escassa. Onde o medo medra, como uma acha, soprada em labareda, disseminando-se a uma velocidade maior que a contaminação do bicho. Onde o confinamento não é mais do que uma pandemia em cima de uma pandemia, impondo destruição e desigualdade em cima de confusão e desunião. Onde a demagogia e o populismo são armas de arremesso no autoritarismo simplista e o mais básico bom-senso é liminarmente suprimido no êxtase do fascismo sanitário. Imaginemo-nos, então, a nós e perguntemo-nos em que mundo habitamos nós, verdadeiramente?

Num mundo perfeito qualquer pandemia é benigna. No nosso mundo a pandemia começa, de facto, dentro de cada um de nós, mas não na bioquímica, antes sim na forma como o nosso olhar se lança sobre as cambiantes de cada dia e como o coração, e o pensamento, abraçam as emoções que compõem a sinfonia da Vida, porque é isso que verdadeiramente nos faz humanos. 

terça-feira, 25 de maio de 2021

Os testes PCR e ratinhos de laboratório

 


Abordemos, então, a questão dos testes. Mas, antes, duas notas prévias. Em primeiro lugar, o necessário desmentido do rótulo de negacionista. Não que me chocasse sê-lo, mas porque não nego a existência do vírus, nem entro em cabalas e teorias de conspiração sobre a sua origem e os lucros que gerou e em proveito de quem. Embora, quanto mais avançamos neste pesadelo pandémico, mais me sinta tentado a fazê-lo. O que nego, sim, é esta pseudociência que se impôs sobre as nossas vidas e que pretende comandar o mundo com a régua e o esquadro dos esquemas de Excel e Power Point, esquecendo que o mundo é feito de pessoas e a vida composta por emoções. E, acima de tudo, esquecendo que a ciência só o é se for questionada e questionável. Para os doutos gurus da Saúde Pública a sociedade é uma abstração estatística, convertida em números e equações, sem a condição essencial do sentimento. Para os matemáticos da epidemiologia a sua verdade é 100% infalível e as nossas vidas não passam de linhas num gráfico e casas decimais num eterno e incomensurável RT. Depois, não me arrogo o estatuto de especialista, nem alardeio uma verdade única e apenas faço uso do meu direito a olhar as coisas e a pensar o mundo, colocando perguntas e questionando a narrativa oficial do medo, do autoritarismo e da Verdade Suprema Pandémica com que, Governos, Comunicação Social e os ditos “especialistas”, nos querem dominar.

De acordo com o CDC americano, “uma epidemia refere-se a um aumento, por vezes súbito, do número de casos de uma doença acima do que é normalmente espectável numa população numa determinada zona”. Em paralelo a esta definição é importante ter em conta aquilo a que o CDC chama, também, de “linha de base” ou nível endémico de doença, que é o nível expectável de doença, num determinado grupo, sem qualquer tipo de intervenção externa, uma vez que os vírus que causam doenças respiratórias são hoje relativamente comuns.

Rudolf Virchow, um eminente médico alemão do séc. XIX, postulou que uma epidemia é “um fenómeno social que tem alguns aspetos médicos.” Esta perspetiva, dir-se-ia, quase sociológica do fenómeno de alastramento de uma doença é fundamental, não só para a sua compreensão, mas, essencialmente, para a sua defesa. O caminho mais rápido para destruir um vírus é através do seu hospedeiro. Posto de uma forma muito simples a abordagem epidemiológica à doença é o encarceramento dos hospedeiros limitando ou impedindo, assim, a sua propagação. O único, perdoem-me o eufemismo, problema desta abordagem é que os hospedeiros somos todos nós. Chegamos, então, à questão dos testes. Perante a óbvia impossibilidade de encarcerar toda a população, e por mais que eles o desejassem, os epidemiologistas recorrem à testagem para, entre outros aspetos, como por exemplo a avaliação da já infame taxa de incidência, isolar potenciais portadores do vírus, reduzindo assim o risco da sua disseminação. Os hoje famosos RT-PCR são testes desenhados para detetar material genético de um organismo específico, no caso o vírus SARS-CoV-2. Só que, e mais uma vez recorro ao eufemismo, há dois problemas fundamentais com os RT-PCR, a sua sensibilidade, ou seja, a capacidade de detetar, e especificidade, a capacidade de detetar aquilo que queremos que detete. Ora, são os próprios laboratórios que admitem que a sensibilidade de um PCR é de 83% e a especificidade rondará os 97%. Num estudo anterior ao Covid-19, feito pelo Governo Inglês, a taxa de falsos positivos do RT-PCR foi estimada em 2,3% com um desvio padrão de 0,8% a 4%.

E aqui chegamos ao caso açoriano. A estratégia, de combate à pandemia, do Sr. Tato Clélio assenta, basicamente, na simples e simplista contabilidade dos testes positivos para estabelecer diferentes níveis de risco, não importando para nada, e isto não é um pormenor despiciendo num arquipélago com 9 universos de amostragem distintos, nem o número de testes realizado, nem o número de internamentos, outra questão fundamental. O número de testes realizado por ilha é um aspeto fundamental, desde logo pela probabilidade e capacidade de deteção de casos positivos, e depois por causa do chamado “limite de prevalência”. Com uma prevalência baixa a probabilidade de falsos positivos sobe exponencialmente. É exatamente por isto, que vários organismos médicos internacionais aconselham a verificação dos testes por uma contra-análise como, também, e principalmente, a avaliação clínica, ou diagnóstico, dos positivos de forma a determinar, com exatidão, se são, de facto, positivos para infeção por SARS-CoV-2, em lugar de serem, como muitas vezes são, assintomáticos ou meros portadores de carga viral residual. E é aqui, que a questão dos internamentos se torna fundamental, para determinar a existência, ou não, de uma epidemia na região.

