quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Café Royal CLV


Pérolas…

Uma das maiores riquezas dos Açores é a sua História. Infelizmente, esse riquíssimo património tem sido ostensivamente negligenciado pelos próprios açorianos. A gesta do povoamento e dos descobrimentos; a resistência a Castela; a sanha dos corsários; o sonho Liberal; a época de ouro da Laranja; o 2 de Março de 1895; a baleação; os Clippers; os cabos submarinos; as duas grandes guerras; os jactos; a epopeia humana de séculos de emigração e, o seu oposto, a resiliência e prosperidade nas ilhas: são quase 600 anos de História que, salvo raríssimas excepções, são largamente desconhecidos da população e indesculpavelmente vilipendiados pelos poderes públicos. Não se valoriza a documentação, não se aposta na musealização e não se investe na promoção. Ao invés, betoniza-se, bunkeriza-se, marina-se e, de um modo geral, condena-se ao abandono e ao esquecimento toda uma incomensurável riqueza que abunda em cada uma das nove ilhas. O recente episódio do afundamento propositado de um navio ao largo de Santa Maria, quando por todos os Açores ou, em particular, ao largo da Terceira jaz esquecido, por exemplo, o HMS Revenge, é só mais uma triste demonstração de quão pequena é a ambição de tão rico povo.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Café Royal CLIV


Tudo normal,

Vivemos as semanas dos Planos e Orçamentos. Pela República, Centeno e Costa multiplicam-se no deve e haver das negociações e no toma-lá-dá-cá das reivindicações. Por cá, ao que sabemos, pelas notícias e pelos Facebook dos deputados, no meio das fotos narcísicas deles próprios, lá foi aprovado, na Horta, mais um Plano e Orçamento para a Região. Passam os anos e os planos e aquilo que devia ser um documento fundamental para a governação transformou-se numa praxe banal que enche o cidadão comum de tédio e enfado. Na verdade, qualquer um consegue intuir facilmente a vacuidade cada vez maior destes documentos, feitos em copy paste de um ano para o outro, agravados pela não execução e pelas cativações. Formatados os Words e os quadros de Excel, cheias as pens, pelos tarefeiros de serviço, o documento é depois salteado nas frigideiras dos parlamentos, acrescentando-se-lhe meia dúzia de temperos avulsos, à esquerda e à direita, ou ao estilo da Madeira ou da Terceira, até se apurar uma requentada roupa-velha. Já a seguir é Natal, o Centeno há de ir-se embora e por cá teremos mais umas eleições. Tudo normal, dentro da anormalidade…


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Café Royal CLIII


(Des)planeamento

O Governo anunciou recentemente, sem pré-aviso ou consulta pública, um projecto de intervenção na cumeeira da Lagoa do Fogo. Acto contínuo, o PS fez gala em anunciar a introdução no Plano e Orçamento de uma verba de cem mil euros para uma “intervenção de ordenamento paisagístico na zona da mata da Lagoa do Congro”. O que é irónico é a falta de planeamento disto tudo. Olhando para as ilhas, é fácil constatar a imperiosa necessidade de planear e organizar o território para melhor o adaptar à evolução demográfica e ao crescimento do turismo. A Região precisa, urgentemente, de um plano estratégico integrado, que permita qualificar e, principalmente, aumentar e diversificar a oferta. O drama é que não há dados concretos sobre fluxos, sobre carga, sobre nada. Ora sem dados não pode haver planos, logo anunciam-se medidas avulsas em zonas que, se calhar, deveriam ser as últimas a ser intervencionadas. O que o governo devia estar a fazer era a promover os estudos que caracterizassem o estado actual do território e a promover acções que qualifiquem o existente para depois então poder pensar em intervir nos pontos da paisagem que ainda estão intactos, isso sim era sustentabilidade.


in Açoriano Oriental

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Café Royal CLII


Ir devagar

Vivemos num tempo cada dia mais acelerado. Tudo passa à velocidade do curto instante, da voracidade do consumo, do flash da selfie. A sociedade de consumo tornou-se autofágica, consumindo tudo, como Gargântua, até, quem sabe, um dia, se consumir a si própria. No mundo capitalista então, esta tendência é ainda mais expressiva. Empresas e consumidores vivem na ânsia do novo modelo, do novo produto, da nova grande ideia que irá revolucionar o mundo e fazer chover cifrões e notas de euros sobre as contas bancárias do próximo “unicórnio” digital. Também na política, o rolo compressor do momento mediático arrasa o pensamento, a análise e a estratégia. Os partidos e os governos atropelam-se a si próprios, como estafetas bêbados, tropeçando nos seus próprios pés. Citando o inimitável personagem dos anos 80 Ferris Bueller “a vida passa demasiado depressa, se não pararmos e olharmos em volta de vez em quando, acabamos por perdê-la.” Às vezes o mais importante a fazer na vida é ir devagar, parar para pensar. Olhar o que nos rodeia e perceber que o mais inovador é precisamente preservar o passado, manter uma tradição, cuidar do que nos é dado para que possa, um dia, ser, também, da próxima geração.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Café Royal CLI


É só uma ideia

Pressionado pela aparição de Bolieiro no seu retrovisor, o PS resolveu acelerar o seu calendário político e deu à luz, prematuramente diria eu, um fórum denominado “Todos Contam! Açores Primeiro”, convidando-nos a ter uma ideia para a região. Pensar os Açores é, certamente, uma tarefa nobre e, quem sabe até, necessária, só que é chão que já deu uvas. O próprio PS anda nisso há décadas, desde o Fórum Açoriano e o SOS Lagoas até ao “A Força da Autonomia somos todos nós” de há quatro anos atrás, lembram-se? O melhor que o PS podia fazer neste momento, para além de governar, e governar bem, já agora, era pegar nos seus 6 programas de governo e verificar, um a um, tudo o que foi feito e o, provavelmente muito, que ficou por fazer. Mas, se o que se pretende são ideias, deixo desde já aqui uma: Acabar com a triste sina de nove ilhas de costas voltadas umas para as outras e unir definitivamente os açorianos em torno de um projecto comum de desenvolvimento económico, social e cultural. O grande desafio por cumprir da autonomia é a concretização plena de uma verdadeira noção de identidade arquipelágica açoriana, é a materialização da açorianidade.


quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Café Royal CL


Interstellar

É Novembro e é Verão. Dias longos de sol quente e águas lisas e fins-de-tarde de horizontes infinitos e alaranjados, espécie de recompensa para o Verão que não existiu. A lentidão deste Novembro contagiou-nos a todos, até aos políticos, que assam presidentes de conselhos de administração de companhias aéreas como se assassem castanhas. A quietude dos dias ensolarados só contrasta com a movimentação subterrânea das placas tectónicas que se faz sentir na emergência dos sismos. Mas, não há urgências este Novembro. O governo continua a trabalhar, a oposição a pensar, o parlamento a protelar e os prazos para a conclusão da Casa da Autonomia a prorrogar. Como vai doce este Novembro. Lá por Lisboa igual. Continuamos imunes à tragédia de um recém-nascido deitado ao lixo por um sem-abrigo a quem toda a sociedade trata como lixo. Na assembleia pretendia-se calar quem acabou de ganhar voz para falar. No governo, o salário mínimo sobe 5% enquanto a produtividade estima-se que só consiga subir 3%. Lá por fora, Espanha voltou a votar, a América a Impeachmentar, a Voyager 2 chegou ao espaço interestelar, mas por aqui e por enquanto o sol de Novembro continua a brilhar.


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Café Royal CXLIX


CTRL+ALT+DEL

A menos de um ano de eleições, a região vive dias conturbados. O PSD está em estado catatónico. Suspenso na indefinição sebastiânica de Bolieiro que, num acto de incompreensível cobardia política, não foi ainda capaz de dizer se aceita ou não ser presidente do partido. Cada dia que passa nessa letargia, o estado comatoso do PSD agrava-se. Mas, ao mesmo tempo, PS e Governo vêem-se confrontados com crises e erros, numa sucessão de calamidades, que mais parece um colorido e electrizante efeito dominó. O Governo, refém da Vice-presidência, transformou-se numa rede de jeitos aos amigos e de represálias àqueles que, por delito de opinião, se julga serem os inimigos. Falta desígnio e estratégia para a Região. Antigamente, quando os computadores bloqueavam o truque era recorrer às teclas CRTL+ALT+DEL para reiniciar a máquina. Resta saber se Vasco Cordeiro, que é, ainda, o verdadeiro capital político do PS, conseguirá sair da sua imensa mansidão e crónica indecisão para dar esse choque no sistema. Os riscos de deixar tudo como está, esteja ou não Bolieiro no leme da Nau Catrineta que se tornou o PSD, são ver escapar a maioria absoluta e, debalde, entregar o PS aos carreiristas.


