sexta-feira, 28 de abril de 2017

Café Royal XVII

Cidades

Todas as grandes cidades são fruto do seu sítio e da sua história. Lisboa tem tanto de Tejo como de luz e cronologia. Fenícios, romanos, árabes, cruzados, navegadores, marqueses, poetas, fadistas, carbonários, marialvas, espiões, varinas cantando sardinhas, amoladores chilreando gaitas-de-beiços em passo lento, elétricos ritmando mecanicamente entre a Graça e os Prazeres… Lisboa foi feita pelo tempo e pelas suas gentes. Lisboa, cidade de luzes, de sombras que se perdem por entre as colinas, de céus azuis rendilhando janelas e varandas, de casario ondulado sobre as ruas. Mistura de gentes e de lugar. Olhando Lisboa hoje, mais de vinte anos depois de ter escolhido os Açores como o lugar da minha vida, sinto, como nunca, essa condição mutável da cidade. A Lisboa em que nasci era uma cidade dispersa, dividida entre bairros e vivências díspares. A Lisboa que deixei no final do século passado era, ainda, uma cidade atónita, em busca de si mesma, resistindo entre a consciência do passado e a euforia do futuro. Hoje, Lisboa é uma cidade plena, aberta, vibrante, feita dos seus lugares e das suas gentes, tanto as que a habitam como as que a visitam, feita, enfim, de todos os que a vivem. Numa palavra – cosmopolita. Saiba Ponta Delgada abrir-se, também, assim - com inteligência…

in Açoriano Oriental

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Café Royal XVI

Antero

Abril será sempre o mês “inicial inteiro e limpo” e, para mim, o mês cintilante, impregnado pela dádiva de uma filha e de um pai. Mas Abril é, também, o mês de Antero. 18 de abril foi o dia do 175º aniversário de Antero de Quental. Antero é o mais eterno de todos os açorianos. Nenhum outro filho destas lávicas rochas, desta húmida leiva, deste intemperado clima, deixou tão profundo legado. O homem de polémica, de política, filósofo, anarquista, ensaísta, pedagogo, homem frágil e doente, mas, ao mesmo tempo, firme e altivo. Poeta. Antero superlativamente humano, génio e santo. Porém, poucos são os que hoje nas ilhas o recordam. Vivendo num tempo de efemérides bacocas, em que qualquer epifenómeno virtual se transforma numa data, uma verdadeira celebração, os 175 anos do nascimento de Antero de Quental, é incompreensível e inaceitavelmente obliterada do calendário. Honra, no entanto, seja feita à Associação dos Antigos Alunos do Liceu, à livraria e editora Artes e Letras e à Câmara Municipal de Ponta Delgada, que com uma original edição de As Fadas assinalaram o dia, ao contrário de, imperdoavelmente, todas as instituições governamentais e legislativas da região, que por completo o esqueceram e, para maior vergonha minha, do próprio PS, que o usa quando precisa, mas não o honra quando deve.

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Café Royal XV

Que futuro?

O fundamento mais profundo de toda a cultura é o exemplo dos que viveram antes de nós. Exemplo prático, exemplo cultural, exemplo vivo. Somos o que vivemos, mas somos tanto ou mais o que lemos, vemos e aprendemos. Em livros, quadros, filmes, na educação, em formas múltiplas de leitura e de interpretação dos legados da história, da arte, da literatura, da vida, do exemplo prático. Vivemos hoje um tempo inquietante e imprevisível em que a ignorância, com a sua arrogância própria, assumiu o poder. Olhando apenas as horas tudo parece seguir o seu caminho. Mas, se olharmos as décadas, o tempo vagaroso, denso, dos gestos e das suas consequências, o que vemos são os variados e colossais perigos da história humana feita impulso em vez de pensamento, feita grito no lugar da cadência. Vivemos o tempo da pulsão, cega e repetitiva. Perdemos não só o distanciamento inerente à erudição como, infelizmente, a tranquilidade do saber, próprio ou transmitido. A ironia é essa mesmo. Numa época da História em que mais precisamos de conhecimento somos governados pelo sucesso vácuo da ignorância. Não são já as notícias que são falsas, é toda a realidade. Quando o porta-voz da Casa Branca afirma que Hitler não usou armas químicas é o nosso próprio futuro que se perde.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Café Royal XIV

A vã glória…

Porque homenageamos pessoas? Porque exaltamos, de entre todos, alguns de nós? E de que forma o fazemos e com que intuito? O gesto honorífico, assuma ele a forma que tiver, é, ou deveria ser, uma valorização dos indivíduos que por mérito se superaram e cujo exemplo queremos recordar. Nas mais diversas áreas, das mais diversas formas, da arte à ciência, da bravura à abnegação, contribuindo assim para o engrandecimento de todos nós. Desde tempos imemoriais que só as figuras cimeiras se destacavam. O guerreiro, o feiticeiro, a mãe, e não necessariamente por esta ordem, foram os primeiros merecedores de exaltação, destacando-se assim nas hierarquias sociais. Mas, nesta era do efémero, já nada se sobreleva e tudo ou qualquer um pode ser homenageado. Damos comendas a arguidos de corrupção, nomes de ruas a pessoas vivas, multiplicamos pequenas honrarias em que nem escapa o cão. Numa sociedade supostamente republicana, obrigaria a ética que as prebendas fossem parcimoniosa e prudentemente ofertadas. Celebrarmos os nossos maiores é um gesto de civilização. Despender excitadamente honras, como quem faz likes no Facebook, é vulgarizar esse gesto e ridicularizar os próprios sujeitos da homenagem seja ela o batismo de um aeroporto ou o pífio branding de um avião.