Desde o final janeiro que a percentagem de testes positivos na região tem sido sistematicamente abaixo dos 4%, mesmo abaixo de 3%, tirando um dia na vaga de abril. Ao mesmo tempo, o número de internamentos não ultrapassa os 5 a 10, tendo tido um máximo de 20 em abril e, mesmo assim, longe do pico de 28 em janeiro. Com base nesta informação há várias questões que se colocam: Não deveria a DRS informar, com transparência e clareza, o número de testes realizados por ilha e o contexto epidemiológico (sintomatologia, contato próximo, etc.) desses testes? Tendo em conta o número extremamente reduzido de positivos (nos últimos 10 dias foram feitos uma média de 1800 testes por dia, que resultaram numa média de 22, 1,2%, casos positivos) não deveriam os mesmos ser sujeitos a contra-análise sistemática? Sabendo-se que os casos positivos, dando de barato que são de facto positivos, são maioritariamente em faixas etárias mais jovens e de menor risco, não deveria este facto ser tido em linha de conta na ponderação da situação? Sabendo-se que os internamentos se mantêm totalmente estabilizados desde o início da pandemia não deveria este critério ser utilizado para definição dos níveis de risco? Ao que acresce os cataclísmicos e, esses sim, mensuráveis em euros de dívidas, moratórias e falências e insolvências, efeitos dos confinamentos na economia. E, também, a condenação trágica de toda uma geração aos efeitos devastadores nas suas aprendizagens e sociabilização. Não deveria, isto sim, ser a base da estratégia de luta contra os efeitos da pandemia?

É que, talvez assim, o Sr. Tato Clélio, e os restantes responsáveis políticos, tivessem uma epifania, e descobrissem que, afinal, não existe nenhuma epidemia na região, havendo sim um vírus, talvez já quase endémico, abaixo da "linha de base", que provoca uma doença grave, mas que, infeliz ou felizmente, tem grupos de risco bem definidos e delimitados por idade e comorbilidade, e nos poupassem, a todos nós, aos efeitos arrasadores desta loucura pandémica. Bem sei que isso significaria a perda de emprego do Sr. Tato, e de holofote mediático do Sr. Clélio. Mas, para nós todos, era um descanso merecido das agruras destes tempos, repletos de cega insensibilidade e vil autoritarismo, e um retorno aos ritmos plácidos de uma certa e ansiada normalidade, já para não falar, do remeter para um qualquer rodapé da história os desmandos do Sr. Tato Clélio que, com a sua vaidade televisiva, insiste em tratar a ilha de São Miguel como uma imensa experiência de teoria epidemiológica em que cada um de nós é um misero ratinho de laboratório que, em nome da vida, deixámos de viver…


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Da Saúde Pública e do propósito de salvar vidas

 


Vivemos, quase há um ano e meio, mergulhados nesta tempestade pandémica e temos as nossas vidas subjugadas à autoridade dos critérios epidemiológicos dos especialistas em Saúde Pública. Passado todo este tempo, continuamos, em grande medida, a abordar o vírus SARS-CoV-2 como se fosse um vírus desconhecido e, com isso, estamos lentamente a destruir os alicerces mais profundos da nossa vida em comunidade, agudizando o fosso entre classes sociais e criando clivagens e desigualdades que perdurarão no tempo, muito para lá do termino desta pandemia.

Embora o conceito de Saúde Pública só tenha ganho notoriedade nestes últimos tempos, Portugal tem uma longa tradição nesta disciplina médica. Um dos seus pais foi o médico iluminista Ribeiro Sanches, natural de Penamacor, companheiro de Diderot, Voltaire, Rousseau, entre outros, na Encyclopédie, que foi um conselheiro fundamental do Marquês de Pombal na reconstrução da cidade de Lisboa, após 1755. Mais recentemente, o médico Arnaldo Sampaio, pai do ex-Presidente da República Jorge Sampaio, lançou as bases de uma Saúde Pública que, nas suas próprias palavras, era a ciência “da preservação integral da saúde do Homem”, com ênfase, diria eu, na palavra Integral e no H grande da palavra Homem. Nesta pandemia, não têm sido poucos os especialistas que têm alertado para a necessidade de abordagens de Saúde Pública que atentem à baixa perigosidade e capital sazonalidade do vírus, como o Dr. Jorge Torgal; para a importância de perspetivar a pandemia lançando mão de outras ciências, como a psicologia, a sociologia, a economia, percebendo-se o papel fulcral que os diferentes agregados familiares e populacionais desempenham na sua propagação, como tem defendido o insuspeito Dr. Francisco George, na esteira do que o próprio denomina como Nova Saúde Pública; ou, ainda, o papel fundamental que, em Saúde Pública, as estratégias de comunicação desempenham na cativação e cooperação das populações com os procedimentos clínicos e medidas a implementar, como explica o Dr. Constantino Sakellarides.

