sexta-feira, 30 de abril de 2021

A violência doméstica do Sr. Tato Clélio

Ao fim de um ano inteiro de vírus, há uma coisa que é já perfeitamente clara: o vírus não se combate assim. A opção governativa pelo confinamento, a grande clausura populacional, tem uma comorbilidade maior que a pandemia e uma taxa de letalidade infinitamente superior do que a Covid-19, já para não falar nesse importante pormenor de que afecta todas as faixas etárias de forma cega e despótica. Nos Açores, a Covid matou 30 pessoas, em 4893 casos positivos diagnosticados. Uma extraordinária taxa de letalidade de 0,6%. Se extrapolarmos para o cômputo geral da população a Covid matou 0,01% de açorianos. Uma notícia desta semana dava conta que os óbitos oficialmente contabilizados como sendo com Covid-19 representavam, imagine-se, 0,9% de todos os óbitos ocorridos na região, num total de 2439, um amento de 7,4% relativamente ao ano anterior. É importante fixar estes números porque o que estas estatísticas nos dizem é que, de facto, se morreu mais em 2020, embora pouco para uma pandemia, mas não foi de Covid, houve mais cerca de 7% de mortes de outras causas que não o maléfico vírus. Se invertermos os números descobrimos que a taxa de sobreviventes à Covid na região é de aproximadamente, preparem-se, 99%. Dir-me-ão alguns que estes números se devem às políticas governativas que tem contido os contágios e permitido que os hospitais consigam lidar com os casos que desaguam nas urgências e enfermarias e dir-me-ão também que os sacrifícios que são pedidos à generalidade da população são necessários perante tão devastadora maleita. Mas, pergunto eu, será legitimo que para debelar um vírus com uma taxa de letalidade de 1% se destrua toda uma economia? Se arruíne a infância e a adolescência de 10% da população? Que se dizime a escolaridade e o futuro de toda uma geração? Que se isole e condene os últimos anos de vida de toda uma outra geração de idosos? Que se condene ao calvário das dívidas à banca centenas de empresas? Que se exproprie o direito ao trabalho de milhares de empresários e trabalhadores? Tudo para proteger, não as pessoas, mas os hospitais? Será moralmente aceitável que se destruam sociedades inteiras porque os Sistemas de Saúde não foram capacitados para aguentar uma pandemia? Em Março do ano passado até se poderia aceitar que sim, mas agora a resposta é impreterivelmente não! E, já nem vale a pena falar da desmesura daquilo a que eufemisticamente se chama de “apoios” do Estado, da sua infinda burocracia e diminuta grandeza face ao enorme cataclismo provocado pela ditadura sanitária. O que neste momento está verdadeiramente em causa é que ao fim de mais de um ano de pandemia o Estado, os governos e os políticos de turno, continuam a colocar o ónus da culpa nas pessoas e a não conseguir assumir os seus próprios erros e fraquezas. O que é verdadeiramente chocante e inaceitável é que continuamos a ser nós, os cidadãos, os malcomportados, os infeciosos, em vez de serem os políticos, que não conseguem produzir e distribuir as vacinas, que deixaram hospitais de campanha vazios, que não aumentaram a capacidade dos hospitais e não souberam ou quiseram proteger as pessoas, a assumir as suas debilidades e a pagar pelos seus erros. Esta absurda inversão da ordem democrática e do Estado de Direito teve o seu mais caricato e odioso episódio ontem, protagonizado pelo nosso Sr. Tato Clélio. Visivelmente perturbado pela gargalhada televisiva da semana anterior o Sr. Tato Clélio, depois de uma lamentável e auto-congratulatória masturbação pública à mão de PowerPoint decidiu apontar armas aos órgãos de comunicação social e à forma como são feitas notícias sobre a pandemia, lamentando-se por a imprensa regional não lhe ajudar na disseminação da boa propaganda covídica, aquela que leva a cidadãos respeitadores e obedientes e não à insurreição cidadã. No mundo do Sr. Tato Clélio não é ele que manda fechar escolas e restaurantes, é o vírus. O tal vírus que mata 1% dos infetados. No mundo do Sr. Tato Clélio todos devíamos estar respeitosamente sossegadinhos em casa para que ele possa desenhar curvas descendentes nos seus graficosinhos de PowerPoint e vangloriar-se de conter uma pestilenta pandemia. No mundo do Sr. Tato Clélio não é por culpa dele que as cidades ficam desertas, as crianças perdem o contacto com os amigos e a desenvoltura da escola, e as empresas vão à falência, tudo ao arrepio daquilo que o próprio anunciou que iria fazer quando aqui chegou, em novembro, qual Jorge Jesus da pandemia. O Sr.Tato Clélio é realmente um exemplo clássico do abusador, num caso de violência doméstica, que pede perdão por bater na vítima e que ainda lhe diz que só lhe bate por culpa desta e para seu bem. Malvados micaelenses que o transformam num esbirro, logo ele que é um querido e só quer salvar-nos de nós próprios. O problema é que nós, todos nós, estamo-nos a comportar de facto como vítimas, levamos e pedimos desculpa, incapazes de nos levantar e dizer basta a esta despótica, desconexa e inaceitável violência que são as decisões e medidas da Autoridade de Saúde do Sr. Tato Clélio. Mas, em toda esta desgraça há uma coisa que convém nunca esquecer. É que, nesta parábola da violência doméstica, o Sr. Tato Clélio é apenas o cinto, a mão que brande o cinto tem um nome e chama-se Governo Regional do Açores e o seu presidente é José Manuel Bolieiro.

