quinta-feira, 25 de março de 2021

Café Royal CCXIX

A malandragem

A saga rocambolesca da Azores Park, em toda a sua garotagem, incúria e desonestidade, é mais um daqueles assuntos que retratam de forma fiel aquilo que melhor distingue a vida pública nacional, tal como o bacalhau marca a nossa gastronomia – a malandragem. Estão lá todos os ingredientes habituais: suspeitas de corrupção; ameaças; conluios; gestão danosa; incompetência; favorecimento; envolvimento dos dois maiores partidos políticos; ligações obscuras entre a política e o futebol; eventual dolo de detentores de altos cargos públicos e dinheiro, muito dinheiro, com proveniências, portadores e destinos ainda por explicar. Num imenso rol de interligações sombrias entre o público e o privado. Independentemente do que venha a ser provado em tribunal, há um julgamento, político, que se pode, desde já, fazer: o dos executivos que geriram a Câmara Municipal de Ponta Delgada ao longo de todo este processo. Os americanos têm uma expressão que se aplica neste caso como uma luva: “not on my watch”. O que sabemos hoje, pelo que já veio a público, é que tudo se passou no turno deles e um deles é, agora, o nosso Presidente Amigo. Resta saber se tudo aconteceu por ignorância, por desleixo ou por manifesta má-fé.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 18 de março de 2021

Café Royal CCXVIII

A nova laranja

Os Açores sempre viveram da riqueza do solo. Desde o pastel, ao santificado reinado da vaca leiteira, passando pelos cereais e a laranja, até, nos nossos dias, em que o boom do Turismo se fundou nas características naturais das ilhas, as principais fundações do edifício produtivo açoriano estiveram sempre solidamente alicerçadas no seu afortunado chão. O período de ouro da chamada “época da laranja” teve o seu lento ocaso com uma crise no lado da oferta com o ataque da cochonilha, que foi, paulatinamente, corroendo a produtividade dos pomares e a qualidade do fruto. A praga da coccus hesperidum foi, por assim dizer, a poda final no comércio da laranja. Hoje, porém, os Açores vivem, novamente, uma encruzilhada perigosa, desta vez com uma dupla crise, mas do lado da procura, com o penoso e arrastado fim da lavoura, cujos mercados vão diminuindo ao mesmo ritmo que a concorrência vai aumentando, e a obliteração dos fluxos do Turismo, às mãos da insanidade da Covid. Mas, se no sec. XIX, houve engenho para substituir a laranja pelo ananás, nos dias que correm não se vislumbra nem energia, nem talento, nem tão pouco um “fruto” alternativo que possa produzir essa mudança.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 11 de março de 2021

Café Royal CCXVII

O PS e Marcelo

Está lançado o segundo período da década Marcelo. Numa anódina cerimónia onde, simbolicamente, os cumprimentos deram lugar a pomposas e distanciadas vénias, Marcelo entrou, tranquilamente, no seu segundo mandato. Ferro Rodrigues, derreteu-se em elogios ao perfil político de Marcelo. E, muitos altos dirigentes socialistas encurvaram-se em encómios ao Prof. de Direito e o mais tik-tokiano presidente que a república portuguesa já teve ou terá. Bem sei que a política não é hoje lugar de romantismos, nem, tão pouco, de particulares ideologias. É-me, também, de cristalina clarividência, a estratégia socialista, perante uma direita órfã, de cinicamente apoiar o campeão do centro-direita, procurando com isso garantir a sobrevivência governativa junto do eleitorado dos sem-partido, mesmo que isso implique ostracizar a sua própria militância e esconjurar a sua história. Como diria o outro: “é a política, estúpido!”. Mas, o que os líderes do PS escolhem não ver é que, quando chegar a hora, que inevitavelmente chegará com o clímax da crise, Marcelo será o primeiro a, sem pestanejar um segundo, queimar o PS no mesmo lume onde o partido hipotecou agora a pureza dos seus princípios.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 4 de março de 2021

Café Royal CCXVI

A Era do Vírus

Completámos, nestes “idos de Março”, o ano um da Era Covid. Já antes o bicho se remexia nas entranhas orientais de Wuhan, mas estava demasiado distante para que dele déssemos conta. Depois, a peste começou a atacar em Bergamo, aí já suficientemente ocidental e vizinha para que os alarmes mediáticos zunissem com sonora histeria. Então, primeiro numa fábrica do norte, depois na figura de um reputado banqueiro, o bicho aterrou em Portugal, com honras de telejornal, tanto que nunca mais de lá saiu. Logo aí, a dupla ditadura do fascismo sanitário e estatístico abateu-se, como uma tempestade inclemente, sobre nós. A nossa vida foi abalroada pelas imposições do R(t), do x por 100 000, das curvas e dos planaltos, dos RT-PCR e das UCI e esse surreal e doloroso número de 12(!) Estados de Emergência. E, de tudo isto, o que fica é a aflitiva angústia de que, à custa de um vírus que afeta pouco mais de 7% da população, que matou 2% dos que infetou, que representa, aliás, menos de um oitavo do total de óbitos no país, condenámos liminarmente à morte todo um modo-de-vida e as mais básicas e primordiais das liberdades e princípios do Estado de Direito. Bem-vindos ao futuro…

in Açoriano Oriental