Infelizmente, nos Açores, todo este conhecimento parece ser letra morta às mãos de uma visão estatística e semafórica da pandemia, que olha para as ilhas, e para os 19 concelhos, como se fossem compartimentos estanques e fixamente delineados em quadros de Excel e gráficos de Power Point. Uma Saúde Pública em que as pessoas são meros transportadores do Vírus, uma espécie de Ubers da contaminação. Ou, o pior de tudo, que usa como principal utensílio de sustentação das suas decisões e estratégias, os níveis de incidência da contaminação, que se alicerçam em algo tão falível e cientificamente questionável como são os testes RT-PCR, que detetam a presença de matéria viral e não a sua capacidade real de infeção. Mas não entremos, por agora, por aí.

O que importa realçar, neste momento, é que a estratégia de combate à pandemia nos Açores procura, pura e simplesmente, tal como em março de 2020, conter a disseminação do vírus e concentra-se, apenas, no resultado positivo de um teste que não determina se a pessoa está ou não com a doença. Esta estratégia não tem em linha de conta todos os avanços científicos já feitos na análise de grupos de risco, a sua demografia, taxas de letalidade, contaminação por assintomáticos, sazonalidade, transmissibilidade, vacinação e, não menos importante, as devastadoras consequências socias e económicas que o combate à pandemia têm tido. Ao fim de um ano e meio de pandemia importaria perceber que o sofrimento das crianças, dos jovens, das famílias, dos trabalhadores e dos empresários é tão merecedor de atenção como o dos pacientes Covid. A proporcionalidade é, afinal, uma das matrizes do Estado de Direito.

A questão dos Direitos Fundamentais é, efectivamente, algo extremamente importante de se ater em maio de 2021. Como bem explica Henrique Pereira dos Santos, “a Liberdade não é um pormenor, é uma questão central que deve ser ponderada ao mesmo nível que outros fatores no momento da tomada de decisão.” Os sucessivos ataques à Constituição, ou à própria Lei de Bases da Saúde, que garantem o direito ao trabalho e ao lazer, passando-se de um Estado de Emergência para um verdadeiro Estado de Permanência, são uma inaceitável inversão do Contrato Social e do Estado de Direito, em que são os Cidadãos que são colocados ao serviço do Estado e não, como deveria ser, o Estado a servir os Cidadãos. É neste ponto, e pegando no caso da ilha de São Miguel, não por qualquer bairrismo espúrio, mas porque não deve ser tratado de forma igual coisas que são na verdade diferentes, que importa questionar o Governo Regional dos Açores sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das suas opções. Sabendo-se que esta é a ilha com maior capacidade hospitalar instalada, aliás o próprio Secretário da Saúde afirmou que o Plano de Contingência do HDES tinha previstas até 80 camas para tratamento Covid, não é compreensível, nem económica ou socialmente aceitável, que se tenha, de ânimo leve, optado por forçar um confinamento generalizado a toda a ilha apenas porque o número de casos ativos subia, enquanto o número de internados nunca ultrapassou os 20. Não é admissível que seja a população da ilha de São Miguel a ser chamada a proteger um débil Serviço Regional de Saúde, quando é obrigação do Governo garantir que é o HDES, e o SRS no seu todo, que está devidamente capacitado para salvar a população da ilha e, por maioria de razão, dos Açores.

A tudo isto acresce aquele que é hoje o maior problema desta pandemia: a grave questão dos prejuízos na educação e das consequências psicológicas, nas crianças e jovens e nas suas famílias, que levam por junto já quase seis meses sem ensino presencial, e a destruição de largos sectores da economia, com particular acuidade na cultura, no lazer, na promoção da saúde física e no bem-estar e, finalmente, no Turismo. Se há uma linha da frente da pandemia, para usar a metáfora bélica tão na moda na boca dos políticos, ela é composta, hoje, por estas centenas de pessoas anónimas que sofrem as agruras da falta de trabalho e de receitas ao mesmo tempo que, esse mesmo Estado, lhes impõe o cumprimento de todas a suas despesas e obrigações, principalmente para com o próprio Estado. Ao contrário daquilo que é a narrativa demagógica dos Governos, as ajudas anunciadas são insuficientes, são burocráticas e na maioria dos casos não chegam efetivamente às pessoas. Mais de 20 dias depois de um populista anúncio de injeção de 2 milhões de euros, do programa Apoiar.pt, que numa avaliação por alto, do número de candidaturas, significaria pouco mais de 1000€ por empresa, a realidade é que esse dinheiro não chegou ainda ao terreno.

É por isso que, neste momento, se afigura como fundamental rever as estratégias de combate à pandemia e os critérios a ela aplicados. Desde logo, importaria utilizar como fator de ponderação principal o número de internamentos, em lugar da taxa de incidência de 100/100 mil. Em vez de se colocar todo o ónus do combate à pandemia nos cidadãos, é ao Estado que compete assegurar os meios de combate ao vírus e à doença de Covid 19, protegendo os grupos de risco, assegurando as condições de tratamento dos casos mais graves e incrementando a vacinação da população. Ao mesmo tempo, e por outro lado, seria imprescindível instituir instrumentos eficazes e diretos de ajuda às famílias, às empresas e aos trabalhadores, que permitam salvar a economia e preparando, desde já, um Plano de Recuperação Económica da Ilha de São Miguel. Sob o risco de, não o fazendo, estarmos a hipotecar o futuro e a condenar-nos, a todos, indiscriminadamente, desde o reformado, ao empresário, passando por funcionários públicos e demais trabalhadores, a décadas de austeridade e sofrimento, a que a gravíssima crise económica que iremos certamente viver obrigará. A perda de criação de riqueza na ilha de São Miguel, o aumento de desemprego associado, e o consequente desequilíbrio da balança contributiva, são os componentes inflamáveis de um cocktail explosivo de depressão económica, instabilidade social e pobreza, que farão da crise de 2008 uma brincadeira de crianças ao pé do verdadeiro tsunami que aí vem.