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Café Royal CXLVIII


Protestos

Nos últimos tempos, um pouco por todo o mundo, os cidadãos, ou, como se diz em ciência política, o Povo, saíram à rua: os independentistas na Catalunha, os “coletes amarelos” em França, os democratas em Hong Kong, os reformistas no Chile, os confundidos, de um lado e do outro, do Brexit, e os órfãos das alterações climáticas à escala global. Numa Era de indignações digitais, de petições à lá minute, de revoltas de Twitter, perceber que as sociedades, as comunidades, ainda são capazes de se organizar e dar a cara em protestos públicos vivos e corajosos é um motivo de satisfação para qualquer democrata. O protesto e a sua manifestação pública são uma forma de expressão da vontade popular e, não é preciso saber de filosofia, para compreender que a vontade popular é a raiz fundamental de toda e qualquer Democracia. Num mundo com cada vez mais desigualdades, entre ricos e pobres, entre geografias e continentes, entre eleitos e eleitores, até mesmo entre gerações, a Voz do Povo, esteja ela em ruído na rua ou no falso silêncio da abstenção, assume cada vez maior importância e não vale a pena fazer de conta que não se está a ouvir ou, pior, reagir com despeito e arrogância àquilo que não se gosta de ouvir…


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Café Royal CXLVII


Cataclismo

O crescimento recente do Turismo deveu-se, em larga medida, a dois factores fundamentais: marketing e aviões. Ryanair, Easyjet e Delta permitiram um incremento crucial nas acessibilidades que, em Turismo, como sabemos, para um destino arquipelágico como o nosso, é tão vital como o oxigénio é para os pulmões. Em paralelo, a promoção nos mercados e o aumento da notoriedade tornou os Açores atractivos para os potenciais turistas. Porém, nos últimos anos, o Governo e a Secretaria do Ambiente, Energia e Turismo (só a hierarquia do nome diz tudo…), entretidos a brincar à sustentabilidadesinha, conseguiram, não só destruir por completo a promoção turística do destino, entregando esse dossier decisivo na mão de meia dúzia de empresários como, também, deixar que a Delta abandonasse o destino, tornando-nos reféns da Ryanair, da TAP e da moribunda da SATA. Não havendo uma explicação, ou responsabilização ou, até, uma alternativa para este autêntico cataclismo não resta, lamento, outra saída à Sra. Secretária, e à direcção da ATA, já agora, que não seja a demissão.


quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Café Royal CXLVI


Harold Bloom

Faleceu, esta semana, aos 89 anos, o mais importante crítico literário da contemporaneidade. Harold Bloom foi o inventor do chamado “Cânone Ocidental” – um corpo literário autónomo e robusto que, desde a antiguidade clássica aos nossos dias, com Shakespeare como vértice, representa o legado cultural da nossa civilização. Esta teoria, muitas vezes mal interpretada, levou a que fosse atacado pelos membros daquilo a que Bloom classificou como as “escolas do ressentimento”. Muitos dos que o atacaram, com base em revisionismos ideológicos e identitários, esqueciam a importância dos seus muitos contributos para a cultura, nomeadamente a tese, apresentada em “The Book of J”, de que os primeiros escritos hebraicos, que compõem o Antigo Testamento, teriam sido escritos por uma mulher. Ou, a sua teoria da “Angústia da Influência”. Numa época em que com 280 caracteres se consegue governar o mundo, Bloom merece, mais do que nunca, ser lembrado, pela sua defesa intransigente do prazer da leitura, e da importância maior que a literatura tem na expressão da condição humana ou, como o próprio referiu com relação a Shakespeare, a “invenção do humano”.


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Café Royal CXLV


Do alheamento

Uma semana depois da passagem implacável do furacão Lorenzo pelos Açores, o Porto das Lajes, que foi arrasado pela força bruta do mar, deverá em breve retomar, parcialmente, a sua operação. Este facto deve-se à resiliência da população das Flores e, ao esforço conjunto das autoridades regionais, da Portos dos Açores e, principalmente, da Marinha Portuguesa. Não fosse a imediata prontidão, a capacidade técnica, logística e humana da Marinha e a Autonomia, per si, não teria a capacidade de tão rapidamente minimizar os danos causados pela tempestade. Este é um exemplo básico de “solidariedade nacional” e daquilo que o Estado faz pela população. No entanto, no passado Domingo, os Açorianos, pareceram alhear-se deste facto e brindaram o País com a maior taxa de abstenção de sempre. O Presidente do PS fez questão de dizer, na noite das eleições, que a abstenção, hoje, nos Açores, é inaceitável. Mas, quando a população parece desrespeitar por completo aquilo que o País faz por si e culpa os políticos por esse alheamento, como explicou um estudo que foi engavetado no parlamento regional, e os próprios políticos estão narcisicamente enleados nas suas fotos no Facebook, a esperança de que se possa mudar esta realidade é quase nula…


quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Café Royal CXLIV


Votar

Ao contrário do que seria de esperar, a campanha eleitoral, afinal, foi tudo menos sensaborona. Tivemos um António Costa titubeante entre a ganância da maioria absoluta e as sonsices habituais de quem lhe dói as costas. Um Rui Rio sempre a crescer e uma Assunção a perder a crista. Depois, tivemos essa novela pifara de Tancos: umas forças armadas relapsas, ladrões de pacotilha que se lixam por 34 mil euros, polícias e magistraturas em guerrinhas de manjerona, ministros idiotas que trocam sms inenarráveis com políticos jovens, mas que tresandam a velhas formas de fazer política. Enfim, um retrato exacto do Portugal de hoje. E, não esquecer, a melhor alcunha desde o famigerado “Cherne”, o “papagaio-mor do reino”. Não se pode dizer que não foi divertida, infelizmente é rir para não chorar. A acreditar nas últimas sondagens, Domingo, os portugueses vão indicar a António Costa uma Geringonça 2.0. Até os eleitores do PS não querem uma maioria absoluta e isso devia servir de lição para a direcção do partido. As incógnitas são os novos partidos e o peso do PC. Quanto à direita, mesmo que Rio se aguente, os próximos 4 anos serão de total e completa refundação. Mas, para já, é preciso votar.


quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Café Royal CXLIII


A letra da lei

No último mês de Julho veio a público o rocambolesco episódio das golas antifumo. O que estava em causa, entre outras coisas, era o envolvimento de um Secretário de Estado na contratação de uma empresa detida por familiares de um adjunto. Ao melhor jeito da saloiice nacional, o PS e o Governo ensaiaram uma fuga para a frente, reclamando que “seria um absurdo a interpretação literal” de uma lei de 1993, que até hoje nunca fora contestada por nenhum governo ou partido. Vai dai, é pedido um parecer, pelo Primeiro-ministro, ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, para o “completo esclarecimento”, sobre a letra da lei, da já famosa Lei das Incompatibilidades dos Titulares de Cargos Públicos. Ora, o que torna tudo isto ridículo não é as golas pegarem fogo, ou a tentativa de interpretação a gosto das leis, nem sequer a ostensiva e inescrupulosa falta de ética dos nossos governantes, o que torna tudo isto verdadeiramente absurdo é o esquizofrénico facto de, na mesma semana, o mesmo Ministério Publico, constituir como arguido o Secretario de Estado, enquanto o seu Conselho Consultivo acha que a lei não pode, afinal, ser lida literalmente.


quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Café Royal CXLII


Partidocracia

O meu pendor romântico levou-me sempre a acreditar que, numa democracia, os partidos são o garante da pluralidade democrática e do debate ideológico, condições fundamentais para a sobrevivência desse regime que “é a pior de todas as formas de governo, à excepção de todas as outras”. Mas, as nossas democracias estão hoje feridas de morte. E o problema não é a abstenção e o alheamento dos cidadãos da vida política, nem é, tão pouco, a esquizofrenia ideológica que faz do PSD um partido de esquerda e do BE um partido social-democrata, nem sequer é a ameaça do populismo. Antes de tudo isto, o verdadeiro cancro das nossas democracias, é que os partidos políticos, que são o seu centro nevrálgico, não são, eles próprios, instituições democráticas. Nos partidos não há liberdade de pensamento, nem de opinião, nem, sobretudo, democracia interna. Há dias, no calor de uma discussão entre amigos, defendi que o objectivo dos partidos devia ser o bem comum, ao que alguém cínica, mas realisticamente retorquiu que não, que o objectivo dos partidos políticos é ganhar eleições. Enquanto assim for, o regime em que vivemos é uma partidocracia e esse é que é o verdadeiro problema.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Café Royal CXLI


