terça-feira, 25 de maio de 2021

Os testes PCR e ratinhos de laboratório

 


Abordemos, então, a questão dos testes. Mas, antes, duas notas prévias. Em primeiro lugar, o necessário desmentido do rótulo de negacionista. Não que me chocasse sê-lo, mas porque não nego a existência do vírus, nem entro em cabalas e teorias de conspiração sobre a sua origem e os lucros que gerou e em proveito de quem. Embora, quanto mais avançamos neste pesadelo pandémico, mais me sinta tentado a fazê-lo. O que nego, sim, é esta pseudociência que se impôs sobre as nossas vidas e que pretende comandar o mundo com a régua e o esquadro dos esquemas de Excel e Power Point, esquecendo que o mundo é feito de pessoas e a vida composta por emoções. E, acima de tudo, esquecendo que a ciência só o é se for questionada e questionável. Para os doutos gurus da Saúde Pública a sociedade é uma abstração estatística, convertida em números e equações, sem a condição essencial do sentimento. Para os matemáticos da epidemiologia a sua verdade é 100% infalível e as nossas vidas não passam de linhas num gráfico e casas decimais num eterno e incomensurável RT. Depois, não me arrogo o estatuto de especialista, nem alardeio uma verdade única e apenas faço uso do meu direito a olhar as coisas e a pensar o mundo, colocando perguntas e questionando a narrativa oficial do medo, do autoritarismo e da Verdade Suprema Pandémica com que, Governos, Comunicação Social e os ditos “especialistas”, nos querem dominar.

De acordo com o CDC americano, “uma epidemia refere-se a um aumento, por vezes súbito, do número de casos de uma doença acima do que é normalmente espectável numa população numa determinada zona”. Em paralelo a esta definição é importante ter em conta aquilo a que o CDC chama, também, de “linha de base” ou nível endémico de doença, que é o nível expectável de doença, num determinado grupo, sem qualquer tipo de intervenção externa, uma vez que os vírus que causam doenças respiratórias são hoje relativamente comuns.

Rudolf Virchow, um eminente médico alemão do séc. XIX, postulou que uma epidemia é “um fenómeno social que tem alguns aspetos médicos.” Esta perspetiva, dir-se-ia, quase sociológica do fenómeno de alastramento de uma doença é fundamental, não só para a sua compreensão, mas, essencialmente, para a sua defesa. O caminho mais rápido para destruir um vírus é através do seu hospedeiro. Posto de uma forma muito simples a abordagem epidemiológica à doença é o encarceramento dos hospedeiros limitando ou impedindo, assim, a sua propagação. O único, perdoem-me o eufemismo, problema desta abordagem é que os hospedeiros somos todos nós. Chegamos, então, à questão dos testes. Perante a óbvia impossibilidade de encarcerar toda a população, e por mais que eles o desejassem, os epidemiologistas recorrem à testagem para, entre outros aspetos, como por exemplo a avaliação da já infame taxa de incidência, isolar potenciais portadores do vírus, reduzindo assim o risco da sua disseminação. Os hoje famosos RT-PCR são testes desenhados para detetar material genético de um organismo específico, no caso o vírus SARS-CoV-2. Só que, e mais uma vez recorro ao eufemismo, há dois problemas fundamentais com os RT-PCR, a sua sensibilidade, ou seja, a capacidade de detetar, e especificidade, a capacidade de detetar aquilo que queremos que detete. Ora, são os próprios laboratórios que admitem que a sensibilidade de um PCR é de 83% e a especificidade rondará os 97%. Num estudo anterior ao Covid-19, feito pelo Governo Inglês, a taxa de falsos positivos do RT-PCR foi estimada em 2,3% com um desvio padrão de 0,8% a 4%.

