quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Café Royal CCXI

São Marcelo

Estas presidenciais não foram mais do que uma pequena e irritante lomba, um curto semáforo, no marcelismo reinante. Essa foi, aliás, a melhor metáfora da noite. As imagens daquele homem só, ao volante, conduzindo sem nexo pelas ruas de uma cidade universitária deserta, às curvas, parando nos semáforos, acossado por paparazzis, em busca de um rumo ou, quiçá, de um tempo útil para estacionar. Antes, tínhamos acompanhado o seu ar melancómico, de andar arrastado, a ir buscar um bitoque ao tasco do bairro, saco de plástico caído sob o peso dos ombros. Ou, o aspeto ascético, monástico até, do candidato/presidente, sozinho em casa, deambulando um pouco atarantado pela cozinha, as garrafas de vinho passado, abrindo uma carta do banco no preciso momento em que as televisões lhe cantavam vitória, num justo e adequado final para uma campanha em que esse homem, que se julga providencial, achou com toda a arrogância que nem precisava de ir a jogo. Levado por uma ideia sebastiânica de si próprio, líder solitário e autocrata que, como o velho de Santa Comba, salvará intrépido o país. Ao mesmo tempo, 60,5% dos eleitores disseram estar-se a marimbar para esta patetice em que se tornou a política à portuguesa.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Café Royal CCX

1921

Olhando os noticiários, fica-nos como que uma inquietação aflitiva pela balbúrdia em que se encontra o mundo. Porém, se recuarmos cem anos percebemos que o fio condutor da História foi, quase sempre, afinal, a irracionalidade. Nos EUA, Woodrow Wilson, o pai da Liga das Nações, agonizava decadente o fim da sua presidência, incapaz de convencer os americanos dos méritos da sua política externa, e substituído depois por um desconsiderado e desconhecido Warren G. Harding. Em Portugal, António José de Almeida esforçava-se por fazer sobreviver um dos 15(!) governos a que daria posse nesses ebulitivos anos de 20 e 21. Numa coincidência, quási astrológica, Portugal e o Mundo vivem, hoje, também, mudanças igualmente significativas no cenário político. À hora que escrevo, nos EUA, prepara-se o início de uma anómala cerimónia de inauguração, marcada profundamente pelo ansiado fim da era Trump. Por cá, no domingo, teremos as mais polarizadas, populistas, demagógicas, atípicas e caóticas presidenciais da nossa história recente. No pano de fundo de tudo isto, o espírito pandémico, insensível aos desmandos humanos, segue assolando o mundo, tal-e-qual como há cem anos atrás…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Café Royal CCIX

Vidas efémeras

Lembram-se do HIV, o célebre vírus da SIDA? Esse mal-afamado e hollywoodiano ícone dos anos oitenta, que espalhou pânico e morte a toda uma geração? Em 2020 morreram de SIDA, em todo o mundo, cerca de 1 milhão de pessoas. Mesmo assim e neste tempo regido já não pelos astros, pela filosofia, ou, gostaríamos nós, pela ciência, mas antes pelo opressivo jugo da estatística, o HIV é apenas responsável por pouco mais de 1 porcento das 60 milhões de mortes que fatalmente acontecem, todos os anos, pelo mundo fora. Fatalmente, ou se calhar não, uma vez que, por exemplo, a maior causa de morte global são as doenças cardiovasculares, muitas delas provocadas por maus hábitos de vida, como a obesidade e o sedentarismo, que matam mais de 17 milhões de pessoas todos os anos. Ou, os cancros que matam perto de 10 milhões, muitos deles derivados da má alimentação ou da poluição, tudo causas eminentemente humanas. Ou, ainda, a diabetes Tipo II, essa suprema doença da modernidade, que é responsável diretamente por quase 1,5 milhões de mortes todos os anos, sensivelmente o mesmo número de pessoas que a OMS estima que terão morrido por efeito da Covid-19, em 2020, em todo o mundo.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Café Royal CCVIII

Tudo igual…

Passou o ano, mas nada mudou. Nem já a velha máxima lampedusiana nos é útil, não houve nem um pequeno pedaço de algo que mudasse para que tudo ficasse na mesma. Vivemos num penoso e encadeado continuar. Enquanto, ingenuamente, estourávamos as rolhas do champanhe, na felicidade dos poucos familiares com que a estupidez governamental permitiu que nos reuníssemos, continuavam os jornais a contar infetados como se houvesse Covid desde o princípio da existência. O Estado de Emergência prosseguiu na sua incontestada permanência. Os políticos seguiram, desavergonhadamente, nos seus compadrios abjetos, forjando currículos e demissões e outras pindéricas falcatruas. E, é o simplório Tino quem expõe cruamente as verdades: Marcelo, afinal, não passa de um palhaço e Ventura não vale um calhau. Por cá, mudou o Governo, mas a porcaria ficou… muito pior! As mesmas soluções gastas, os mesmos esquemas e arranjinhos e negócios obscuros, mais tachos e jobs para os boys and girls. E, quando perguntarem o que fez crescer o CHEGA!, não foi o cruzar de uma qualquer linha vermelha, foi, justamente, deixarmos que tudo ficasse na mesma, ou pior.

in Açoriano Oriental