Sanguessugas

No meio do ruído da campanha eleitoral e das suas retóricas “linhas vermelhas” uma notícia extremamente importante passou mais ou menos despercebida ao cidadão comum. Ao fim de sete anos de investigação e litigância, a Autoridade da Concorrência, um organismo que se julgava inexistente em Portugal, multou em 225 milhões de euros 14 instituições bancárias, por práticas susceptíveis de constituir cartelização. De acordo com a Autoridade da Concorrência, durante cerca de 11 anos, entre 2002 e 2013, no auge da crise financeira, os Bancos entretiveram-se a partilhar entre si informação sensível sobre condições de crédito, valor dos spreads, volume de investimentos, etc., eliminando deste modo a sã e livre concorrência e prejudicando objectivamente os consumidores. Se juntarmos a isto os perto de 25 Mil Milhões de euros de todos nós que já foram injectados no sistema financeiro, ficamos com uma melhor percepção de como os bancos se transformaram em verdadeiras sanguessugas do sistema, vivendo, como parasitas, à custa do sangue, do suor e das lágrimas de todos nós. Talvez, mais importante do que pensar na reforma do nosso sistema político, seja pensarmos na higienização do nosso sistema financeiro, a bem da Democracia.


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Café Royal CXL


Maiorias

A viagem do Partido Socialista, pelos atribulados caminhos da nossa entradota democracia, nem sempre foi fácil. Entre 75 e 85 Soares viu-se encurralado entre uma extrema esquerda altiva e um centro-direita envergonhado. Em 6 eleições legislativas o PS ganhou 3, sempre abaixo dos 40% dos votos, passou pelo embaraço das expressivas vitorias da AD em 79 e 80 e culminou com o trauma cavaquista de 85 e de 87, em que o PSD obteve mais de 50%. Soares rumaria a Belém e Portugal sofreria Cavaco durante os próximos 10 anos. Depois veio o pântano de Guterres, a tanga de Durão Barroso e o desmaio de Santana Lopes, até culminarmos nos 45% de Sócrates, uma bancarrota e a PàF que, como todos os amantes de banda desenhada sabem, significa uma brutal estalada na cara. Durante estes 45 anos, dois grandes dogmas imperaram sobre o xadrez político nacional – a Direita, quando precisa, une-se e as Esquerdas não. As eleições de 2015 e consequente Geringonça marcaram, esperávamos nós, o fim deste “nó górdio”. Mas, e pelo que temos visto desta campanha eleitoral, o PS, infelizmente, não aprendeu nada nestes 4 anos e prefere a ganância de uma putativa maioria-absoluta à continuidade de uma maioria de esquerda. É pena.


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Café Royal CXXXIX


Regressos

O Verão é o tempo dos regressos. Do regresso à casa dos avós e aos nossos lugares de conforto. Do regresso uterino ao mar. Do regresso, por essa indolência própria que só o Verão tem, à infância. O Verão é o tempo em que os homens regressam a vestir calções e as mulheres à luminosidade dos corpos despidos inocentemente. O Verão é o regresso ao mais puro dos descomprometimentos, à verdadeira isenção de horários, à liberdade de não ter o que fazer e ao seu prazer. E do regresso, muitas vezes, a nós próprios e ao obrigatório dever de ter tempo para nós. O Verão é, também, o regresso a uma ideia imaginada de felicidade. Como se só pelo calor do sol e dos balanços do mar fossemos verdadeira e permanentemente felizes, com a felicidade única de quando éramos crianças. Um regresso aos milhentos tons de azul do mar de águas translucidas e do céu infinito e iniciador de tudo. Um regresso, místico, à pureza inicial da luz e da mente livre. O Verão é, enfim, o regresso ao sonho e ao sentimento de que o futuro se abre à nossa frente, pleno de hipóteses, encantadoramente indefinido. Resta-nos fazer permanecer o Verão, em cada dia…  


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Café Royal CXXXVIII


Deste Verão

Há um adágio popular, recorrente nestes nublados e chuvosos dias de Agosto, que diz que o Verão nos Açores é tão bom que até o Inverno vem cá passar o Verão. Os ecrãs das redes sociais estão pilhados de lamentações por este Verão que nunca foi. E, vemo-los por aí, como zombies, cambaleando pesarosos pelas ruas molhadas, protegendo-se da chuva com olhos tristes, órfãos do sol, os veraneantes de Agosto, a quem o clima roubou o Verão. Lá longe, presos nos seus cubículos, em prédios altos, levaram o ano todo a sonhar com os preciosos 22 dias de férias de Agosto e saiu-lhes isto. Ilhas de bruma. Quem quiser as monotonias algarvias que poupe nos bilhetes de avião. Aqui não há dias ensolarados de céus espantosamente azuis. Aqui não há trinta graus de temperatura, areias finas e brancas e bolas de Berlim. Aqui há o ciclo da água. Estas são ilhas de cinzas, dos vulcões, que as criaram, e das nuvens, que as alimentam. E não há prazeres fáceis. O verão nos Açores é um trabalho árduo, não é para veraneantes. Este Verão não cumpre calendários. É um Verão com humores. É cínico e irónico e, por vezes, um pouco sádico.  Se quiserem dizer que passaram o Verão nos Açores tirem férias em Outubro.


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Café Royal CXXXVII


Mar

Atravessando a janela, indo para lá das recortadas folhas da árvore da borracha, os olhos mergulham na visão do mar. E o mar, pleno e omnipresente, como que entra pela casa, inundando os espaços com os seus sons sincopados e os vários cheiros da maresia. A própria casa, espécie de barco ancorado nas rochas, salpicada constantemente pela espuma das ondas, é uma extensão do oceano, num eterno e imperturbável enlace, uma jura de amor, um casamento para a vida. Por vezes, questiono-me se foi a casa que nos escolheu a nós. Se, ao contrário de Ulisses, sucumbimos ao seu cântico e naufragamos aqui, nestes muros, nestas paredes, janelas e varandas debruçadas sobre o imenso azul do oceano. Ou, pelo contrário, se fomos nós que aqui decidimos aportar, caminhando para o mar pelo verão, como no verso de Ruy Belo. Para sermos, tal como a casa, parte permanente do mar. Constante e quotidianamente líquidos e ondulantes, plenos. Sim, porque o mar é a antítese do vazio. O mar enche, envolve, o mar abraça. O mar abraça-nos na sua frequência cintilante e acolhe-nos nos seus quentes reflexos de Sol. Nós, não somos pó, somos mar. Do mar viemos e ao mar retornaremos, perpetuamente.


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Café Royal CXXXVI


Da humidade

Dormimos descobertos, sem roupa e sem lençóis, abafados apenas pelo calor e pela humidade. Uma humidade que se cola na pele como se de um óleo se tratasse, uma espécie de gordura invisível e peganhenta, melada, gastrópode. Nem sequer a noite vence a humidade. A humidade é omnipresente, é ubíqua. A humidade é a única constante de Agosto. Tudo o resto é volátil, o sol é esparso, a chuva intermitente, as ondas vão e vêm na sua cadência ondulada, como os turistas, nos seus carros alugados, entrando pelas ruas em contra-mão. Só a humidade se instala na ilha, com armas e bagagens e todas as suas noventas porcento de percentagens, para a temporada inteira de verão. Ao contrário do que nos querem fazer crer os meteorologistas, a humidade, nos Açores, no verão, é tudo menos relativa. É concretíssima, definitiva e incondicional. Nem mesmo os maravilhosos e aliviantes, embora curtos, banhos de mar conseguem vencer a humidade. Saindo da água somos imediatamente absorvidos por ela, como se submergíssemos novamente, como se estivéssemos, na verdade, novamente debaixo de água. No fundo é isso: o verão nos Açores é estar permanentemente, de uma forma ou de outra, debaixo de água.

...por alguma razão, que desconheço, a crónica desta semana não saiu no Açoriano Oriental. De qualquer modo, para não quebrar uma série que já corre há 136 semanas, ininterruptamente, aqui fica o registo...