É urgente que os políticos sintam mais e quantifiquem menos, que tenham verdadeiramente noção das agruras de quem sofre e se compadeçam com as milhares de vidas que, nesta pandemia, perderam a sua Vida. Insistir neste mesmo caminho, que faz das pessoas meros números numa estatística, e da vida um simples relatório clínico, é salvar “vidas” até não haver mais vidas para salvar.


sexta-feira, 30 de abril de 2021

A violência doméstica do Sr. Tato Clélio

Ao fim de um ano inteiro de vírus, há uma coisa que é já perfeitamente clara: o vírus não se combate assim. A opção governativa pelo confinamento, a grande clausura populacional, tem uma comorbilidade maior que a pandemia e uma taxa de letalidade infinitamente superior do que a Covid-19, já para não falar nesse importante pormenor de que afecta todas as faixas etárias de forma cega e despótica. Nos Açores, a Covid matou 30 pessoas, em 4893 casos positivos diagnosticados. Uma extraordinária taxa de letalidade de 0,6%. Se extrapolarmos para o cômputo geral da população a Covid matou 0,01% de açorianos. Uma notícia desta semana dava conta que os óbitos oficialmente contabilizados como sendo com Covid-19 representavam, imagine-se, 0,9% de todos os óbitos ocorridos na região, num total de 2439, um amento de 7,4% relativamente ao ano anterior. É importante fixar estes números porque o que estas estatísticas nos dizem é que, de facto, se morreu mais em 2020, embora pouco para uma pandemia, mas não foi de Covid, houve mais cerca de 7% de mortes de outras causas que não o maléfico vírus. Se invertermos os números descobrimos que a taxa de sobreviventes à Covid na região é de aproximadamente, preparem-se, 99%. Dir-me-ão alguns que estes números se devem às políticas governativas que tem contido os contágios e permitido que os hospitais consigam lidar com os casos que desaguam nas urgências e enfermarias e dir-me-ão também que os sacrifícios que são pedidos à generalidade da população são necessários perante tão devastadora maleita. Mas, pergunto eu, será legitimo que para debelar um vírus com uma taxa de letalidade de 1% se destrua toda uma economia? Se arruíne a infância e a adolescência de 10% da população? Que se dizime a escolaridade e o futuro de toda uma geração? Que se isole e condene os últimos anos de vida de toda uma outra geração de idosos? Que se condene ao calvário das dívidas à banca centenas de empresas? Que se exproprie o direito ao trabalho de milhares de empresários e trabalhadores? Tudo para proteger, não as pessoas, mas os hospitais? Será moralmente aceitável que se destruam sociedades inteiras porque os Sistemas de Saúde não foram capacitados para aguentar uma pandemia? Em Março do ano passado até se poderia aceitar que sim, mas agora a resposta é impreterivelmente não! E, já nem vale a pena falar da desmesura daquilo a que eufemisticamente se chama de “apoios” do Estado, da sua infinda burocracia e diminuta grandeza face ao enorme cataclismo provocado pela ditadura sanitária. O que neste momento está verdadeiramente em causa é que ao fim de mais de um ano de pandemia o Estado, os governos e os políticos de turno, continuam a colocar o ónus da culpa nas pessoas e a não conseguir assumir os seus próprios erros e fraquezas. O que é verdadeiramente chocante e inaceitável é que continuamos a ser nós, os cidadãos, os malcomportados, os infeciosos, em vez de serem os políticos, que não conseguem produzir e distribuir as vacinas, que deixaram hospitais de campanha vazios, que não aumentaram a capacidade dos hospitais e não souberam ou quiseram proteger as pessoas, a assumir as suas debilidades e a pagar pelos seus erros. Esta absurda inversão da ordem democrática e do Estado de Direito teve o seu mais caricato e odioso episódio ontem, protagonizado pelo nosso Sr. Tato Clélio. Visivelmente perturbado pela gargalhada televisiva da semana anterior o Sr. Tato Clélio, depois de uma lamentável e auto-congratulatória masturbação pública à mão de PowerPoint decidiu apontar armas aos órgãos de comunicação social e à forma como são feitas notícias sobre a pandemia, lamentando-se por a imprensa regional não lhe ajudar na disseminação da boa propaganda covídica, aquela que leva a cidadãos respeitadores e obedientes e não à insurreição cidadã. No mundo do Sr. Tato Clélio não é ele que manda fechar escolas e restaurantes, é o vírus. O tal vírus que mata 1% dos infetados. No mundo do Sr. Tato Clélio todos devíamos estar respeitosamente sossegadinhos em casa para que ele possa desenhar curvas descendentes nos seus graficosinhos de PowerPoint e vangloriar-se de conter uma pestilenta pandemia. No mundo do Sr. Tato Clélio não é por culpa dele que as cidades ficam desertas, as crianças perdem o contacto com os amigos e a desenvoltura da escola, e as empresas vão à falência, tudo ao arrepio daquilo que o próprio anunciou que iria fazer quando aqui chegou, em novembro, qual Jorge Jesus da pandemia. O Sr.Tato Clélio é realmente um exemplo clássico do abusador, num caso de violência doméstica, que pede perdão por bater na vítima e que ainda lhe diz que só lhe bate por culpa desta e para seu bem. Malvados micaelenses que o transformam num esbirro, logo ele que é um querido e só quer salvar-nos de nós próprios. O problema é que nós, todos nós, estamo-nos a comportar de facto como vítimas, levamos e pedimos desculpa, incapazes de nos levantar e dizer basta a esta despótica, desconexa e inaceitável violência que são as decisões e medidas da Autoridade de Saúde do Sr. Tato Clélio. Mas, em toda esta desgraça há uma coisa que convém nunca esquecer. É que, nesta parábola da violência doméstica, o Sr. Tato Clélio é apenas o cinto, a mão que brande o cinto tem um nome e chama-se Governo Regional do Açores e o seu presidente é José Manuel Bolieiro.

