quinta-feira, 30 de maio de 2019

Café Royal CXXVI


Da abstenção

Os partidos têm pânico do desconhecido e as eleições, por natureza, são uma incógnita. Para os directórios partidários, as noites eleitorais representam horas intermináveis de tensão e angústia. Tomados por esse medo, os partidos inventaram as carrinhas para ir buscar eleitores e outras habilidades do mesmo teor, que inquinam o principal pilar da democracia – o voto livre. Garantir o mínimo de votos necessários e apostar na abstenção tornou-se um seguro de vida para os partidos. A abstenção transformou-se, ela própria, num instrumento político. Quanto maior ela for, mais garantias têm os partidos sobre os resultados e, normalmente, quem está no poder beneficia com a abstenção. Votar é um dever e a abstenção é um direito de qualquer cidadão livre. Porém, uma sociedade madura tem de exigir, a si própria, governos legitimados por maiorias sólidas. De todas as ideias, que por estes dias vão inundar o debate político, talvez a mais interessante seria não validar eleições com abstenções acima de 50%. Se acontecer, repetem-se as eleições, até que os partidos consigam verdadeiramente cativar as pessoas, sem ser só os seus aparelhos e dependentes, levando-as a escolher e a votar, livremente.  


terça-feira, 28 de maio de 2019

Em contraciclo


Há uma ideia latente, no espírito nacional, mesmo desde o tempo da sua fundação, que é a de que Portugal é um país eternamente atrasado relativamente ao centro da Europa. Ninguém corporizou melhor esta ideia, do atraso português, do que a Geração de 70 e esse seu paladino imaginário Carlos Fradique Mendes que, nas suas Cartas, afronta o torpor nacional ovacionando a vibração iluminada das grandes capitais europeias. Pode parecer estranho recuperar esta ideia, a propósito destas eleições para o Parlamento Europeu, mas olhando para os resultados, fica, de facto, a sensação de que corremos em contraciclo, no país, face à Europa, e, nos Açores, então, mais ainda.

A Europa - Dois factos fundamentais dos resultados destas eleições: a participação eleitoral que ultrapassou a mítica fasquia dos 50%; e, a não-vitória dos partidos antieuropeístas. Estes foram os dois fantasmas que assombraram toda a campanha, quer nas parangonas dos jornais, quer nos discursos dos políticos. Por um lado, o medo do progressivo alheamento dos eleitores europeus face às instituições e ao próprio projecto europeu não se confirmou, dando assim como que uma lufada de ar fresco aquele que é o segundo maior, depois da Índia, espaço de democracia do mundo. Por outro lado, aquela que se temia seria a avalanche antieuropeia dos partidos populistas e neofascistas, também, não se confirmou, nem mesmo em França onde, apesar da vitória, Le Pen ganhou com menos votos do que em 2014. No total dos 751 deputados que formam o Parlamento Europeu, a coligação negativa, liderada pelo italiano Salvini, com o americano Bannon como seu novo Maquiavel, não terá mais do que 70 lugares. Mas, outro facto sobressai destas eleições: a queda dos partidos ditos tradicionais e o crescimento dos partidos ecologistas e liberais. O grande desafio dos próximos cinco anos será, forçosamente, a democratização dos directórios europeus e a aproximação das suas instituições aos cidadãos. A escolha da próxima comissão será um momento fundamental neste caminho e fica claro, com estas eleições, que socialistas e conservadores deixaram de ser donos e senhores dos destinos da Europa e passarão a ter de ter, fatalmente, em conta a vontade dos cidadãos que votaram nestas novas ideologias e novas forças partidárias.
O País – Portugal vive em contraciclo do movimento europeu, não só pela esmagadora vitória da indiferença, expressa pela abstenção - 69% - a maior taxa dos 45 anos da nossa democracia, como pela vitória inequívoca do PS. Por essa Europa fora, de uma forma ou de outra, os eleitores perceberam a importância da sua participação, em Portugal não nos podíamos estar mais nas tintas para a Europa e, nem a propositada e absurda focagem da campanha nos temas nacionais, como os fogos, a geringonça, ou os professores, conseguiram mobilizar o eleitorado. E, o contraciclo é ainda maior pela vitória de um partido clássico e no poder, e pela insignificância a que se viram remetidos os novos partidos, que se diziam representar as novas ideologias e as novas formas de estar na política, Livres e Bastas,  Alianças e outros que tais, todos juntos, nem um pavilhão multiusos, desses milhares, que foram construídos com dinheiros europeus ao longo dos anos, em cada vilória do país, conseguiriam encher. A excepção é o PAN, que, ao que parece, cimenta a sua matriz geracional e ideológica, reforçada pelo facto de, hoje em dia, ninguém saber que nessa eterna coligação chamada CDU, para além do PCP, também lá milita um outro partido, que dá pelo nome de Partido Ecologista Os Verdes.
E os Açores – Pois então, por cá tudo mais ou menos na mesma, ou, ainda, um bocadinho pior. 81% de orgulhosos abstencionistas, 1 deputado europeu, um PS absolutamente hegemónico e uma oposição inexistente, ou pior do que inexistente, comatosa, um verdadeiro peso morto no nosso sistema político. Por mais que Alexandre Gaudêncio, num pueril exercício de malabarismo político, queira ver na abstenção um qualquer reflexo de insatisfação dos eleitores com a governação socialista, o facto é que o PSD se afunda cada vez mais, para níveis próximos do ridículo, e o PS-Açores continua, e vai continuar, a ganhar eleições folgadamente, por mais disparates que faça, ou escândalos que dele se aproximem. Em democracia são os votos que mudam os governos, não são as abstenções!
Por último, uma nota para o André Bradford, que será nos próximos 5 anos, o único representante dos Açores no Parlamento Europeu. A Europa precisa de políticos, mais do que técnicos ou tecnocratas, que por lá já abundam em excesso. E os Açores precisam de mais Europa, mas não só a Europa das quotas das pescas e dos cêntimos do leite, dos fundos europeus e das comparticipações de investimento. André Bradford é um político inteligente, experiente e sagaz, que saberá levar os Açores a uma Europa em tumulto, mas fica aqui o repto para que saiba, também, trazer aos Açores uma outra Europa, que não apenas a Europa da retórica partidária e da tirania financeira. 