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Café Royal CXXXV


Chuva de verão

Acordamos com a chuva. Acordamos com o som forte e humedecido da chuva que caía numa torrente cinzenta, espessa e quente. Todo o horizonte era neblina e água, como se a ilha inteira tivesse sido coberta por uma nuvem. Aconchegados ainda pela cama, ficamos a ouvir chover. Entrelaçados, em silêncio, escutando os diferentes sons que se desprendiam da água. Ao fim de um bocado, como sempre acontece, a chuva parou, as nuvens desataram-se deixando entrever o azul do céu e o sol. Lá fora, a terra molhada evaporava-se em tufos, como o vapor das caldeiras subindo pelo ar. Acordamos uma segunda vez, tentando compreender o dia, refazer os planos de ontem. Nem sequer as aplicações dos telemóveis tinham previsto a chuva. Nenhum satélite conseguiu antever a vontade do clima e a sua força súbita. A praia esperaria por nós, enquanto nós esperávamos que o calor do sol secasse a areia, esperávamos que o calor refizesse a nossa própria vontade de estar na areia escutando, por entre os ondulantes barulhos do mar e do riso das crianças, o som crepitante do sol, quente e luminoso, a derramar-se sobre a nossa pele em mais um dia de Agosto na ilha.


quinta-feira, 25 de julho de 2019

Café Royal CXXXIV


Boris

Talvez seja da cor do cabelo, ou do ar bonacheirão, ou da tendência, de ambos, para o disparate, embora num o absurdo seja fingido e no outro feitio. Mas, são comuns as comparações entre Boris Johnson e Donald Trump. Um pouco por todo o lado, da comunicação social às redes sociais, principalmente à esquerda, há uma tendência generalizada para colocar Boris e Trump no mesmo saco político, ideológico e, mais grave, comportamental. Esta simplificação exagerada é um enorme erro, de análise e de prospectiva. Trump é filho de um promotor imobiliário e de uma dona de casa, com uma carreira académica banal que se transformou num magnata nos anos 80 através da especulação e manipulação dos media. Ao contrário, Boris é filho de dois académicos da upper-class britânica, educado em Eton e Oxford, com uma sólida carreira académica, jornalística (foi editor da Spectator) e política. Trump foi eleito muito por obra do maquiavélico Steve Bannon. Boris é o seu próprio Bannon. Trump é um palhaço político, Boris faz-se de palhaço, ao melhor estilo do diletantismo inglês, para fazer política. São coisas diametralmente opostas. Embora sejam ambas igualmente perigosas…


quinta-feira, 18 de julho de 2019

Café Royal CXXXIII


(in)Cultura

Não são usuais as visitas de ministros aos Açores. Ministros da Cultura, então, muito menos, tão poucos que foram na nossa curta democracia. Também por isso, a escapadinha da ministra Graça Fonseca a São Miguel, no passado fim-de-semana, poderia ter sido um momento importante para o reconhecimento da Cultura que se faz nos Açores. Infelizmente, não foi isso que sucedeu. Entrelaçada na teia do Walk & Talk, a visita de Graça Fonseca aos Açores fez-se em circuito fechado, com fugazes desvios ao Arquipélago e ao alto da Torre Sineira da Câmara de Ponta Delgada. Mas o pior foi a ridícula declaração da Ministra ao dizer que já tinha visitado várias galerias e espaços culturais “que não existiam” antes do referido festival. A verdade, Sra. ministra, é que é precisamente o contrário. Por maiores que sejam os méritos do Walk & Talk, e são muitos, a realidade é que o festival só existe por causa da existência e resistência de um sem número de artistas, espaços, galerias, livreiros, etc., etc., que lutam todos os dias e há muitas décadas para fazer, e dar a apreciar, Cultura nos Açores. Mas, já estamos todos habituados às gaffes desta ministra quando sai de Lisboa…


quinta-feira, 11 de julho de 2019

Café Royal CXXXII


Racismo de classe

Portugal não é, nunca foi, racista. A maior prova desse não-racismo nacional é a miscigenação. Ao contrário de outros povos, a disseminação dos portugueses pelo mundo fez-se pela comunhão intelectual, social e sexual entre raças, povos e culturas. Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura. E, como já alguém disse, em tom libidinoso, a maior dádiva de Portugal ao mundo foi a mulata… Vêm isto a propósito da discussão em torno de um texto lastimável de Maria de Fátima Bonifácio, no jornal Público, sobre raças, culturas, civilizações e, pasme-se, “cristandade”. O mal que afecta o espírito nacional não é o racismo, é o classismo. Portugal é, ainda, um país contaminado pelos resquícios do feudalismo e do Estado Novo, que se enoja com a pobreza, mas não a combate e de “senhoras” e criadagem separadas por vestíbulos obscuros. Só que hoje, nos bairros chiques de Lisboa, as criadas são todas negras. Não vale a pena rebater o discurso racista, mas convém lembrar que, como diz o slogan das campanhas contra as alterações climáticas: “Não há Planeta B” e vivemos todos neste planeta, brancos, negros, vermelhos, amarelos, e a Sra. Bonifácio também…


quinta-feira, 4 de julho de 2019

Café Royal CXXXI


7 Mortes

Um amigo meu, intelectualmente socialista, dizia em tom jocoso, referindo-se a Alexandre Gaudêncio, logo após o episódio Mota Amaral, que o jovem líder do PPD Açores e Presidente de Câmara da Ribeira Grande não tinha sequer chegado à “recta dos Fenais”, tinha-se estatelado na rotunda de Rabo de Peixe. De facto, a tentativa de Gaudêncio se afirmar como líder do principal partido da oposição e candidato a alternativa a Vasco Cordeiro ficará na história como a mais trágica e inábil de todos os líderes do PSD-A, e já lá vão muitos. Tudo ia a correr mal a Alexandre Gaudêncio até que, já com o carro todo empenado e desgovernado, se despistou, finalmente, na berma da estrada. Diz-se que os gatos têm sete vidas, pela sua capacidade de cair sempre de pé. Gaudêncio é o político das 7 mortes, que nunca conseguiu sequer chegar a levantar-se. Mas, o pior disto tudo nem é o mau gosto musical, é o legado de destruição urbanística e turística do litoral da Ribeira Grande que Gaudêncio vilipendiou, entregando-o, de mão beijada, à selvagem especulação imobiliária e à mais perniciosa massificação turística, como, aliás, a operação “Nortada” deixa perceber. Gaudêncio acabou e se não sair o PSD-A poderá acabar também…


quinta-feira, 27 de junho de 2019

Café Royal CXXX


Superávit

Benjamin Franklin dizia que “para não seres esquecido depois da morte, escreve algo que mereça ser lido ou faz algo que mereça ser escrito.” Actualmente, poucos são os que se importam com o legado que deixam das suas vidas. Perpassa-nos a impressão de que tudo está gravado na pedra-pomes das redes sociais e que essa vaga e electrónica impressão digital se eternizará na nuvem do algoritmo. Pode parecer inadequado misturar os pequenos políticos de hoje em dia com esta ideia maior de um devir histórico universal, tão emaranhados eles estão nas fugazes manchetes e nas politiquices do dia-à-dia. Porém, a política não devia ser outra coisa que não fosse a permanente ambição de uma sociedade melhor, mais próspera e mais justa. E esse deveria ser o legado dos grandes políticos. A História, aquela que se constrói para lá dos idióticos mestrados e doutoramentos tirados com minudencias estatísticas, faz-se dos feitos dos homens e das suas grandes acções, que tornam a Humanidade, e o nosso Mundo, em algo maior. E não com o Superávit ou outras artimanhas contabilísticas. O único ministro das finanças que ficou para a História foi Salazar e não foi pelas melhores razões…


quinta-feira, 20 de junho de 2019

Café Royal CXXIX


O bodo

Quando se fala em Orçamento de Estado é frequente ouvir falar em “mesa” e “bolo”. Como se o Orçamento fosse uma espécie de banquete. Só que, quem se anda a lambuzar com o repasto não são os cidadãos comuns, pagadores de impostos, a quem o Estado devia garantir meia dúzia de coisas básicas. Desde logo, diz a Constituição, o direito à Saúde, “através de um serviço nacional de saúde universal e, (…) tendencialmente gratuito.” Ora, se imaginarmos que à cabeça da “mesa” do Orçamento se senta o Governo, manda o protocolo que à direita se sente a Educação e à Esquerda a Saúde e deviam ser esses, os “convidados de honra”, a receber a maior fatia do “bolo”. Mas, neste país, nos últimos anos, nessa verdadeira última ceia em que se transformou o Orçamento de Estado, quem se anda a empanturrar, são os Judas da Dívida, os agiotas da Banca e outros Berardos do género. Portugal investe na Saúde cerca de 1600€ por cada cidadão. Resgatar os Bancos custou a cada um de nós 1800€! É como aquelas galas, servidas a lagosta e champanhe, em que os abastados juntam uns cêntimos para oferecerem aos pobres uns míseros pacotes de macarrão…


quinta-feira, 13 de junho de 2019

Café Royal CXXVIII


O peso da data

Por mágica conjugação de calendário, calhou este ano, o 10 de Junho e o “dia da pombinha” serem na mesma data. Esta segunda-feira, Portalegre e a Calheta de São Jorge tornaram-se o centro simbólico da portugalidade e da Autonomia. Ao contrário de outras nações, que assinalam os seus dias em datas importantes da sua história (a Tomada da Bastilha, o dia da Independência ou o grito do Ipiranga) e que, por isso, estão profundamente enraizados na cultura do seu povo, Portugal e os Açores, celebram-se em datas que foram escolhidas a dedo, em gabinetes fechados, procurando incutir artificialmente num caso, e usurpar ao povo noutro, uma sensação de verdadeira pertença à comunidade. O facto é que, 45 anos depois, o 10 de Junho nunca se conseguiu libertar do dia da raça salazarento que sempre foi, por mais discursos de Facebook que se façam. E, a estatização da mais popular das festas açorianas, o Espírito Santo, significa um desvirtuar e uma politização incompreensível do que de mais genuíno tem o povo destas ilhas. Ora, é precisamente este artificialismo que afastará sempre o cidadão comum destas celebrações. Ao povo o que é do povo, e ao Estado o que dele tiver de ser…