domingo, 25 de abril de 2021

O Dilema da Liberdade na Era do Vírus

 

n.º 1 Jackson Pollock

A liberdade é uma das mais antigas e interiores aspirações do ser humano. Desde a liberdade individual, a autonomia do ser, a maioridade, se assim se pode dizer, expressa na independência pessoal, ou na acepção mais anglo-saxónica e provavelmente mais correcta, a liberdade da adulthood. Até à liberdade dos povos e a sua autodeterminação, da qual todas as sociedades têm uma expressão, um passado ou uma aspiração. Mas hoje, na era do vírus, a liberdade foi capturada pela autoridade do Estado. O respeito, seja ele individual ou colectivo, que é a base de todas as liberdades, está refém de uma subserviência acrítica, que os Governos impõem, com o megafone noticioso, aos indivíduos, aos cidadãos, sob a chantagem da retórica da “vida”. Trocamos a responsabilidade, que sustenta a liberdade, como pilares fundamentais da vida social, por uma escravidão consciente e voluntária. Às crianças foi-lhes impedida a infância, aos idosos foi-lhes aprisionada a velhice, aos mais desprotegidos foi lhes expropriado o direito ao trabalho e a uma vida digna, o acesso à educação preso no ensino à distância, um serviço de saúde universal, aprisionado pelas suas próprias deficiências e debilidades, mesmo o direito ao ar-livre, foi nos espoliado por decreto, sob o pretexto de uma ameaça invisível, amplificada pela voragem mediática na culpa cidadã. Já não é o vírus a ameaça, somos todos nós, cada um de nós, feios e malcomportados, como crianças irresponsáveis. Festejamos a liberdade confinados ao recolhimento obrigatório e não há qualquer grama de ironia nisto. Há, essencialmente, uma liberdade que falta, que não se cumpriu. A igualdade e a fraternidade das coisas simples num mundo de créditos bancários. A liberdade maior da independência financeira, a básica liberdade da autonomia em relação ao poder. Tantas pequenas liberdades que afinal nunca brotaram, que nunca floresceram realmente, ninguém as regou com a água da vida, ninguém chegou sequer a plantá-las. A liberdade primeira e fundamental do serviço ao outro em lugar do ser serviçal de um Estado arrogante e dominador. A liberdade da independência do espírito. A liberdade criativa, audaz, arrojada e vanguardista. Uma liberdade sem medos, sem amarras, sem os grilhões das coisas certas e das obrigações mesquinhas e mundanas e medíocres. A liberdade sincera e responsável que se abraça no outro, no que é diferente e distante. Falta a liberdade interior, a liberdade mais íntima do ser. A liberdade da escolha, do voo livre e sem rumo, a liberdade cheia e plena do contentamento. Uma liberdade livre de clamar pela própria liberdade, hoje e sempre e em cada nova madrugada. A liberdade do amor. Tudo isso falta, hoje, nesta era do vírus. Não vejo que haja muito para celebrar. Mas, hoje mais do que nunca, quando levantarmos a voz para exclamar liberdade, realizemos o que verdadeiramente está em causa. Só poderá haver liberdade quando verdadeiramente compreendermos que a autoridade não está no Estado mas em cada um de nós e que a primeira obrigação do Estado é respeitar os cidadãos e não o respeitinho subserviente e envergonhado dos cidadãos pelo Estado que, sentado nos seus tronos de poder, se ri, à gargalhada, do infortúnio que nos esmaga nesta Era do Vírus. Hoje, mais do que nunca, gritemos a uma só voz, Viva a Liberdade! Mas, amanhã também e depois e sempre, cada novo dia, sejamos nós a própria Liberdade.

    

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Café Royal CCXX

Fim.

