A História da Humanidade é uma
história de intolerância ou, dito de outra forma, é a estória da luta pela
tolerância. E, é uma saga que recua a mais de 2 milhões de anos atrás, às lutas
entre o homo habilis e o homo erectus, predecessores do designado
homo sapiens, designação essa que, olhando o estado do mundo hoje, se
diria ser, no mínimo, ligeiramente exagerada. Desde tempos imemoriais, antes
mesmo que houvesse história, os humanos desconfiaram uns dos outros e evoluíram
em permanente conflito. Citando Tucídides que, com a sua História da Guerra do Peloponeso,
é considerado o pai da História, “toda a Terra é uma sepultura de homens famosos”.
Um dos períodos mais negros desta infindável história de beligerância entre
homens que se supunha serem iguais durou quase mil anos e teve como rosto essa
infame instituição chamada Santa Inquisição. A Inquisição nasce, no séc. XII,
como um tribunal católico que visava combater a heresia e a blasfémia,
basicamente, aquilo a que hoje chamaríamos delito de opinião. Em nome do dogma
da fé e contra a heresia, que mais não é do que uma divergência de pontos de
vista, foram cometidos alguns dos mais horrendos crimes contra a dignidade do
homem, o saber, a ciência, a tolerância e, numa palavra, contra a humanidade. O
mais famoso de todos os inquisidores é, sem dúvida, o espanhol Tomás de
Torquemada, confessor da Rainha Isabel a Católica, que ficou conhecido no seu
tempo como “o martelo dos hereges”. Em Portugal, ao longo de quase 300
anos, e até à sua extinção em 1821, foram inúmeros os autos-de-fé, sendo a
consequência mais gravosa de muitos deles a fogueira método pelo qual se
queimava não só o corpo, mas, acima de tudo, o espírito dos hereges. Em O Nome
da Rosa, Umberto Eco descreve assim o real Grande-Inquisidor Bernardo Gui: “Era
um dominicano de cerca de setenta anos, frágil mas direito de figura.
Impressionaram-me os seus olhos cinzentos, frios, capazes de fixar sem
expressão, em que muitas vezes, porém, havia de ver bailar lampejos equívocos,
hábil tanto em ocultar pensamentos e paixões como em exprimi-los de propósito.”
… “Concluí que, de algum modo singular, ele estava inquirindo, e valia-se de
uma arma formidável que todo o inquisidor no exercício da sua função possui e
manobra: o medo do outro.”
Vem este curto introito histórico
a propósito de uma nova “heresia”, perseguida com fervor inquisitorial pela
turba fanática e os seus muitos grande-inquisidores de hoje – a anti-vax. Neste
tempo de aguda polarização, desde o início da loucura pandémica que qualquer
tipo de dissinto é tido como heresia e quem ousar questionar essa nova fé científica
é imediatamente apostado de negacionista. Embora, não deixe de ser irónico que
o negacionismo tenha inicialmente sido usado para apontar pejorativamente os críticos
das alterações climáticas, essa sim uma pandemia de consequências globais e genocidas.
Mas, neste auge do fervor pandémico, os novos torquemadas do covidismo e inquisidores
da vacinação escolheram imolar na fogueira do segregacionismo todos aqueles
que, por qualquer íntima razão, escolheram e decidiram, fazendo uso do seu livre-arbítrio, recusar a vacina. Subitamente, é como se todo um novo vagão de cristãos-novos
se formasse na sociedade açoriana, portuguesa, mundial, de pessoas ostracizadas
pelo crime de pensamento. Esta intolerância primária e abjeta é não mais do que
um novo auto-de-fé, onde, à luz de um dogma, de uma inusitada e ignóbil fé, se
procura queimar quem pensa de forma diferente, com o mesmo autoritarismo e sobranceria
moral dos torquemadas de antigamente. Mesmo que estivesse em causa um vírus com
uma letalidade de 90% em vez dos 2% que este tem. (Isto se acreditarmos nos próprios
métodos e números da OMS. Um dia far-se-á a história dos testes RT-PCR e das
mortes "com" e "de" Covid-19). Mesmo, dizia eu, que esta pandemia fosse verdadeiramente uma
ameaça mortal à sobrevivência da humanidade, quando, para a travar, abdicamos
dos fundamentos do que nos faz humanos e de algo tão primordial à existência como
é a tolerância a pergunta que fica é: estamos a lutar para salvar exatamente o
quê? Se um mundo de cego e totalitário conformismo e intransigência, ou uma
civilização que funde os seus pés na tolerância e no respeito como essência de
todas as aspirações humanas. Eu escolho seguir e acreditar neste último.