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Café Royal CXXVII


O Rei Sol

Numa frase em inglês, no seu melhor estilo de pitonisa mediática, como quem prevê o futuro, mais do que analisa o passado, Marcelo Rebelo de Sousa, prognosticou, para os próximos anos, uma debacle na Direita em Portugal. O comentário do professor diz mais sobre a sua personalidade do que propriamente sobre a crise de PSD e CDS, ou, se quisermos, sobre o estado do regime, como logo se apressou a tentar corrigir Rui Rio. Marcelo construiu, neste seu primeiro mandato como Presidente da República, a imagem do presidente próximo das pessoas, constantemente presente, uma espécie de Conversas em Família, do seu famigerado homónimo, em formato selfie-stick, ultrapassando, muitas vezes, o limite da exaustão. Num regime em que os poderes presidenciais são reduzidos, essa forma omnipresente de desempenhar o cargo transforma-o num interveniente activo do teatro político e Marcelo fá-lo propositadamente. A opinião presidencial torna-se, ela própria, condicionante da luta político-partidária. Ao vaticinar uma crise na Direita, Marcelo mais não faz do que afirmar – a Direita sou eu! – qual Luís XIV, ambicionando tornar-se no Rei Sol da República e, en passant, transformando-nos, a todos, em bananas.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

Café Royal CXXVI


Da abstenção

Os partidos têm pânico do desconhecido e as eleições, por natureza, são uma incógnita. Para os directórios partidários, as noites eleitorais representam horas intermináveis de tensão e angústia. Tomados por esse medo, os partidos inventaram as carrinhas para ir buscar eleitores e outras habilidades do mesmo teor, que inquinam o principal pilar da democracia – o voto livre. Garantir o mínimo de votos necessários e apostar na abstenção tornou-se um seguro de vida para os partidos. A abstenção transformou-se, ela própria, num instrumento político. Quanto maior ela for, mais garantias têm os partidos sobre os resultados e, normalmente, quem está no poder beneficia com a abstenção. Votar é um dever e a abstenção é um direito de qualquer cidadão livre. Porém, uma sociedade madura tem de exigir, a si própria, governos legitimados por maiorias sólidas. De todas as ideias, que por estes dias vão inundar o debate político, talvez a mais interessante seria não validar eleições com abstenções acima de 50%. Se acontecer, repetem-se as eleições, até que os partidos consigam verdadeiramente cativar as pessoas, sem ser só os seus aparelhos e dependentes, levando-as a escolher e a votar, livremente.  


terça-feira, 28 de maio de 2019

Em contraciclo


Há uma ideia latente, no espírito nacional, mesmo desde o tempo da sua fundação, que é a de que Portugal é um país eternamente atrasado relativamente ao centro da Europa. Ninguém corporizou melhor esta ideia, do atraso português, do que a Geração de 70 e esse seu paladino imaginário Carlos Fradique Mendes que, nas suas Cartas, afronta o torpor nacional ovacionando a vibração iluminada das grandes capitais europeias. Pode parecer estranho recuperar esta ideia, a propósito destas eleições para o Parlamento Europeu, mas olhando para os resultados, fica, de facto, a sensação de que corremos em contraciclo, no país, face à Europa, e, nos Açores, então, mais ainda.

A Europa - Dois factos fundamentais dos resultados destas eleições: a participação eleitoral que ultrapassou a mítica fasquia dos 50%; e, a não-vitória dos partidos antieuropeístas. Estes foram os dois fantasmas que assombraram toda a campanha, quer nas parangonas dos jornais, quer nos discursos dos políticos. Por um lado, o medo do progressivo alheamento dos eleitores europeus face às instituições e ao próprio projecto europeu não se confirmou, dando assim como que uma lufada de ar fresco aquele que é o segundo maior, depois da Índia, espaço de democracia do mundo. Por outro lado, aquela que se temia seria a avalanche antieuropeia dos partidos populistas e neofascistas, também, não se confirmou, nem mesmo em França onde, apesar da vitória, Le Pen ganhou com menos votos do que em 2014. No total dos 751 deputados que formam o Parlamento Europeu, a coligação negativa, liderada pelo italiano Salvini, com o americano Bannon como seu novo Maquiavel, não terá mais do que 70 lugares. Mas, outro facto sobressai destas eleições: a queda dos partidos ditos tradicionais e o crescimento dos partidos ecologistas e liberais. O grande desafio dos próximos cinco anos será, forçosamente, a democratização dos directórios europeus e a aproximação das suas instituições aos cidadãos. A escolha da próxima comissão será um momento fundamental neste caminho e fica claro, com estas eleições, que socialistas e conservadores deixaram de ser donos e senhores dos destinos da Europa e passarão a ter de ter, fatalmente, em conta a vontade dos cidadãos que votaram nestas novas ideologias e novas forças partidárias.
O País – Portugal vive em contraciclo do movimento europeu, não só pela esmagadora vitória da indiferença, expressa pela abstenção - 69% - a maior taxa dos 45 anos da nossa democracia, como pela vitória inequívoca do PS. Por essa Europa fora, de uma forma ou de outra, os eleitores perceberam a importância da sua participação, em Portugal não nos podíamos estar mais nas tintas para a Europa e, nem a propositada e absurda focagem da campanha nos temas nacionais, como os fogos, a geringonça, ou os professores, conseguiram mobilizar o eleitorado. E, o contraciclo é ainda maior pela vitória de um partido clássico e no poder, e pela insignificância a que se viram remetidos os novos partidos, que se diziam representar as novas ideologias e as novas formas de estar na política, Livres e Bastas,  Alianças e outros que tais, todos juntos, nem um pavilhão multiusos, desses milhares, que foram construídos com dinheiros europeus ao longo dos anos, em cada vilória do país, conseguiriam encher. A excepção é o PAN, que, ao que parece, cimenta a sua matriz geracional e ideológica, reforçada pelo facto de, hoje em dia, ninguém saber que nessa eterna coligação chamada CDU, para além do PCP, também lá milita um outro partido, que dá pelo nome de Partido Ecologista Os Verdes.
E os Açores – Pois então, por cá tudo mais ou menos na mesma, ou, ainda, um bocadinho pior. 81% de orgulhosos abstencionistas, 1 deputado europeu, um PS absolutamente hegemónico e uma oposição inexistente, ou pior do que inexistente, comatosa, um verdadeiro peso morto no nosso sistema político. Por mais que Alexandre Gaudêncio, num pueril exercício de malabarismo político, queira ver na abstenção um qualquer reflexo de insatisfação dos eleitores com a governação socialista, o facto é que o PSD se afunda cada vez mais, para níveis próximos do ridículo, e o PS-Açores continua, e vai continuar, a ganhar eleições folgadamente, por mais disparates que faça, ou escândalos que dele se aproximem. Em democracia são os votos que mudam os governos, não são as abstenções!
Por último, uma nota para o André Bradford, que será nos próximos 5 anos, o único representante dos Açores no Parlamento Europeu. A Europa precisa de políticos, mais do que técnicos ou tecnocratas, que por lá já abundam em excesso. E os Açores precisam de mais Europa, mas não só a Europa das quotas das pescas e dos cêntimos do leite, dos fundos europeus e das comparticipações de investimento. André Bradford é um político inteligente, experiente e sagaz, que saberá levar os Açores a uma Europa em tumulto, mas fica aqui o repto para que saiba, também, trazer aos Açores uma outra Europa, que não apenas a Europa da retórica partidária e da tirania financeira. 