E aqui chegamos ao caso açoriano. A estratégia, de combate à pandemia, do Sr. Tato Clélio assenta, basicamente, na simples e simplista contabilidade dos testes positivos para estabelecer diferentes níveis de risco, não importando para nada, e isto não é um pormenor despiciendo num arquipélago com 9 universos de amostragem distintos, nem o número de testes realizado, nem o número de internamentos, outra questão fundamental. O número de testes realizado por ilha é um aspeto fundamental, desde logo pela probabilidade e capacidade de deteção de casos positivos, e depois por causa do chamado “limite de prevalência”. Com uma prevalência baixa a probabilidade de falsos positivos sobe exponencialmente. É exatamente por isto, que vários organismos médicos internacionais aconselham a verificação dos testes por uma contra-análise como, também, e principalmente, a avaliação clínica, ou diagnóstico, dos positivos de forma a determinar, com exatidão, se são, de facto, positivos para infeção por SARS-CoV-2, em lugar de serem, como muitas vezes são, assintomáticos ou meros portadores de carga viral residual. E é aqui, que a questão dos internamentos se torna fundamental, para determinar a existência, ou não, de uma epidemia na região.

Desde o final janeiro que a percentagem de testes positivos na região tem sido sistematicamente abaixo dos 4%, mesmo abaixo de 3%, tirando um dia na vaga de abril. Ao mesmo tempo, o número de internamentos não ultrapassa os 5 a 10, tendo tido um máximo de 20 em abril e, mesmo assim, longe do pico de 28 em janeiro. Com base nesta informação há várias questões que se colocam: Não deveria a DRS informar, com transparência e clareza, o número de testes realizados por ilha e o contexto epidemiológico (sintomatologia, contato próximo, etc.) desses testes? Tendo em conta o número extremamente reduzido de positivos (nos últimos 10 dias foram feitos uma média de 1800 testes por dia, que resultaram numa média de 22, 1,2%, casos positivos) não deveriam os mesmos ser sujeitos a contra-análise sistemática? Sabendo-se que os casos positivos, dando de barato que são de facto positivos, são maioritariamente em faixas etárias mais jovens e de menor risco, não deveria este facto ser tido em linha de conta na ponderação da situação? Sabendo-se que os internamentos se mantêm totalmente estabilizados desde o início da pandemia não deveria este critério ser utilizado para definição dos níveis de risco? Ao que acresce os cataclísmicos e, esses sim, mensuráveis em euros de dívidas, moratórias e falências e insolvências, efeitos dos confinamentos na economia. E, também, a condenação trágica de toda uma geração aos efeitos devastadores nas suas aprendizagens e sociabilização. Não deveria, isto sim, ser a base da estratégia de luta contra os efeitos da pandemia?

É que, talvez assim, o Sr. Tato Clélio, e os restantes responsáveis políticos, tivessem uma epifania, e descobrissem que, afinal, não existe nenhuma epidemia na região, havendo sim um vírus, talvez já quase endémico, abaixo da "linha de base", que provoca uma doença grave, mas que, infeliz ou felizmente, tem grupos de risco bem definidos e delimitados por idade e comorbilidade, e nos poupassem, a todos nós, aos efeitos arrasadores desta loucura pandémica. Bem sei que isso significaria a perda de emprego do Sr. Tato, e de holofote mediático do Sr. Clélio. Mas, para nós todos, era um descanso merecido das agruras destes tempos, repletos de cega insensibilidade e vil autoritarismo, e um retorno aos ritmos plácidos de uma certa e ansiada normalidade, já para não falar, do remeter para um qualquer rodapé da história os desmandos do Sr. Tato Clélio que, com a sua vaidade televisiva, insiste em tratar a ilha de São Miguel como uma imensa experiência de teoria epidemiológica em que cada um de nós é um misero ratinho de laboratório que, em nome da vida, deixámos de viver…


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Da Saúde Pública e do propósito de salvar vidas

 


Vivemos, quase há um ano e meio, mergulhados nesta tempestade pandémica e temos as nossas vidas subjugadas à autoridade dos critérios epidemiológicos dos especialistas em Saúde Pública. Passado todo este tempo, continuamos, em grande medida, a abordar o vírus SARS-CoV-2 como se fosse um vírus desconhecido e, com isso, estamos lentamente a destruir os alicerces mais profundos da nossa vida em comunidade, agudizando o fosso entre classes sociais e criando clivagens e desigualdades que perdurarão no tempo, muito para lá do termino desta pandemia.

