Há uma ideia latente, no espírito nacional, mesmo desde o
tempo da sua fundação, que é a de que Portugal é um país eternamente atrasado
relativamente ao centro da Europa. Ninguém corporizou melhor esta ideia, do
atraso português, do que a Geração de 70 e esse seu paladino imaginário Carlos
Fradique Mendes que, nas suas Cartas, afronta o torpor nacional ovacionando a
vibração iluminada das grandes capitais europeias. Pode parecer estranho
recuperar esta ideia, a propósito destas eleições para o Parlamento Europeu,
mas olhando para os resultados, fica, de facto, a sensação de que corremos em
contraciclo, no país, face à Europa, e, nos Açores, então, mais ainda.
A Europa - Dois factos fundamentais dos resultados destas
eleições: a participação eleitoral que ultrapassou a mítica fasquia dos 50%; e,
a não-vitória dos partidos antieuropeístas. Estes foram os dois fantasmas que
assombraram toda a campanha, quer nas parangonas dos jornais, quer nos
discursos dos políticos. Por um lado, o medo do progressivo alheamento dos
eleitores europeus face às instituições e ao próprio projecto europeu não se
confirmou, dando assim como que uma lufada de ar fresco aquele que é o segundo
maior, depois da Índia, espaço de democracia do mundo. Por outro lado, aquela
que se temia seria a avalanche antieuropeia dos partidos populistas e neofascistas,
também, não se confirmou, nem mesmo em França onde, apesar da vitória, Le Pen
ganhou com menos votos do que em 2014. No total dos 751 deputados que formam o
Parlamento Europeu, a coligação negativa, liderada pelo italiano Salvini, com o
americano Bannon como seu novo Maquiavel, não terá mais do que 70 lugares. Mas,
outro facto sobressai destas eleições: a queda dos partidos ditos tradicionais
e o crescimento dos partidos ecologistas e liberais. O grande desafio dos
próximos cinco anos será, forçosamente, a democratização dos directórios
europeus e a aproximação das suas instituições aos cidadãos. A escolha da
próxima comissão será um momento fundamental neste caminho e fica claro, com
estas eleições, que socialistas e conservadores deixaram de ser donos e
senhores dos destinos da Europa e passarão a ter de ter, fatalmente, em conta a
vontade dos cidadãos que votaram nestas novas ideologias e novas forças partidárias.
O País – Portugal vive em contraciclo do movimento europeu,
não só pela esmagadora vitória da indiferença, expressa pela abstenção - 69% - a
maior taxa dos 45 anos da nossa democracia, como pela vitória inequívoca do PS.
Por essa Europa fora, de uma forma ou de outra, os eleitores perceberam a
importância da sua participação, em Portugal não nos podíamos estar mais nas
tintas para a Europa e, nem a propositada e absurda focagem da campanha nos
temas nacionais, como os fogos, a geringonça, ou os professores, conseguiram
mobilizar o eleitorado. E, o contraciclo é ainda maior pela vitória de um
partido clássico e no poder, e pela insignificância a que se viram remetidos os
novos partidos, que se diziam representar as novas ideologias e as novas formas
de estar na política, Livres e Bastas,
Alianças e outros que tais, todos juntos, nem um pavilhão multiusos,
desses milhares, que foram construídos com dinheiros europeus ao longo dos anos,
em cada vilória do país, conseguiriam encher. A excepção é o PAN, que, ao que
parece, cimenta a sua matriz geracional e ideológica, reforçada pelo facto de,
hoje em dia, ninguém saber que nessa eterna coligação chamada CDU, para além do
PCP, também lá milita um outro partido, que dá pelo nome de Partido Ecologista
Os Verdes.
E os Açores – Pois então, por cá tudo mais ou menos na
mesma, ou, ainda, um bocadinho pior. 81% de orgulhosos abstencionistas, 1
deputado europeu, um PS absolutamente hegemónico e uma oposição inexistente, ou
pior do que inexistente, comatosa, um verdadeiro peso morto no nosso sistema
político. Por mais que Alexandre Gaudêncio, num pueril exercício de malabarismo
político, queira ver na abstenção um qualquer reflexo de insatisfação dos
eleitores com a governação socialista, o facto é que o PSD se afunda cada vez
mais, para níveis próximos do ridículo, e o PS-Açores continua, e vai
continuar, a ganhar eleições folgadamente, por mais disparates que faça, ou
escândalos que dele se aproximem. Em democracia são os votos que mudam os
governos, não são as abstenções!
Por último, uma nota para o André Bradford, que será nos
próximos 5 anos, o único representante dos Açores no Parlamento Europeu. A
Europa precisa de políticos, mais do que técnicos ou tecnocratas, que por lá já
abundam em excesso. E os Açores precisam de mais Europa, mas não só a Europa
das quotas das pescas e dos cêntimos do leite, dos fundos europeus e das
comparticipações de investimento. André Bradford é um político inteligente,
experiente e sagaz, que saberá levar os Açores a uma Europa em tumulto, mas fica
aqui o repto para que saiba, também, trazer aos Açores uma outra Europa, que
não apenas a Europa da retórica partidária e da tirania financeira.