quinta-feira, 23 de maio de 2019

Café Royal CXXV


JL

A adolescência é o tempo de todos os excessos. Daquilo a que Thoreau chamou “sugar o tutano da vida”. Correndo, lado a lado, com a mais pura inconsciência, uma enorme vontade e ambição, uma quase arrogância de se ter todas as certezas do mundo. E, no regresso do pêndulo, as incertezas, os medos, as inseguranças de uma vida toda pela frente. Esse constante balanço entre dois polos é terreno fértil para grandes descobertas e para colossais erros. É por isso que os adolescentes são, muitas vezes, olhados com escárnio, ou tédio, uma condição irritante que se tolera com paciência, ou descompostura. Porém, há aquelas poucas pessoas que, nesse solstício da idade, olham para nós não com condescendência e cinismo, mas com a esperança de quem sabe que a adolescência é não mais do que uma ponte, que é necessário atravessar, para a maturidade. Uma das grandes dádivas que o João Luís e a Teresa deram a uma trupe de vorazes que aceleraram pela ilha à procura de tornar as suas vidas extraordinárias, e que tinham na sua casa e convivência um porto de abrigo, foi olharem-nos não como “armários”, mas como pessoas. Obrigado Teresa, obrigado JL.


quinta-feira, 16 de maio de 2019

Café Royal CXXIV


CEE / UE

Em 81, uma desconhecida banda do Porto, chamada GNR, lançava o seu primeiro single “Portugal na CEE”. A canção refletia o sentir de um país que, desde 77, “Na rádio, na TV / nos jornais, quem não lê / Portugal e a CEE / Quanto mais se fala menos se vê / eu já estou farto e quero ver / Quero ver Portugal na CEE”. A adesão chegou, numa cerimónia pomposa nos Jerónimos, em 85, e a emoção nessa altura, tal como, premonitoriamente, dizia a música era: “E agora, que já lá estamos / vamos ter tudo aquilo que desejamos / Oh boy, é tão bom estar na CEE”. Nesses meados dos anos oitenta, o país vivia, ainda, na ressaca da revolução. Acabava de sair de uma intervenção do FMI, elegia Soares para Belém, entregava-se nas mãos de Cavaco Silva durante os 10 anos seguintes e troçava do arquitecto Taveira. Nas primeiras eleições ao parlamento europeu, ganhas por Santana Lopes, Miguel Esteves Cardoso teve 155 mil votos e votaram 72% dos eleitores. Passados 30 anos, temos FMI, Marcelo, Geringonça, escarnecemos do Comendador Berardo e a abstenção ronda os 65%. Em boa verdade, só a participação dos portugueses nas eleições se alterou, porque no resto, até os blusões de penas estão, outra vez, na moda…


in Açoriano Oriental

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Café Royal CXXIII


Reposição

No auge da crise, junto com o congelamento das carreiras, o “enorme aumento de impostos”, o desemprego e o corte de salários, deu-se um outro fenómeno, igualmente importante, embora mais envergonhado, que foi o endividamento das famílias à banca. Em 2009, este endividamento era 95% do PIB e cerca de 70% do mesmo era crédito à habitação. Ora, entre 2007 e 2012 os spreads médios destes créditos aumentaram quatro vezes, tendo como efeito imediato o catapultar de uma prestação mensal de 200€ para 800€! A consequência prática deste gigantesco salto foi um enforcamento financeiro das famílias que, no melhor dos casos, fizeram esforços sobre-humanos para cumprir as suas obrigações e, no pior, viram os seus bens penhorados. Infelizmente, para estas pessoas (e são certamente tantos ou até mais do que os professores) não existe em Portugal um Mário Nogueira, ou uma qualquer comissão parlamentar, que reivindique a reposição desses rendimentos e bens, que, na sangria da crise, foram devorados pelo monstro insaciável da banca. A única certeza que essas famílias têm hoje é de continuar a ver os seus impostos a jorrar desenfreadamente para resgatar essa mesma banca que os arruinou.


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Café Royal CXXII


Até quando?

Na passada sexta-feira, o Presidente do Conselho de Administração da SATA anunciou que o grupo havia terminado o ano com um prejuízo de mais de 53 milhões de euros. Os números são de tal forma colossais que assustam qualquer um. E aterrorizam tanto que até o Presidente do Governo não teve outro remédio que não fosse assumi-los como “não sustentáveis”. O histórico recente da SATA é, de facto, verdadeiramente apocalíptico e todas as razões e mais alguma são apontadas para esse dantesco Inferno em que a companhia se encontra hoje: os passageiros, ou a falta deles; as tripulações, que ora são muitas e caras e grevistas, ora não as há; as aeronaves que umas vezes são lindas e fantásticas, outras decrépitas e ineficazes; os trabalhadores, que se multiplicam e reproduzem ou os administradores, que se duplicam em catadupa como clones; os ACMI’s; os Brent’s;  a meteorologia e o vulcão da Islândia, a crise económica global ou, até,  o contínuo da Assembleia que digitalizou um email que fez levantar voo os islandeses. Todos apontam razões, mas ninguém dá explicações. Todos são responsáveis, mas ninguém é culpado. Resta saber, até quando…


quinta-feira, 25 de abril de 2019

Café Royal CXXI


Da maturidade

Com 45 anos, feitos hoje, a pergunta que se impõe é se a nossa Democracia atingiu, ou não, a maturidade? Terá, o País, alcançado o desiderato da constituinte de uma “sociedade livre, justa e solidária”? Descolonizamos. Construímos a base de um Estado Social, com educação, saúde, protecção social, universais. Garantimos os princípios básicos da liberdade de opinião e de associação. Mas, chegados à meia-idade, falhamos, se calhar, no essencial – “a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”. Vivemos na ditadura da partidocracia, em que a teia obscura dos interesses económicos se confunde com os interesses dos agentes políticos. Os partidos aproveitam-se do Estado, meramente para se perpetuarem no poder, no frenesim dos ciclos eleitorais e ignoram o fundamental: a emancipação efetiva dos cidadãos, o seu desenvolvimento económico e social e a construção de uma sociedade, realmente, inclusiva e próspera. Esta “democracia” é, hoje, como aqueles “jovens” que se vão deixando ficar em casa dos pais, bem para lá do fim dos estudos, saltitando precariamente entre empregos, vivendo de salários mínimos e outros esquemas, como a prostituição dos “recibos verdes”, nunca chegando, verdadeiramente, a ser livres…


quinta-feira, 18 de abril de 2019

Café Royal CXX


Greta Thunberg

O meu nome é Greta Thunberg. Tenho 16 anos. Venho da Suécia e quero que entrem em pânico.” Foi desta forma desarmante que a jovem activista iniciou o seu discurso perante a Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu. Em 13 comoventes minutos, com as suas longas tranças, tez pálida e a candura da infância, Greta Thunberg desferiu um eloquente e audaz murro no estômago da hipocrisia política de Estrasburgo. Falando em nome “dos que ainda não podem votar” alertou para o absurdo de uma União Europeia que é capaz de fazer 3 reuniões de emergência por causa do Brexit, mas que é incapaz de se unir para, de uma vez por todas, atacar aquela que é a mais grave crise do nosso tempo, as alterações climáticas. Os mandatos para o Parlamento Europeu são de 5 anos. De acordo com as principais projecções, ao ritmo actual, daqui a 10 anos, o mundo entrará numa reacção em cadeia irreversível que levará a destruição da humanidade. Mas nós, todos nós, políticos e cidadãos, prosseguimos embriagados pelas questiúnculas partidárias, o preço do leite, as quotas das pescas ou os milhões de euros, dos fundos europeus, que gastamos em sobredimensionados hotéis de 5 estrelas…