Embora o conceito de Saúde Pública só tenha ganho notoriedade nestes últimos tempos, Portugal tem uma longa tradição nesta disciplina médica. Um dos seus pais foi o médico iluminista Ribeiro Sanches, natural de Penamacor, companheiro de Diderot, Voltaire, Rousseau, entre outros, na Encyclopédie, que foi um conselheiro fundamental do Marquês de Pombal na reconstrução da cidade de Lisboa, após 1755. Mais recentemente, o médico Arnaldo Sampaio, pai do ex-Presidente da República Jorge Sampaio, lançou as bases de uma Saúde Pública que, nas suas próprias palavras, era a ciência “da preservação integral da saúde do Homem”, com ênfase, diria eu, na palavra Integral e no H grande da palavra Homem. Nesta pandemia, não têm sido poucos os especialistas que têm alertado para a necessidade de abordagens de Saúde Pública que atentem à baixa perigosidade e capital sazonalidade do vírus, como o Dr. Jorge Torgal; para a importância de perspetivar a pandemia lançando mão de outras ciências, como a psicologia, a sociologia, a economia, percebendo-se o papel fulcral que os diferentes agregados familiares e populacionais desempenham na sua propagação, como tem defendido o insuspeito Dr. Francisco George, na esteira do que o próprio denomina como Nova Saúde Pública; ou, ainda, o papel fundamental que, em Saúde Pública, as estratégias de comunicação desempenham na cativação e cooperação das populações com os procedimentos clínicos e medidas a implementar, como explica o Dr. Constantino Sakellarides.

Infelizmente, nos Açores, todo este conhecimento parece ser letra morta às mãos de uma visão estatística e semafórica da pandemia, que olha para as ilhas, e para os 19 concelhos, como se fossem compartimentos estanques e fixamente delineados em quadros de Excel e gráficos de Power Point. Uma Saúde Pública em que as pessoas são meros transportadores do Vírus, uma espécie de Ubers da contaminação. Ou, o pior de tudo, que usa como principal utensílio de sustentação das suas decisões e estratégias, os níveis de incidência da contaminação, que se alicerçam em algo tão falível e cientificamente questionável como são os testes RT-PCR, que detetam a presença de matéria viral e não a sua capacidade real de infeção. Mas não entremos, por agora, por aí.

O que importa realçar, neste momento, é que a estratégia de combate à pandemia nos Açores procura, pura e simplesmente, tal como em março de 2020, conter a disseminação do vírus e concentra-se, apenas, no resultado positivo de um teste que não determina se a pessoa está ou não com a doença. Esta estratégia não tem em linha de conta todos os avanços científicos já feitos na análise de grupos de risco, a sua demografia, taxas de letalidade, contaminação por assintomáticos, sazonalidade, transmissibilidade, vacinação e, não menos importante, as devastadoras consequências socias e económicas que o combate à pandemia têm tido. Ao fim de um ano e meio de pandemia importaria perceber que o sofrimento das crianças, dos jovens, das famílias, dos trabalhadores e dos empresários é tão merecedor de atenção como o dos pacientes Covid. A proporcionalidade é, afinal, uma das matrizes do Estado de Direito.

