quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Café Royal CXLIII


A letra da lei

No último mês de Julho veio a público o rocambolesco episódio das golas antifumo. O que estava em causa, entre outras coisas, era o envolvimento de um Secretário de Estado na contratação de uma empresa detida por familiares de um adjunto. Ao melhor jeito da saloiice nacional, o PS e o Governo ensaiaram uma fuga para a frente, reclamando que “seria um absurdo a interpretação literal” de uma lei de 1993, que até hoje nunca fora contestada por nenhum governo ou partido. Vai dai, é pedido um parecer, pelo Primeiro-ministro, ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, para o “completo esclarecimento”, sobre a letra da lei, da já famosa Lei das Incompatibilidades dos Titulares de Cargos Públicos. Ora, o que torna tudo isto ridículo não é as golas pegarem fogo, ou a tentativa de interpretação a gosto das leis, nem sequer a ostensiva e inescrupulosa falta de ética dos nossos governantes, o que torna tudo isto verdadeiramente absurdo é o esquizofrénico facto de, na mesma semana, o mesmo Ministério Publico, constituir como arguido o Secretario de Estado, enquanto o seu Conselho Consultivo acha que a lei não pode, afinal, ser lida literalmente.


quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Café Royal CXLII


Partidocracia

O meu pendor romântico levou-me sempre a acreditar que, numa democracia, os partidos são o garante da pluralidade democrática e do debate ideológico, condições fundamentais para a sobrevivência desse regime que “é a pior de todas as formas de governo, à excepção de todas as outras”. Mas, as nossas democracias estão hoje feridas de morte. E o problema não é a abstenção e o alheamento dos cidadãos da vida política, nem é, tão pouco, a esquizofrenia ideológica que faz do PSD um partido de esquerda e do BE um partido social-democrata, nem sequer é a ameaça do populismo. Antes de tudo isto, o verdadeiro cancro das nossas democracias, é que os partidos políticos, que são o seu centro nevrálgico, não são, eles próprios, instituições democráticas. Nos partidos não há liberdade de pensamento, nem de opinião, nem, sobretudo, democracia interna. Há dias, no calor de uma discussão entre amigos, defendi que o objectivo dos partidos devia ser o bem comum, ao que alguém cínica, mas realisticamente retorquiu que não, que o objectivo dos partidos políticos é ganhar eleições. Enquanto assim for, o regime em que vivemos é uma partidocracia e esse é que é o verdadeiro problema.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Café Royal CXLI


Sanguessugas

No meio do ruído da campanha eleitoral e das suas retóricas “linhas vermelhas” uma notícia extremamente importante passou mais ou menos despercebida ao cidadão comum. Ao fim de sete anos de investigação e litigância, a Autoridade da Concorrência, um organismo que se julgava inexistente em Portugal, multou em 225 milhões de euros 14 instituições bancárias, por práticas susceptíveis de constituir cartelização. De acordo com a Autoridade da Concorrência, durante cerca de 11 anos, entre 2002 e 2013, no auge da crise financeira, os Bancos entretiveram-se a partilhar entre si informação sensível sobre condições de crédito, valor dos spreads, volume de investimentos, etc., eliminando deste modo a sã e livre concorrência e prejudicando objectivamente os consumidores. Se juntarmos a isto os perto de 25 Mil Milhões de euros de todos nós que já foram injectados no sistema financeiro, ficamos com uma melhor percepção de como os bancos se transformaram em verdadeiras sanguessugas do sistema, vivendo, como parasitas, à custa do sangue, do suor e das lágrimas de todos nós. Talvez, mais importante do que pensar na reforma do nosso sistema político, seja pensarmos na higienização do nosso sistema financeiro, a bem da Democracia.


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Café Royal CXL


Maiorias

A viagem do Partido Socialista, pelos atribulados caminhos da nossa entradota democracia, nem sempre foi fácil. Entre 75 e 85 Soares viu-se encurralado entre uma extrema esquerda altiva e um centro-direita envergonhado. Em 6 eleições legislativas o PS ganhou 3, sempre abaixo dos 40% dos votos, passou pelo embaraço das expressivas vitorias da AD em 79 e 80 e culminou com o trauma cavaquista de 85 e de 87, em que o PSD obteve mais de 50%. Soares rumaria a Belém e Portugal sofreria Cavaco durante os próximos 10 anos. Depois veio o pântano de Guterres, a tanga de Durão Barroso e o desmaio de Santana Lopes, até culminarmos nos 45% de Sócrates, uma bancarrota e a PàF que, como todos os amantes de banda desenhada sabem, significa uma brutal estalada na cara. Durante estes 45 anos, dois grandes dogmas imperaram sobre o xadrez político nacional – a Direita, quando precisa, une-se e as Esquerdas não. As eleições de 2015 e consequente Geringonça marcaram, esperávamos nós, o fim deste “nó górdio”. Mas, e pelo que temos visto desta campanha eleitoral, o PS, infelizmente, não aprendeu nada nestes 4 anos e prefere a ganância de uma putativa maioria-absoluta à continuidade de uma maioria de esquerda. É pena.