domingo, 25 de abril de 2021

O Dilema da Liberdade na Era do Vírus

 

n.º 1 Jackson Pollock

A liberdade é uma das mais antigas e interiores aspirações do ser humano. Desde a liberdade individual, a autonomia do ser, a maioridade, se assim se pode dizer, expressa na independência pessoal, ou na acepção mais anglo-saxónica e provavelmente mais correcta, a liberdade da adulthood. Até à liberdade dos povos e a sua autodeterminação, da qual todas as sociedades têm uma expressão, um passado ou uma aspiração. Mas hoje, na era do vírus, a liberdade foi capturada pela autoridade do Estado. O respeito, seja ele individual ou colectivo, que é a base de todas as liberdades, está refém de uma subserviência acrítica, que os Governos impõem, com o megafone noticioso, aos indivíduos, aos cidadãos, sob a chantagem da retórica da “vida”. Trocamos a responsabilidade, que sustenta a liberdade, como pilares fundamentais da vida social, por uma escravidão consciente e voluntária. Às crianças foi-lhes impedida a infância, aos idosos foi-lhes aprisionada a velhice, aos mais desprotegidos foi lhes expropriado o direito ao trabalho e a uma vida digna, o acesso à educação preso no ensino à distância, um serviço de saúde universal, aprisionado pelas suas próprias deficiências e debilidades, mesmo o direito ao ar-livre, foi nos espoliado por decreto, sob o pretexto de uma ameaça invisível, amplificada pela voragem mediática na culpa cidadã. Já não é o vírus a ameaça, somos todos nós, cada um de nós, feios e malcomportados, como crianças irresponsáveis. Festejamos a liberdade confinados ao recolhimento obrigatório e não há qualquer grama de ironia nisto. Há, essencialmente, uma liberdade que falta, que não se cumpriu. A igualdade e a fraternidade das coisas simples num mundo de créditos bancários. A liberdade maior da independência financeira, a básica liberdade da autonomia em relação ao poder. Tantas pequenas liberdades que afinal nunca brotaram, que nunca floresceram realmente, ninguém as regou com a água da vida, ninguém chegou sequer a plantá-las. A liberdade primeira e fundamental do serviço ao outro em lugar do ser serviçal de um Estado arrogante e dominador. A liberdade da independência do espírito. A liberdade criativa, audaz, arrojada e vanguardista. Uma liberdade sem medos, sem amarras, sem os grilhões das coisas certas e das obrigações mesquinhas e mundanas e medíocres. A liberdade sincera e responsável que se abraça no outro, no que é diferente e distante. Falta a liberdade interior, a liberdade mais íntima do ser. A liberdade da escolha, do voo livre e sem rumo, a liberdade cheia e plena do contentamento. Uma liberdade livre de clamar pela própria liberdade, hoje e sempre e em cada nova madrugada. A liberdade do amor. Tudo isso falta, hoje, nesta era do vírus. Não vejo que haja muito para celebrar. Mas, hoje mais do que nunca, quando levantarmos a voz para exclamar liberdade, realizemos o que verdadeiramente está em causa. Só poderá haver liberdade quando verdadeiramente compreendermos que a autoridade não está no Estado mas em cada um de nós e que a primeira obrigação do Estado é respeitar os cidadãos e não o respeitinho subserviente e envergonhado dos cidadãos pelo Estado que, sentado nos seus tronos de poder, se ri, à gargalhada, do infortúnio que nos esmaga nesta Era do Vírus. Hoje, mais do que nunca, gritemos a uma só voz, Viva a Liberdade! Mas, amanhã também e depois e sempre, cada novo dia, sejamos nós a própria Liberdade.

    

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Café Royal CCXX

Fim.

PARC Life Travel. A Comercial Cervejaria. Big 21. Singular Bistrô. GeoFun. Tui. Açoraudio. Amplisom. RCEventos. Ruido Açores. Estes são só alguns nomes de empresas que fecharam para sempre ou que viram o seu direito ao trabalho expropriado pelo Estado e pela brutal crise económica e social provocada por esta pandemia. Ao mesmo tempo, dezenas de hotéis fechados e sem perspetiva de voltar a abrir. Menos 30% de camas no Alojamento Local. Ah, e a Dona Maria Amaral das doces Fofas da Povoação. Ontem terminaram, também, muitas das moratórias bancárias ao crédito de famílias e empresas, naquele que será certamente o primeiro movimento de uma enorme avalanche de mais insolvências, falências, desemprego e destruição de famílias e vidas individuais que aí vem. Também, hoje, fecha este “Café Royal”, em luto, em homenagem, a todo um modo de vida, feito de contacto entre pessoas, de simpatia e hospitalidade que se perdeu, quem sabe, permanentemente. Às páginas deste mais antigo jornal português, o meu obrigado sincero. Aos leitores, o meu agradecimento sentido. Entretanto, cuidem-se. Este vírus só passará quando aprendermos todos a viver com ele, na certeza, todavia, de que todos temos que morrer um dia…

in Açoriano Oriental