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Café Royal CXIX


Auditorias

Na passada sexta-feira, dia 5 de Abril de 2019, e a data é importante, o Governo Regional tornou públicos os relatórios das auditorias externas a 3 Santas Casas, ATA e IROA. A data é importante porque, como o próprio Governo assume, as referidas auditorias foram mandadas fazer por uma Resolução do Governo de Dezembro de 2017! Olhando o relatório da Deloitte, empresa auditora do IROA, ficamos a saber que o contrato da mesma foi assinado em Abril de 2018 e que este foi entregue à Secretaria Regional da Agricultura e Florestas em Setembro! O que esta cronologia demonstra é a elevada (in)competência do Governo Regional em coisas tão básicas, ou seja, demora meses para executar uma sua resolução e quase um ano inteiro para tornar públicos os seus resultados. Mas, bem vistas as coisas, trata-se do mesmo Governo que, conforme estes relatórios também relatam, mantêm avultados montantes em dívida com estas instituições desde 2015! Não admira que a gestão corrente destes Institutos, Associações e outras instituições seja feita de um sem número de manigâncias. Em boa verdade, é esse o exemplo que vem de cima…


quinta-feira, 4 de abril de 2019

Café Royal CXVIII


Transparência

Já aqui há uns meses referi uma Comissão Parlamentar da Assembleia da República que, após 1000 dias de trabalho, tinha chegado a 0 de legislação produzida. Isto apesar de, na sua constituição, em Abril de 2016, lhe terem sido dados 180 dias para apresentar conclusões. Se dissermos que o âmbito de trabalho da referida Comissão era, nem mais nem menos que, o Reforço da Transparência no Desempenho da Cargos Públicos e Políticos, talvez se perceba a dificuldade das Sras. e Srs. Deputados em elaborar sobre tão difícil e intrincada matéria. Mas, finalmente, na passada semana, depois de um sem número de adiamentos, e não sem antes aprovar um novo prolongamento, a dita Comissão lá votou na especialidade, um conjunto de cómicas, não fossem tristes, alterações ao chamado pacote de leis da transparência. Entre outras coisas, os partidos com assento na Comissão decidiram: que não é incompatível a um deputado pertencer a sociedades de advogados; que só é necessário o registo de prendas aos titulares de cargos públicos ou políticos acima de 150€; e, ainda, cereja no topo do bolo, que o registo dos lobbyistas não os obriga a mencionar para quem fazem esse lobbying!  


quinta-feira, 28 de março de 2019

Café Royal CXVII


(A)normalidade

Acossado pelas muitas críticas, a que foi sujeito na opinião pública, por causa da genealogia dos seus nomeados, o PS tentou contrapor com três tipos de argumentos: socialização; não-discriminação; e (o mais caricato de todos) genética. O primeiro sustenta que é normal, em determinados contextos de socialização, as pessoas construírem relações de amizade ou amorosas. O segundo é que não podem ser prejudicadas ou discriminadas nas suas “carreiras profissionais” (sic) por causa da sua filiação. E, pela voz autorizada de Carlos César, o argumento genético, de que determinadas “famílias” têm especial “vocação” para o “empenhamento cívico”. Ora, tudo, nestes argumentos, está errado. Primeiro, as relações pessoais não devem ser transpostas, muito menos de forma exponencial, para o Espaço Público. Depois, a Política não pode nunca ser vista como uma “carreira profissional”, com direito a Ordem, Estatuto, Sindicato e Contrato Colectivo de Trabalho. Por último, mas mais importante, a República existe, e o Socialismo também, já agora, exactamente para pôr fim a essa injusta, perniciosa e monárquica ideia de que só o “filho de peixe é que sabe nadar”.


quinta-feira, 21 de março de 2019

Café Royal CXVI

Carros

Nunca gostei de carros. Os carros, para mim, são utensílios básicos, servem para nos levar de um lugar para o outro, como um abridor serve para abrir caricas, sendo que gosto mais do abridor do que de carros. Só uma vez fui proprietário de um carro, uma carrinha velha, que comprei usada e que serviu o seu papel até ser encomendada ao sucateiro. Não tenho, como se compreende, grande simpatia por ralis, o máximo de entusiasmo que me provocam são as vitórias do Ricardo Moura que teria sido o primeiro português campeão do mundo de Bodyboard não fosse o azar dos tímpanos. O Rally não me é mais do que um incómodo. Percebo-lhe o ganho de notoriedade, fruto das imagens que viajam o mundo, mas isso também o Surf ou o Cliff Diving conseguem e por metade do preço. Mas, já que tantos açorianos parecem gostar da coisa e que, por isso, ela provavelmente vai continuar, permitam-me uma sugestão: não estará na hora de tirar da zona mais nobre da cidade o estendal cacofónico do Rally? Numa cidade que se quer turística, todo aquele circo tresanda a terceiro mundo, ainda para mais quando há dois megapavilhões, um em cada lado da ilha, a rogar por uso. Pensem nisso.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 14 de março de 2019

Café Royal CXV

O erro

Enquanto militante do PS-Açores não posso deixar de expressar, publicamente, a minha profunda discordância política com a escolha do Francisco Cesar para líder da bancada parlamentar. Esta discordância não se prende com uma avaliação melhor ou pior das suas qualidades políticas, julgo até que é uma injustiça para o próprio que vê, deste modo, os seus méritos pessoais postos em causa, mas antes com o facto iniludível de ser uma mensagem errada do Partido à sociedade, como se o PS fosse uma espécie de SONAE da política. Sucessões dinásticas são apanágio dos grandes grupos empresariais ou de outros regimes que não o nosso. O Partido Socialista não pode omitir o facto de Carlos Cesar ser um político no activo, com altos (muitos) cargos de responsabilidade no Partido, na política nacional e regional, algo que, por si só, obrigaria a uma redobrada exigência ética. Exigência esta que, a não ser tida pelos próprios, deveria ser tida pelo Partido. Creio, sinceramente, que a esmagadora maioria dos socialistas nunca aceitariam que algo deste género se passasse com um familiar seu. Porquê, então, aceitá-lo com familiares de outros?

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 7 de março de 2019

Café Royal CXIV

Revolta moral

Confesso a minha fadiga, mas como fugir do tema quando as notícias nos bombardeiam com mais milhões para o BES, mais comissões de inquérito, mais, mais, mais… Uma das esperanças capitais de Abril era a de uma sociedade justa, sem as desigualdades sociais que marcavam o Estado Novo. Acreditámos que os partidos políticos seriam os paladinos desse desígnio. Em 40 anos, muito foi feito, na educação, na saúde, na protecção social, e uma grande fatia da população portuguesa soergueu-se para níveis de vida muito superiores aos anteriores a 74. No entanto, ao mesmo tempo, criamos uma enorme rede de interdependências entre o sistema partidário e o económico-financeiro, e a própria Democracia ficou refém dessa obscura relação entre o interesse público e os interesses privados. A Política deixou de ter desígnios para passar a ser, tão só, uma máquina de gestão de pequenos lucros. Paulatinamente vamos percebendo, por via dessa avalanche de casos de corrupção, desde a de vão de escada à de escadaria palaciana, como os valores morais foram canibalizados pela ganância e como a nossa vida foi subjugada, novamente, pela ditadura do dinheiro…  
 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Café Royal CXIII

A Era do Lixo

Ao longo das últimas décadas, a chamada “sociedade de consumo” foi-se, de forma kafkiana, metamorfoseando em “sociedade do desperdício”. Vivemos, verdadeiramente, na Era do Lixo. Quem passeie na orla marítima não pode deixar de ficar assoberbado com a quantidade assustadora e abismal de lixos, borracha, plásticos e outros materiais sintéticos que o Oceano regurgita de volta à terra. Os dados dos estudos internacionais são ainda mais horripilantes: perto de 12 milhões de toneladas de lixos são arremessadas aos oceanos todos os anos; estima-se que a “Grande Mancha do Pacífico”, um enorme aglomerado de plásticos reunidos pelas correntes oceânicas, tenha cerca de 1,6 milhões de quilómetros quadrados; e os microplásticos já se encontram hoje na cadeia alimentar. Esta batalha contra a cultura do descartável, em que nada tem valor e tudo é lixo, é, juntamente com o combate às alterações climáticas, a missão mais importante do nosso tempo. Recentemente, o Parlamento regional aprovou uma proposta do PS para acabar com os plásticos descartáveis nas ilhas. É um louvável passo na tentativa de resgatarmos o futuro. Resta saber se ainda vamos a tempo…
 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Café Royal CXII

Da vã censura

Na semana passada, um canal de televisão revelou um alegado caso de favorecimento, na venda do Pavilhão Atlântico, a um conhecido empresário de festivais de música que, dá-se o caso, é, também, genro de Cavaco Silva. Este caso seria amendoins ao pé do fervor vendilhão do governo de Passos Coelho, que até a EDP vendeu aos chineses. Porém, o facto de a Ministra responsável por tal alienação ser Assunção Cristas torna-o relevante à luz da política de hoje, em que a Direita portuguesa se vê a braços com uma luta de poder inédita, pontuada por várias forças políticas, longe dessa hegemonia bicéfala entre PPD e o “partido do táxi”. Confrontada com este caso mediático, que lhe poderia fazer mossa em plenas pré-campanhas eleitorais, Cristas fez uma fuga para a frente e apresentou uma Moção de Censura ao Governo, que foi absolutamente vazia, fútil e irrelevante. Este é apenas mais um triste episódio na já longa novela do descrédito do nosso sistema político-partidário, com partidos cada vez mais autocentrados e preocupados exclusivamente com a sua sobrevivência de curto prazo. Resta saber quando e como é que o eleitorado vai, finalmente, reagir à cupidez dos partidos políticos…
 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Café Royal CXI