PARC Life Travel. A Comercial Cervejaria. Big 21. Singular Bistrô. GeoFun. Tui. Açoraudio. Amplisom. RCEventos. Ruido Açores. Estes são só alguns nomes de empresas que fecharam para sempre ou que viram o seu direito ao trabalho expropriado pelo Estado e pela brutal crise económica e social provocada por esta pandemia. Ao mesmo tempo, dezenas de hotéis fechados e sem perspetiva de voltar a abrir. Menos 30% de camas no Alojamento Local. Ah, e a Dona Maria Amaral das doces Fofas da Povoação. Ontem terminaram, também, muitas das moratórias bancárias ao crédito de famílias e empresas, naquele que será certamente o primeiro movimento de uma enorme avalanche de mais insolvências, falências, desemprego e destruição de famílias e vidas individuais que aí vem. Também, hoje, fecha este “Café Royal”, em luto, em homenagem, a todo um modo de vida, feito de contacto entre pessoas, de simpatia e hospitalidade que se perdeu, quem sabe, permanentemente. Às páginas deste mais antigo jornal português, o meu obrigado sincero. Aos leitores, o meu agradecimento sentido. Entretanto, cuidem-se. Este vírus só passará quando aprendermos todos a viver com ele, na certeza, todavia, de que todos temos que morrer um dia…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 25 de março de 2021

Café Royal CCXIX

A malandragem

A saga rocambolesca da Azores Park, em toda a sua garotagem, incúria e desonestidade, é mais um daqueles assuntos que retratam de forma fiel aquilo que melhor distingue a vida pública nacional, tal como o bacalhau marca a nossa gastronomia – a malandragem. Estão lá todos os ingredientes habituais: suspeitas de corrupção; ameaças; conluios; gestão danosa; incompetência; favorecimento; envolvimento dos dois maiores partidos políticos; ligações obscuras entre a política e o futebol; eventual dolo de detentores de altos cargos públicos e dinheiro, muito dinheiro, com proveniências, portadores e destinos ainda por explicar. Num imenso rol de interligações sombrias entre o público e o privado. Independentemente do que venha a ser provado em tribunal, há um julgamento, político, que se pode, desde já, fazer: o dos executivos que geriram a Câmara Municipal de Ponta Delgada ao longo de todo este processo. Os americanos têm uma expressão que se aplica neste caso como uma luva: “not on my watch”. O que sabemos hoje, pelo que já veio a público, é que tudo se passou no turno deles e um deles é, agora, o nosso Presidente Amigo. Resta saber se tudo aconteceu por ignorância, por desleixo ou por manifesta má-fé.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 18 de março de 2021

Café Royal CCXVIII

A nova laranja

Os Açores sempre viveram da riqueza do solo. Desde o pastel, ao santificado reinado da vaca leiteira, passando pelos cereais e a laranja, até, nos nossos dias, em que o boom do Turismo se fundou nas características naturais das ilhas, as principais fundações do edifício produtivo açoriano estiveram sempre solidamente alicerçadas no seu afortunado chão. O período de ouro da chamada “época da laranja” teve o seu lento ocaso com uma crise no lado da oferta com o ataque da cochonilha, que foi, paulatinamente, corroendo a produtividade dos pomares e a qualidade do fruto. A praga da coccus hesperidum foi, por assim dizer, a poda final no comércio da laranja. Hoje, porém, os Açores vivem, novamente, uma encruzilhada perigosa, desta vez com uma dupla crise, mas do lado da procura, com o penoso e arrastado fim da lavoura, cujos mercados vão diminuindo ao mesmo ritmo que a concorrência vai aumentando, e a obliteração dos fluxos do Turismo, às mãos da insanidade da Covid. Mas, se no sec. XIX, houve engenho para substituir a laranja pelo ananás, nos dias que correm não se vislumbra nem energia, nem talento, nem tão pouco um “fruto” alternativo que possa produzir essa mudança.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 11 de março de 2021

Café Royal CCXVII

O PS e Marcelo

Está lançado o segundo período da década Marcelo. Numa anódina cerimónia onde, simbolicamente, os cumprimentos deram lugar a pomposas e distanciadas vénias, Marcelo entrou, tranquilamente, no seu segundo mandato. Ferro Rodrigues, derreteu-se em elogios ao perfil político de Marcelo. E, muitos altos dirigentes socialistas encurvaram-se em encómios ao Prof. de Direito e o mais tik-tokiano presidente que a república portuguesa já teve ou terá. Bem sei que a política não é hoje lugar de romantismos, nem, tão pouco, de particulares ideologias. É-me, também, de cristalina clarividência, a estratégia socialista, perante uma direita órfã, de cinicamente apoiar o campeão do centro-direita, procurando com isso garantir a sobrevivência governativa junto do eleitorado dos sem-partido, mesmo que isso implique ostracizar a sua própria militância e esconjurar a sua história. Como diria o outro: “é a política, estúpido!”. Mas, o que os líderes do PS escolhem não ver é que, quando chegar a hora, que inevitavelmente chegará com o clímax da crise, Marcelo será o primeiro a, sem pestanejar um segundo, queimar o PS no mesmo lume onde o partido hipotecou agora a pureza dos seus princípios.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 4 de março de 2021

Café Royal CCXVI

A Era do Vírus

Completámos, nestes “idos de Março”, o ano um da Era Covid. Já antes o bicho se remexia nas entranhas orientais de Wuhan, mas estava demasiado distante para que dele déssemos conta. Depois, a peste começou a atacar em Bergamo, aí já suficientemente ocidental e vizinha para que os alarmes mediáticos zunissem com sonora histeria. Então, primeiro numa fábrica do norte, depois na figura de um reputado banqueiro, o bicho aterrou em Portugal, com honras de telejornal, tanto que nunca mais de lá saiu. Logo aí, a dupla ditadura do fascismo sanitário e estatístico abateu-se, como uma tempestade inclemente, sobre nós. A nossa vida foi abalroada pelas imposições do R(t), do x por 100 000, das curvas e dos planaltos, dos RT-PCR e das UCI e esse surreal e doloroso número de 12(!) Estados de Emergência. E, de tudo isto, o que fica é a aflitiva angústia de que, à custa de um vírus que afeta pouco mais de 7% da população, que matou 2% dos que infetou, que representa, aliás, menos de um oitavo do total de óbitos no país, condenámos liminarmente à morte todo um modo-de-vida e as mais básicas e primordiais das liberdades e princípios do Estado de Direito. Bem-vindos ao futuro…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Café Royal CCXV

