quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Café Royal XLVIII

$$$ e ???

Nas últimas semanas a agenda noticiosa viu-se tomada pelas discussões do Orçamento. O assunto, já estéril de si, tornou-se ainda mais esdrúxulo com a sua redução ao ping-pong dos cifrões e, pior, à ausência de questões. No atual discurso político e jornalístico, os debates sobre planos e orçamentos tornaram-se numa batalha de milhões para cá, milhões para lá, sem explicação ou contraditório. Investimento, receita, défice e outros tantos jargões de economicês são, hoje, a litania dos tarefeiros da politiquice e dos precários do jornalismo. Os governos anunciam não sei quantos milhões para isto e aquilo, sem indicar como, nem onde, nem, mais importante, porquê e para quem, e os jornalistas, que deviam, obrigatoriamente, fazer a destrinça, engolem e não questionam. É como se as nossas vidas, as pessoas e toda a sociedade, se pudessem reduzir a folhas de Excel, convenientemente formatadas e incontestáveis. São aos pontapés os exemplos de cifrões atirados ao ar pelos gabinetes de comunicação, que depois tem explicação zero… Ou, então, o exemplo do Vice-presidente que anuncia a pretensão de limitar a 12 anos o tempo máximo de desempenho de cargos de chefia na Administração pública e ninguém pergunta como, nem porquê ou, já agora, porque não o mesmo limite para o desempenho do cargo de vice-presidente?

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Café Royal XLVII

Fim da Utopia?

Um dia os historiadores dirão que foi a maior Utopia do século. O Estado Social, nascido da devastação da guerra, mas alicerçado na luta liberalismo vs. socialismo, visava garantir a paz e o bem-estar, colocando o Estado, ou a governação, como garante das necessidades elementares da população - Educação, Saúde e Trabalho (ou welfare na aceção anglo-saxónica). Um estado, não necessariamente igualitário, mas, fundamentalmente comunitário, onde, independentemente das diferenças entre as pessoas, o bem-comum é a argamassa que nos une, em sociedade. Estará o Estado Social morto? Olhando os sinais, somos tentados a pensar que sim. Corrupção, desigualdades, insegurança, desemprego, especulação financeira, individualismo, egoísmo, etc. São inúmeros e assoberbantes os ingredientes da sopa cultural em que vivemos e que indiciam o estado moribundo desse ideal. Neste tempo de supremo egocentrismo, a razão de ser de cada um é ele e não o outro. A governação é eleitoral. Os interesses corporativos sobrepõem-se aos comunitários. O capital extingue o humano. Insuflados de nós próprios, deixamos de cuidar da Terra e uns dos outros, esquecendo que, e citando John Donne, “nenhum homem é uma ilha, cada homem é um pedaço do continente, estamos todos envolvidos na humanidade”.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Café Royal XLVI

No Café,

a malta não tem Twitter. Não surfa a rede e emprenha pelas redes sociais. No café, entre duas minis e um pingado, a malta olha os dias entrecortados de chuva e sol e sente a mudança do clima na força do mar que bate nas rochas. Não são precisos vídeos do Youtube para perceber a seca ou a chuva que já não chega na estação certa. No café, o Panteão é o da memória. Das histórias partilhadas que fazem viver os exemplos dos que nos precederam. Das imagens que se guardam e se transmitem pelas gerações. No café não há sarcófagos invioláveis e estátuas sacralizadas, como nas mais inefáveis ditaduras. No café, a malta espreita os rodapés dos noticiários e suspira. Que país este em que se perdem dias e horas a debater o supérfluo. Onde pessoas, na sua desgraça, são selfies para um presidente que fez da vaidade um argumento político. Onde o primeiro-ministro não se sabe dar ao respeito de não mentir e, principalmente, não governar pelo vento do Facebook. Onde se consegue auditar um Orçamento em 48 horas e secretários regionais resumem as nossas vidas a mais ou menos milhões de questionáveis investimentos, como se as nossas vidas se pudessem resumir a meros cifrões feitos lápides no cemitério árido da eleitoralice…

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Café Royal XLV

Do alheamento

De uma chaminé alta e metálica sai vapor. Invisíveis, as bactérias flutuam pelo ar. Pessoas morrem. Numa igreja, familiares choram a morte e indivíduos cumprem, automatizada e absurdamente, a ordem de recolher os corpos em sacos de plástico. Num pavilhão, centenas de seres (supomos que) humanos ouvem embasbacados as palavras de uma máquina quase humana. Num hospital, há mais de trinta seres ainda humanos infetados por um vírus, criado por aparelhos de ar-condicionado que, em ambientes toxicamente climatizados, pretendem defender-nos de sentir a passagem das estações. É esta a crónica do nosso tempo, o tempo do alheamento, da ausência de Humanidade no Humano. Ébrios de tecnologia, perdemos a noção de nós e do outro, dos princípios básicos do que nos faz Seres Humanos, do que nos impede de ser meros animais ou autómatos. Coisas tão simples como respeito, sensibilidade, até mesmo compaixão e amor. As nossas sociedades tornaram-se tão mecânicas que a pessoa responsável por libertar uma verba financeira contamina a pessoa responsável por fazer uma vistoria, que contamina a pessoa que morre, que contamina a pessoa que ordena a interrupção de um velório, esquecendo-se, todas elas, que do outro lado das suas ações estão outras pessoas, numa corrente perpétua de obsceno alheamento…

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Café Royal XLIV

Liderança

“Liderem-me, sigam-me, ou saiam-me da frente!” é uma frase atribuída ao General Patton, uma das grandes figuras da II Grande Guerra. Patton destingiu-se pela forma destemida como comandou os exércitos americanos em diferentes campos de batalha, no norte de África, no Mediterrâneo e na Normandia. Mas a sua imagem ficou também marcada pela forma como se dirigia às tropas em discursos pouco ortodoxos, mas altamente motivacionais: “as guerras ganham-se fazendo com que os outros cabrões morram pela sua pátria e não nós!”. Esta evocação do famoso general vem a propósito não de Marcelo ou Costa (ou Rio e Santana…) ou de outros pequenos lideres que pululam pelo país (e pelos verdes pastos das ilhas), mas sim do Sr. Puigdemont da Catalunha. Aquilo a que temos assistido é à demonstração paradigmática de como não há revoluções sem líderes e de que não é líder quem quer, mas quem o traz dentro de si. A forma acanhada e cambaleante como o Sr. Puigdemont tem tentado liderar a questão catalã é penosamente reveladora de como o tacticismo político, por melhor que sirva na gestão de assuntos palacianos, é a antítese da bravura e da intuição que se exigem aos grandes lideres nos grandes momentos. Olhando em volta, cá e lá, vemos enormes desafios, mas pequenos lideres. Que a sorte nos acompanhe…