quinta-feira, 26 de março de 2020

Café Royal CLXVII


O Futuro

Sem sobressalto, sem sequer inquietação, abraçámos a quarentena como se fosse um familiar perdido. Isolamento, distanciamento social, estado de emergência, a perda de pequenas liberdades, agora mínimas, mas que um dia serão fundamentais, o próprio confinamento, a tudo anuímos com a naturalidade do medo. O Governo, com o pretexto de combater a morte, matou rapidamente a economia. Milhares de pequenos negócios e empreendedores foram lançados à máquina incineradora do crédito bancário e da prorrogação de prazos. Dizem que estão a salvar vidas, mas omitem que a nossa vida já morreu. As crianças não vão à escola, os adultos não se dirigem ao trabalho, deixamos os cafés, inutilizamos os restaurantes, cancelamos as viagens, as amizades foram encarceradas nos grupos de WhatsApp. Quando tudo isto acabar, na próxima semana ou daqui a um ano (Quem sabe?), nada voltará a ser como antes. Não há regresso. O futuro encarregar-se-á de garantir isso. A nós, a cada um de nós, resta-nos decidir se queremos construir esse futuro, ou se o queremos apenas aceitar, tácita e passivamente, como seguimos fazendo agora com este contagiado presente.


quinta-feira, 19 de março de 2020

Café Royal CLXVI


Depois do vírus

Em silêncio, de forma capciosa, sibilina e quase imperceptível, o vírus foi-se espalhando calmamente, contaminando o mundo com a sua imparável e definitiva virulência. À iminência da morte seguiu-se o pânico e o caos. Vivemos agora debaixo da influência do medo, da ascendência do pavor. Não são só os corpos o que o vírus contamina, é a própria tessitura da sociedade. É a argamassa da comunidade que é corroída e se esboroa, de dia para dia. Estamos em guerra contra um inimigo invisível, dizem-nos solenemente os estadistas do momento e decretam medidas, isolamentos, quarentenas. Fechem as fronteiras, parem o mundo, grita o coro das redes sociais. Tanto ou mais do que uma crise de saúde pública, esta é uma crise de representação política e de modelo económico, é uma crise civilizacional. É todo o mundo que construímos, desde a revolução industrial, que está a desabar sob os múltiplos efeitos da contaminação. O mundo, tal como o conhecíamos, perdeu o sentido. Não há normalidade possível porque a normalidade é, ela própria, uma parte do vírus. A pergunta a que todos teremos de responder é que mundo queremos que nasça desta morte? Que futuro queremos para amanhã, depois do vírus?


quinta-feira, 12 de março de 2020

Café Royal CLXV


Corona

Para lá das questões imediatas – contenção, tratamento, cura – a crise do Covid-19 levanta outras interrogações, com as quais nos devíamos, também, inquietar. A mais dramática, é a constatação de que não há reação para o imponderável. Perante o desconhecido não há resposta, não há protocolo pré-estabelecido. Ansiamos por controlo e a verdade é que ele não existe. Perante o disseminar do vírus, cujas consequências vão muito para lá da emergência médica, o mundo vai atabalhoando-se entre o isolacionismo totalitário chinês, a arrogância ignorante americana, o latino-laxismo italiano e o pânico mediático global. Por cá, vamos pendulando entre a hipocondria histérica do Prof. Marcelo e a desorientação de um governo que não sabe o que fazer. Num mundo interligado exigem-se respostas globais e, principalmente, solidárias. Perante a brutalidade da pandemia, mais importante do que fechar fronteiras, ou abrir linhas de crédito, seria uma consciência mundial de que só com confiança e entreajuda é que se pode conter e tratar os vários contágios do vírus. Talvez então, Corona volte a ser, apenas, nome de uma boa cerveja mexicana.


quinta-feira, 5 de março de 2020

Café Royal CLXIV


Peixes voadores

O Surrealismo é um movimento artístico que nasceu em Paris nos anos 20. Os surrealistas, liderados por André Breton e inspirados nas teorias psicanalíticas de Freud, defenderam enfaticamente uma Arte alicerçada no inconsciente, em detrimento da lógica do racionalismo. Para os surrealistas, a Arte deveria rejeitar os valores tradicionais e abraçar o sonho e a imaginação com o intuito de libertar o Homem de uma existência meramente utilitária. De acordo com Breton: “aquele que não conseguir visualizar um cavalo a cavalgar um tomate é um idiota.”! Esta semana, o Açoriano Oriental deu eco à insatisfação de alguns comerciantes de peixe com a reduzida capacidade de carga dos novos A321LR neo da SATA que impossibilita a exportação atempada para os mercados continental e norte-americano. Pressupor que a SATA, que está na situação em que está, deveria ter como foco o transporte de pescado, é algo que só pode ser descrito como surrealista. “Novos aviões dificultam transporte de peixe”, dizia a parangona (em executiva, acrescento eu). É o chamado Surrealismo Açórico! Nem Breton faria melhor…