quinta-feira, 25 de junho de 2020

Café Royal CLXXX

Sua Eminência

Numa cândida entrevista ao Diário Insular Tiago Lopes confessa que, ao longo destes penosos meses de pandemia, o seu principal pânico e o primordial foco das draconianas medidas por si tomadas era, não mais do que, impedir o colapso do Serviço Regional de Saúde. O alfa e o ómega das cercas, dos confinamentos, do descontinuar da actividade médica normal e do grande fechamento das ilhas era escapar ao desmoronar de um já de si periclitante SRS. Em nenhum momento é feita qualquer referência, é expressa qualquer emoção, às profundas e catastróficas consequências da pandemia, e das suas opções enquanto responsável, no tecido económico e social da região. É como se a plenitude da Vida dos açorianos, que comporta o dia-a-dia, as empresas e as escolas, as crianças, os trabalhadores e os idosos, se pudesse reduzir ao mero número dessa estatística vã dos casos activos e das cadeias de transmissão. Sua Eminência Reverendíssima da Autoridade de Saúde Regional chega a dizer que “já estamos fora da crise”. Ora, desde os idos de Março, o que realmente assusta, é essa incapacidade em perceber a exacta extensão do que está a acontecer e em compreender que a crise, a verdadeira, aterradora e obliteradora crise, está apenas a começar…

in Açoriano Oriental


quinta-feira, 18 de junho de 2020

Café Royal CLXXIX

Estar à altura

As previsões são unânimes e os números, na queda do PIB e no aumento vertiginoso do desemprego, avassaladores. Esta crise, sufocante e sem prazo, que se está a abater sobre nós, como um nevoeiro denso e escuro que se cerra até ao chão, será a pior dos últimos 100 anos e obriga-nos, a todos, a estar à altura da situação. Turismo e Aviação, dois sectores irmanados e instrumentais numa região insular e improdutiva, vivem hoje um verdadeiro estado de desgraça. Perante esta calamidade, não é tolerável que não se vislumbre já qual a estratégia do Governo para o futuro da SATA. Não é, igualmente, aceitável que não se veja já uma acção assertiva e concertada na defesa intransigente da oferta turística da região. O momento exige a criação de um Gabinete de Crise, com dotação orçamental robusta e que ilha a ilha, empresa a empresa, atente à sobrevivência daquilo que é hoje um variado, dinâmico e relativamente qualificado sector turístico. Caso contrário, quando e como a retoma se der, na região só subsistirão ruínas. E não é, certamente, com cheques pequeninos, de €150 por ilhéu viajante, que se vão salvar da extinção as muitas empresas, pequenas e grandes, que são o coração vivo do Destino Turístico Açores…

in Açoriano Oriental


quinta-feira, 11 de junho de 2020

Café Royal CLXXVIII

As ondas

Qualquer surfista sabe que as ondas vêm em conjuntos. E, a maior parte do tempo que passamos na água não é a surfar as ondas, mas à espera delas. Infelizmente, os políticos não entendem a linguagem dos mares e, passada a primeira vaga, achatada a curva e limpa a folha estatística, lançaram-se, com mais ou menos fé, em peregrinações mediáticas pelos círculos eleitorais. No passado domingo, Marcelo, o Presidente Emplastro, aterrou no Nordeste, devidamente testado, mascarado, mediatizado e selfiezado para fazer… exactamente nada! O efeito prático dessa viagem, no bem-estar e melhoria das nossas vidas devastadas, foi absolutamente zero. Também por cá, já tinha, entretanto, começado o périplo de Vasco Cordeiro pelas nove ilhas. De semblante pesado, vulto negro, batendo cotovelos e alvíssaras, o Presidente do Governo vai saltitando, tanto quanto o peso da consciência lhe permite, de ilha em ilha, de junta em junta, numa romaria de promessas que o levará, eleitoralissimamente, até Outubro. Porém, o que se espreme de sumo, desses rendez-vous mascarados, que facilmente o Zoom resolveria, para o ressuscitar da nossa moribunda economia é, igualmente, menos que zero. Entretanto, no horizonte, já se vislumbra, imparável, a próxima onda, não de vírus, mas de pobreza.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Café Royal CLXXVII

O mexilhão

Com a mesma febre com que confinaram, as autoridades correm agora a desconfinar. Só que, o desfechamento vem envolto na mesma indecisão e arbitrariedade do fechamento anterior. E, no meio dessa correria, entre o cerra e o descerra, quem se entala, como Martim Moniz na porta do castelo, somos nós, os cidadãos eleitores e contribuintes. O, proverbial, Zé Povinho. O desempregado, o trabalhador em layoff, o pequeno empresário, o precário do recibo verde, o preto, imigrante, repositor do centro de logística da Azambuja, morador no Bairro da Jamaica, a quem lhe fecham a tasca mas ao patrão não mandam fechar a fábrica e, o trabalhador por conta própria, que descobriu agora na pele, o significado exacto da “conta própria”. Mas, em nenhum momento, nem na monástica clausura do distanciamento, nem agora, no arraial mascarado do desconfinamento, a que chamam, sem sarcasmo, de “novo normal”, ninguém, nem político, nem enfermeiro, nos explicou, com exactidão e certeza, a necessidade ou a eficácia de cada decisão. Nem, tão pouco, nos oferecem uma justificação, ou, por caridade, um mea culpa. Como sempre, a culpa, morre solteira e quem se lixa é o mexilhão e o mexilhão, mais uma vez, somos todos nós…

in Açoriano Oriental