Bulldozeriando

O Ocidente sempre lutou pelos valores fundacionais do Humanismo. Aquilo a que Karl Popper chamou “Sociedade Aberta” – Liberdade, Igualdade e Solidariedade. Porém, o atual nevoeiro pandémico veio adensar o manto de arbitrariedade e autoritarismo das forças do Império da Intolerância. Por toda a Europa, governos acossados por um absurdo maniqueísmo moral, refugiaram-se cegamente nas masmorras soturnas e insalubres do fascismo sanitário, transportando-nos a todos, novamente, como condenados nos tétricos vagões de Birkenau, rumo a um extermínio civilizacional que julgávamos permanentemente ultrapassado. A mais recente insanidade covídica é a peregrina ideia de um “passaporte viral”, espécie de medieval salvo-conduto, que permite aos mais abastados e vacinados cruzar fronteiras entre países. O mais chocante nesta proposta abstrusa é perceber como os governos procuram corrigir as arrasadoras consequências de encarceramentos ilógicos e discriminatórios à custa de investidas de bulldozer sobre a equidade, as liberdades individuais e os valores essenciais do mais básico humanismo.  

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Café Royal CCXIV

A vitamina

Nos últimos tempos, António Costa tem-se referido ao Plano de Recuperação e Resiliência e aos fantásticos euros que supostamente por aí veem, já não como a “bazuca”, mas como a “vitamina”. Este súbito câmbio de expressão metafórica, embora menos bélico, é, infelizmente, muito mais sinistro. O que esta imagem medicinal revela é simplesmente o quão alienado, ou néscio, anda o nosso Primeiro-ministro, ao ponto de julgar que se pode ressuscitar um morto com pastilhas de Cecrisina. Por culpa do seu desgoverno da pandemia, a economia está moribunda. E, em alguns sectores, como é o caso das indústrias criativas ou da hospitalidade, por exemplo, empresas há que já foram liminarmente eutanasiadas por decreto do governo, sem que qualquer panaceia as possa, milagrosamente, reviver. Mas, esta ideia de que se pode curar um morto com uma colher de vitamina, é o mesmo tipo de pensamento mágico que lhe faz acreditar que é a vacina que nos vai salvar do mafarrico viral. O que Costa nunca percebeu é que o problema não era o vírus, nem a cura, mas a absoluta ausência de saúde que já antes nos acometia. De tanto querer curar a doença esqueceu-se que o mais importante é haver saúde.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Café Royal CCXIII

Ode à inépcia

Bolieiro é um “gajo porreiro”. Ar bonacheirão e agradável bonomia, é difícil não se simpatizar com a figura. Mesmo a sua exagerada propensão para o rococó discursivo, passa mais por anedótica do que antipática. Acresce, a sua notória “estrelinha” política, que fez com que os cargos lhe caíssem no colo, sem que para isso tivesse de se esforçar ou, se quer, mostrar qualquer tipo de particular competência. Foi assim em Ponta Delgada, é assim no Palácio de Santana. Na Câmara, desde os terrenos da Calheta, ao rocambolesco “Azores Parque”, (vendido por 500, vai ser em parte recomprado por 5 milhões, porque alguém, por tolo ou dolo, se esqueceu que lá metido estava o imprescindível Parque de Máquinas) o que fica do mandato de Bolieiro é uma infinita incompetência. Já no Governo, o que rapidamente se percebe é que quem realmente manda não é o mesmo que sorridentemente nos prometeu um governo “transformista”, nem nada do que foi prometido é para ser cumprido. Das passagens a 60€, às tristes e embaraçosas nomeações, passando pela surrealista transmutação do Fundo Regional de Coesão em Direção Regional dos Assuntos Corvinos, a presidência de Bolieiro é uma Ode à Inépcia.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Café Royal CCXII

O Atoleiro

Hergé, pai de Tintin, embora controverso, foi um extraordinário criador. Autor de inúmeros álbuns de banda-desenhada, inventou várias personagens memoráveis. Oliveira da Figueira, vendedor ambulante lisboeta, foi uma delas. Protótipo do português manhoso, vendendo traquitanas no deserto, é o paradigma da chico-espertice nacional. Aquilo a que vamos assistindo, sem surpresa, em torno da vacinação, é mais uma demonstração dessa tendência portuguesíssima para a batotice. O desenrascanço, usado para resolver problemas, é uma virtude e deve ser cultivado. Mas, a aldrabice, prejudicando o próximo, é um gesto obsceno e condenável. Por cá, no Atoleiro do Bolieiro, vamos assistindo, com acentuado pavor, à virulenta purga que a geringonça da direita insular vai cinicamente fazendo em tudo o que é administração pública. Depois das infindáveis juras de respeito pelas pessoas. E, as promessas de ser diferente do que lá estava antes. Com a aparente passividade cúmplice do seu respaldo parlamentar, vão desfazendo tudo quanto é cargo, num afã digno de uma trituradora. Do administrador ao inspetor, até, qualquer dia, o chapéu largo da “confiança política” servir, também, no contino, no motorista e na funcionária da limpeza, encarregue de vazar o lixo…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Café Royal CCXI