Fezada

Enquanto a promoção turística dos Açores vai agonizando, o Governo Regional entretém-se a rever o seu Plano de Ordenamento Turístico. Nas quase 400 páginas do relatório preliminar do POTRAA, como é afectuosamente conhecido, elabora-se, em jargão universitário, sobre o estado actual do turismo, os seus impactos no território e a sua evolução. Desde logo, há uma enorme falha neste documento que é a ausência de uma definição clara sobre o que é a região como Destino. A expressão “matriz identitária” é repetida ao enjoo, mas nunca nos é explicada que matriz é essa. A Natureza, que já foi viva e depois intacta, agora é exuberante e “vivenciada”, mas nunca nos é dito se esta exuberância é a da uva da serra ou do novelão. Insiste-se, à exaustão, na “Qualidade”, mas nunca nos é dito o que isso é, como e quem a define e com base em quê. E o absurdo vai ao ponto de se estabelecerem normas, como é o caso do estapafúrdio AL +, sem que sequer esteja definido o que isso será. Mas, ao menos, este Plano é optimista. Acredita que o Turismo na região vai continuar a crescer, se bem que nunca explique como. É, assim, tipo, uma fezada. Não sabemos é se a Fé também traz turistas…

in Açoriano Oriental







quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Café Royal CX

Até ver…

No Turismo não faltam “treinadores de bancada”. Qualquer pessoa que tenha viajado acha que, por essa razão, tem um conhecimento aprofundado sobre esta Indústria. Este “achismo” não é em si um mal, mas quando decisões políticas e empresariais são tomadas com a mesma falta de saber, então sim é perigoso. Nos Açores, se olharmos para as empresas do sector constatamos que, pegando apenas na hotelaria, a maioria são, na verdade, grupos económicos cujo “core business” é o retalho, os combustíveis, rações e suínos, construção-civil ou, ainda, esse eufemismo moderno para agiotagem chamado Fundos Financeiros. Sabendo disto, o Governo Regional decidiu, sem explicação, desvincular-se da ATA, deixando a promoção turística da Região a ser gerida exclusivamente pelos empresários, não percebendo que estes, fruto, desde logo, de interesses concorrentes entre si, teriam sempre extrema dificuldade em se entender. Aliás, é esse o papel fundamental do Governo nesta área: criar e implementar consensos. A equação é muito simples: sem Promoção não há turismo, sem turistas não há Destino. Entretanto, e até ver, temos a Ryanair…
 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Café Royal CIX

O fosso

Por estes dias, discute-se se Portugal é, ou não, racista. Com mais ou menos espuma na boca, mais ou menos indignação de rede social, ruminamos sobre a violência policial, a vida num bairro de barracas enfeitado de antenas parabólicas, o Mamadou Ba, a cor da pele do primeiro-ministro e outras tantas vulgaridades mundanas como, por exemplo, a culpa comunista pelos bairros degradados. Agostinho da Silva, um dos mais importantes pensadores portugueses do século XX, hoje infeliz e injustamente esquecido, teorizou sobre a nacionalidade da língua e a possibilidade de uma identidade colectiva que abarcasse os falantes da língua portuguesa fossem eles brancos, pretos, ou outros. Uma nacionalidade lusófona, possível pela existência de uma cultura de tolerância, que teve a sua expressão maior na miscigenação que marcou de forma absolutamente determinante a história de Portugal e dos portugueses no mundo, desde o interior da Amazónia ao extremo de Timor. O mal nacional não é, nunca foi, o racismo. O que corrói o país é outra coisa: é o fosso profundo entre ricos e pobres, entre os remediados do Jamaica e os “chiques” da Quinta da Marinha…
 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Café Royal CVIII

1.200.000.000

Mil e duzentos milhões de euros, é o que se estima que a CGD terá perdido em empréstimos de risco. A lista dos principais devedores, agora vinda a público, é a confirmação do que já sabíamos existir – uma imensa rede de intimidades entre negócios, política e finança. Num dos lugares de topo dessa lista está Joe Berardo, que, sozinho, terá provocado um rombo de mais de 150 milhões de euros. Berardo é, com Ricardo Salgado, a outra face da mesma moeda. São, de certo modo, a perpetuação de um Portugal que depois de 40 anos de uma ditadura bafienta e 40 de uma democracia débil se fez sempre de compadrios. Salgado, o homem austero, de berço de ouro e lugar no Turf. Berardo, o emigrante espampanante que ambicionou ser o Gulbenkian do século XXI. Ambos, com a mesma falta de escrúpulos e de vergonha na cara, representam bem a ruína do país. Mas o que dá asco é que ao Zé Povinho, a nós todos, a mesma CGD, o banco público, subiu juros, recusou empréstimos, penhorou casas e destruiu vidas, com o mesmo sangue-frio com que arrebentou milhões nos caprichos dos ricos. E não há consequências: nem nós nos revoltamos, nem eles vão presos. Só o Vara.
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Café Royal CVII

Olhar o futuro

Alexandre Gaudêncio, edil da Ribeira Grande e ungido aspirante a Presidente do Governo, anunciou, com gáudio e estrilho, a construção de 14 novas unidades turísticas, quase 3000 camas, um investimento superior a 80 milhões de euros e a criação de 300 postos de trabalho. Só lhe faltou decretar uma nova rota, de um voo low cost, com aterragem direta no saudoso “aerovacas”. O que Gaudêncio não percebe é que para qualquer cidadão comum, com dois dedos de bom senso, este crescimento desmesurado e desregrado do turismo tresanda a massificação e é tudo o que os Açores não precisam. Dá a sensação que quer matar a galinha antes mesmo de ela começar a pôr os tão cobiçados e reluzentes ovos. Após uma meteórica ascensão, que o levou de pequeno autarca a putativo candidato a líder de toda a Região, Gaudêncio tem titubeado entre a promessa vã, a inveja alheia, o bota-abaixo e uma confrangedora ausência de um verdadeiro projecto político para os Açores. O que precisamos, sofregamente, são políticos que pensem o futuro com os olhos postos no longo prazo e não na pequena miopia da sua próxima eleição…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Café Royal CVI

O telefonema

Algumas notícias mostram bem o retrato do país. O Governo está desagradado com a hipótese de um relatório sobre Portugal, da OCDE, conter um capítulo dedicado à relação entre a Justiça e a actividade económica, com destaque para o drama da corrupção. Na Assembleia da República, a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no desempenho de cargos políticos e públicos, ao fim de 1000 dias de trabalho, tem zero de produção legislativa. Já o ex-ministro Miguel Macedo, no caso dos “Vistos Gold”, foi absolvido, com fortes críticas do Juiz à actuação do MP nessa investigação. Em resumo – o país tem um gigantesco problema de corrupção, que destrói a competitividade da economia e a credibilidade das instituições, algo que só pode ser combatido com o fortalecimento dos meios de investigação e com o aumento da transparência no exercício de cargos públicos e políticos. No entanto, o parlamento não parece ter pressa em legislar sobre o assunto e, o país, está mais interessado em debater o trrim-trrim burlesco do Prof. Marcelo para o programa da Cristina. É este o Portugal de hoje…  

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Café Royal CV

Sustentabilidade

Foi a palavra do ano nos Açores. Foi em 2018 tal como será, certamente, em 2019. Nos cafés, nos jornais, no parlamentarês trauliteiro dos discursos das assembleias ou nas narrativas pseudotécnicas dos Grão-mestres dos clubes de empresários, a sustentabilidade é mote para todas as conversas. Desde a sustentabilidade financeira da SATA, à sustentabilidade política do Governo, passando pela sustentabilidade da cota do Goraz. Porém, é no Turismo que a palavra ganha maior protagonismo, embora, nem sempre, com o melhor sentido. A reboque da candidatura da Região a mais um selo internacional que, ao que parece, virá este ano directamente do Burkina Faso para a Terceira, não há político ou profissional do sector que não use o termo. Mas, se para a grande maioria dos políticos a sustentabilidade é apenas um chavão para enfeitar sound bytes noticiosos, para grande parte dos empresários a sustentabilidade é, acima de tudo, a preservação dos seus negócios. Onde ambos tardam em se encontrar é na visão global do tema que inclua, e principalmente, a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental da Região, ou seja, da vida de todos nós. É um, bom, desejo para 2019…

in Açoriano Oriental