A questão dos Direitos Fundamentais é, efectivamente, algo extremamente importante de se ater em maio de 2021. Como bem explica Henrique Pereira dos Santos, “a Liberdade não é um pormenor, é uma questão central que deve ser ponderada ao mesmo nível que outros fatores no momento da tomada de decisão.” Os sucessivos ataques à Constituição, ou à própria Lei de Bases da Saúde, que garantem o direito ao trabalho e ao lazer, passando-se de um Estado de Emergência para um verdadeiro Estado de Permanência, são uma inaceitável inversão do Contrato Social e do Estado de Direito, em que são os Cidadãos que são colocados ao serviço do Estado e não, como deveria ser, o Estado a servir os Cidadãos. É neste ponto, e pegando no caso da ilha de São Miguel, não por qualquer bairrismo espúrio, mas porque não deve ser tratado de forma igual coisas que são na verdade diferentes, que importa questionar o Governo Regional dos Açores sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das suas opções. Sabendo-se que esta é a ilha com maior capacidade hospitalar instalada, aliás o próprio Secretário da Saúde afirmou que o Plano de Contingência do HDES tinha previstas até 80 camas para tratamento Covid, não é compreensível, nem económica ou socialmente aceitável, que se tenha, de ânimo leve, optado por forçar um confinamento generalizado a toda a ilha apenas porque o número de casos ativos subia, enquanto o número de internados nunca ultrapassou os 20. Não é admissível que seja a população da ilha de São Miguel a ser chamada a proteger um débil Serviço Regional de Saúde, quando é obrigação do Governo garantir que é o HDES, e o SRS no seu todo, que está devidamente capacitado para salvar a população da ilha e, por maioria de razão, dos Açores.

A tudo isto acresce aquele que é hoje o maior problema desta pandemia: a grave questão dos prejuízos na educação e das consequências psicológicas, nas crianças e jovens e nas suas famílias, que levam por junto já quase seis meses sem ensino presencial, e a destruição de largos sectores da economia, com particular acuidade na cultura, no lazer, na promoção da saúde física e no bem-estar e, finalmente, no Turismo. Se há uma linha da frente da pandemia, para usar a metáfora bélica tão na moda na boca dos políticos, ela é composta, hoje, por estas centenas de pessoas anónimas que sofrem as agruras da falta de trabalho e de receitas ao mesmo tempo que, esse mesmo Estado, lhes impõe o cumprimento de todas a suas despesas e obrigações, principalmente para com o próprio Estado. Ao contrário daquilo que é a narrativa demagógica dos Governos, as ajudas anunciadas são insuficientes, são burocráticas e na maioria dos casos não chegam efetivamente às pessoas. Mais de 20 dias depois de um populista anúncio de injeção de 2 milhões de euros, do programa Apoiar.pt, que numa avaliação por alto, do número de candidaturas, significaria pouco mais de 1000€ por empresa, a realidade é que esse dinheiro não chegou ainda ao terreno.

É por isso que, neste momento, se afigura como fundamental rever as estratégias de combate à pandemia e os critérios a ela aplicados. Desde logo, importaria utilizar como fator de ponderação principal o número de internamentos, em lugar da taxa de incidência de 100/100 mil. Em vez de se colocar todo o ónus do combate à pandemia nos cidadãos, é ao Estado que compete assegurar os meios de combate ao vírus e à doença de Covid 19, protegendo os grupos de risco, assegurando as condições de tratamento dos casos mais graves e incrementando a vacinação da população. Ao mesmo tempo, e por outro lado, seria imprescindível instituir instrumentos eficazes e diretos de ajuda às famílias, às empresas e aos trabalhadores, que permitam salvar a economia e preparando, desde já, um Plano de Recuperação Económica da Ilha de São Miguel. Sob o risco de, não o fazendo, estarmos a hipotecar o futuro e a condenar-nos, a todos, indiscriminadamente, desde o reformado, ao empresário, passando por funcionários públicos e demais trabalhadores, a décadas de austeridade e sofrimento, a que a gravíssima crise económica que iremos certamente viver obrigará. A perda de criação de riqueza na ilha de São Miguel, o aumento de desemprego associado, e o consequente desequilíbrio da balança contributiva, são os componentes inflamáveis de um cocktail explosivo de depressão económica, instabilidade social e pobreza, que farão da crise de 2008 uma brincadeira de crianças ao pé do verdadeiro tsunami que aí vem.

É urgente que os políticos sintam mais e quantifiquem menos, que tenham verdadeiramente noção das agruras de quem sofre e se compadeçam com as milhares de vidas que, nesta pandemia, perderam a sua Vida. Insistir neste mesmo caminho, que faz das pessoas meros números numa estatística, e da vida um simples relatório clínico, é salvar “vidas” até não haver mais vidas para salvar.