quinta-feira, 23 de maio de 2019

Café Royal CXXV


JL

A adolescência é o tempo de todos os excessos. Daquilo a que Thoreau chamou “sugar o tutano da vida”. Correndo, lado a lado, com a mais pura inconsciência, uma enorme vontade e ambição, uma quase arrogância de se ter todas as certezas do mundo. E, no regresso do pêndulo, as incertezas, os medos, as inseguranças de uma vida toda pela frente. Esse constante balanço entre dois polos é terreno fértil para grandes descobertas e para colossais erros. É por isso que os adolescentes são, muitas vezes, olhados com escárnio, ou tédio, uma condição irritante que se tolera com paciência, ou descompostura. Porém, há aquelas poucas pessoas que, nesse solstício da idade, olham para nós não com condescendência e cinismo, mas com a esperança de quem sabe que a adolescência é não mais do que uma ponte, que é necessário atravessar, para a maturidade. Uma das grandes dádivas que o João Luís e a Teresa deram a uma trupe de vorazes que aceleraram pela ilha à procura de tornar as suas vidas extraordinárias, e que tinham na sua casa e convivência um porto de abrigo, foi olharem-nos não como “armários”, mas como pessoas. Obrigado Teresa, obrigado JL.


quinta-feira, 16 de maio de 2019

Café Royal CXXIV


CEE / UE

Em 81, uma desconhecida banda do Porto, chamada GNR, lançava o seu primeiro single “Portugal na CEE”. A canção refletia o sentir de um país que, desde 77, “Na rádio, na TV / nos jornais, quem não lê / Portugal e a CEE / Quanto mais se fala menos se vê / eu já estou farto e quero ver / Quero ver Portugal na CEE”. A adesão chegou, numa cerimónia pomposa nos Jerónimos, em 85, e a emoção nessa altura, tal como, premonitoriamente, dizia a música era: “E agora, que já lá estamos / vamos ter tudo aquilo que desejamos / Oh boy, é tão bom estar na CEE”. Nesses meados dos anos oitenta, o país vivia, ainda, na ressaca da revolução. Acabava de sair de uma intervenção do FMI, elegia Soares para Belém, entregava-se nas mãos de Cavaco Silva durante os 10 anos seguintes e troçava do arquitecto Taveira. Nas primeiras eleições ao parlamento europeu, ganhas por Santana Lopes, Miguel Esteves Cardoso teve 155 mil votos e votaram 72% dos eleitores. Passados 30 anos, temos FMI, Marcelo, Geringonça, escarnecemos do Comendador Berardo e a abstenção ronda os 65%. Em boa verdade, só a participação dos portugueses nas eleições se alterou, porque no resto, até os blusões de penas estão, outra vez, na moda…


in Açoriano Oriental

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Café Royal CXXIII


Reposição

No auge da crise, junto com o congelamento das carreiras, o “enorme aumento de impostos”, o desemprego e o corte de salários, deu-se um outro fenómeno, igualmente importante, embora mais envergonhado, que foi o endividamento das famílias à banca. Em 2009, este endividamento era 95% do PIB e cerca de 70% do mesmo era crédito à habitação. Ora, entre 2007 e 2012 os spreads médios destes créditos aumentaram quatro vezes, tendo como efeito imediato o catapultar de uma prestação mensal de 200€ para 800€! A consequência prática deste gigantesco salto foi um enforcamento financeiro das famílias que, no melhor dos casos, fizeram esforços sobre-humanos para cumprir as suas obrigações e, no pior, viram os seus bens penhorados. Infelizmente, para estas pessoas (e são certamente tantos ou até mais do que os professores) não existe em Portugal um Mário Nogueira, ou uma qualquer comissão parlamentar, que reivindique a reposição desses rendimentos e bens, que, na sangria da crise, foram devorados pelo monstro insaciável da banca. A única certeza que essas famílias têm hoje é de continuar a ver os seus impostos a jorrar desenfreadamente para resgatar essa mesma banca que os arruinou.


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Café Royal CXXII


Até quando?

Na passada sexta-feira, o Presidente do Conselho de Administração da SATA anunciou que o grupo havia terminado o ano com um prejuízo de mais de 53 milhões de euros. Os números são de tal forma colossais que assustam qualquer um. E aterrorizam tanto que até o Presidente do Governo não teve outro remédio que não fosse assumi-los como “não sustentáveis”. O histórico recente da SATA é, de facto, verdadeiramente apocalíptico e todas as razões e mais alguma são apontadas para esse dantesco Inferno em que a companhia se encontra hoje: os passageiros, ou a falta deles; as tripulações, que ora são muitas e caras e grevistas, ora não as há; as aeronaves que umas vezes são lindas e fantásticas, outras decrépitas e ineficazes; os trabalhadores, que se multiplicam e reproduzem ou os administradores, que se duplicam em catadupa como clones; os ACMI’s; os Brent’s;  a meteorologia e o vulcão da Islândia, a crise económica global ou, até,  o contínuo da Assembleia que digitalizou um email que fez levantar voo os islandeses. Todos apontam razões, mas ninguém dá explicações. Todos são responsáveis, mas ninguém é culpado. Resta saber, até quando…