São Marcelo

Estas presidenciais não foram mais do que uma pequena e irritante lomba, um curto semáforo, no marcelismo reinante. Essa foi, aliás, a melhor metáfora da noite. As imagens daquele homem só, ao volante, conduzindo sem nexo pelas ruas de uma cidade universitária deserta, às curvas, parando nos semáforos, acossado por paparazzis, em busca de um rumo ou, quiçá, de um tempo útil para estacionar. Antes, tínhamos acompanhado o seu ar melancómico, de andar arrastado, a ir buscar um bitoque ao tasco do bairro, saco de plástico caído sob o peso dos ombros. Ou, o aspeto ascético, monástico até, do candidato/presidente, sozinho em casa, deambulando um pouco atarantado pela cozinha, as garrafas de vinho passado, abrindo uma carta do banco no preciso momento em que as televisões lhe cantavam vitória, num justo e adequado final para uma campanha em que esse homem, que se julga providencial, achou com toda a arrogância que nem precisava de ir a jogo. Levado por uma ideia sebastiânica de si próprio, líder solitário e autocrata que, como o velho de Santa Comba, salvará intrépido o país. Ao mesmo tempo, 60,5% dos eleitores disseram estar-se a marimbar para esta patetice em que se tornou a política à portuguesa.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Café Royal CCX

1921

Olhando os noticiários, fica-nos como que uma inquietação aflitiva pela balbúrdia em que se encontra o mundo. Porém, se recuarmos cem anos percebemos que o fio condutor da História foi, quase sempre, afinal, a irracionalidade. Nos EUA, Woodrow Wilson, o pai da Liga das Nações, agonizava decadente o fim da sua presidência, incapaz de convencer os americanos dos méritos da sua política externa, e substituído depois por um desconsiderado e desconhecido Warren G. Harding. Em Portugal, António José de Almeida esforçava-se por fazer sobreviver um dos 15(!) governos a que daria posse nesses ebulitivos anos de 20 e 21. Numa coincidência, quási astrológica, Portugal e o Mundo vivem, hoje, também, mudanças igualmente significativas no cenário político. À hora que escrevo, nos EUA, prepara-se o início de uma anómala cerimónia de inauguração, marcada profundamente pelo ansiado fim da era Trump. Por cá, no domingo, teremos as mais polarizadas, populistas, demagógicas, atípicas e caóticas presidenciais da nossa história recente. No pano de fundo de tudo isto, o espírito pandémico, insensível aos desmandos humanos, segue assolando o mundo, tal-e-qual como há cem anos atrás…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Café Royal CCIX

Vidas efémeras

Lembram-se do HIV, o célebre vírus da SIDA? Esse mal-afamado e hollywoodiano ícone dos anos oitenta, que espalhou pânico e morte a toda uma geração? Em 2020 morreram de SIDA, em todo o mundo, cerca de 1 milhão de pessoas. Mesmo assim e neste tempo regido já não pelos astros, pela filosofia, ou, gostaríamos nós, pela ciência, mas antes pelo opressivo jugo da estatística, o HIV é apenas responsável por pouco mais de 1 porcento das 60 milhões de mortes que fatalmente acontecem, todos os anos, pelo mundo fora. Fatalmente, ou se calhar não, uma vez que, por exemplo, a maior causa de morte global são as doenças cardiovasculares, muitas delas provocadas por maus hábitos de vida, como a obesidade e o sedentarismo, que matam mais de 17 milhões de pessoas todos os anos. Ou, os cancros que matam perto de 10 milhões, muitos deles derivados da má alimentação ou da poluição, tudo causas eminentemente humanas. Ou, ainda, a diabetes Tipo II, essa suprema doença da modernidade, que é responsável diretamente por quase 1,5 milhões de mortes todos os anos, sensivelmente o mesmo número de pessoas que a OMS estima que terão morrido por efeito da Covid-19, em 2020, em todo o mundo.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Café Royal CCVIII

Tudo igual…

Passou o ano, mas nada mudou. Nem já a velha máxima lampedusiana nos é útil, não houve nem um pequeno pedaço de algo que mudasse para que tudo ficasse na mesma. Vivemos num penoso e encadeado continuar. Enquanto, ingenuamente, estourávamos as rolhas do champanhe, na felicidade dos poucos familiares com que a estupidez governamental permitiu que nos reuníssemos, continuavam os jornais a contar infetados como se houvesse Covid desde o princípio da existência. O Estado de Emergência prosseguiu na sua incontestada permanência. Os políticos seguiram, desavergonhadamente, nos seus compadrios abjetos, forjando currículos e demissões e outras pindéricas falcatruas. E, é o simplório Tino quem expõe cruamente as verdades: Marcelo, afinal, não passa de um palhaço e Ventura não vale um calhau. Por cá, mudou o Governo, mas a porcaria ficou… muito pior! As mesmas soluções gastas, os mesmos esquemas e arranjinhos e negócios obscuros, mais tachos e jobs para os boys and girls. E, quando perguntarem o que fez crescer o CHEGA!, não foi o cruzar de uma qualquer linha vermelha, foi, justamente, deixarmos que tudo ficasse na mesma, ou pior.

in Açoriano Oriental