Os caminhos da intolerância são
tortuosos e enviesados. Ela infesta-se como uma erva daninha, procurando os
buracos, os vazios, por onde trilhar o seu infestante precurso. Agarrando-se,
grudando-se, como uma trepadeira, um denso e espesso manto que abafa e encobre.
Como um nevoeiro, dir-se-ia, que tudo envolve na sua opacidade húmida e
palpável. A Democracia é o único sistema político que nos insta à tolerância,
que permanentemente nos obriga ao exercício da aceitação do outro e do respeito
pela diferença, num permanente equilíbrio de oposições. Hannah Arendt, filósofa
alemã, de origem judaica, teorizou profusamente sobre as origens do
totalitarismo e da intolerância, sobre o papel do bem e do mal nas nossas
vidas, individuais e coletivas, e sobre, nas suas próprias palavras, a “terrivelmente
normal banalidade do mal”. Num dos seus escritos, Arendt, ela própria
fugida ao terror nazi, advertiu que: “Se não formos perdoados, libertos das
consequências dos nossos atos, a nossa capacidade de agir estaria, por assim
dizer, confinada a um único ato do qual nunca poderíamos recuperar, seríamos
vítimas das suas consequências para sempre.”
Vem este pequeno introito a propósito do
artigo, publicado hoje, pela Professora Maria do Céu
Patrão Neves sobre aquilo a que a própria chama, de forma bastante genérica, de
“negacionistas”. Este debate maniqueísta e excessivamente simplista,
amplificado à exaustão pela comunicação social, entre aquilo que poderíamos
chamar de “situacionistas”, no sentido dos que aceitam acriticamente os
postulados da ditadura pandémica e todos os outros, que vão desde o pobre
trabalhador que se viu layoffizado, ao mais aguerrido e galvanizado
anti-vaxxer, passando por largas centenas de cidadãos que apenas perguntam
porquê(?), e a que se convencionou englobar no vasto chapéu-de-chuva de
“negacionaistas”, este debate, dizia eu, está inquinado na origem, porque se autoanula
na sua própria polarização dogmática e cuja expressão máxima nacional foi o
epiteto de “obscurantismo”, cozido como um crachá, pelo Sr. Vice-almirante, no
peito de todo e qualquer “negacionista” que tente fazer ouvir a sua voz em
oposição aos ditames da ditadura sanitária e à narrativa oficial do
totalitarismo pandémico. Como se ser-se crítico da conformidade pandémica fosse
toda uma nova e abominável forma de heresia.
Uma das grandes e talvez primeiras
vítimas desta pandemia foi, precisamente, o pluralismo. Vastos sectores das
nossas sociedades parecem ter caído, voluntariamente, no precipício do
unanimismo acéfalo, apregoando uma espécie de consenso medieval sobre o dogma
pandémico. E, o mais absurdo de tudo isto, é que o fazem acoberto de um fervor
cientificista, uma quase encíclica científica, que é, ela própria, a antítese
de tudo aquilo que a ciência, a verdadeira ciência, representa enquanto campo
de dúvida e de permanente interrogação do saber. E, é precisamente na esteira
deste fio de pensamento fascizante, de uma suposta superioridade intelectual
dos pró-covid versus os contra-covid, que o artigo de Patrão Neves se insere,
sugerindo, de forma aviltante, numa quase xenofobia intelectual e das ideias, que
os “negacionistas” são todos irracionais e culpados do supremo crime de não professarem
do pensamento único e é, por isso mesmo, que tal artigo merece resposta.
Patrão Neves, entre outras coisas
absurdas, como misturar a pandemia com as alterações climáticas, declara a
incapacidade de raciocinar de todos aqueles que ponham em causa a “ciência”
pandémica, utilizando para isso o argumento emocional dos óbitos. 17 mil em
Portugal, um milhão e trezentos mil na Europa, mais de 4 milhões e meio em todo
o mundo, são a prova da superior razão pandémica e da vil ignorância
negacionista. “Eram pessoas, com os seus projectos e vida e famílias,
pessoas como nós e morreram.” Diz-nos, lacrimejando, suponho eu, Patrão
Neves. O problema do populismo é a sua própria fragilidade argumentativa. A
morte é, em si mesma, uma componente última, da vida. É uma inevitabilidade
real à qual o covidiotismo procura opor-se, como uma espécie de coiote à caça
do Bip-bip. A morte é impossível de parar ou de conter e, no processo, é o
coiote que sai chamuscado. O que Patrão Neves não diz é que a taxa de
letalidade da Covid-19 é de 3% e que mais de 70% das mortes, ditas, por
Covid-19 tinham acima de 70 anos, quando a esperança média de vida é 80. (E, já
nem vale apena aqui entrar na questão dos PCR...).
Ao longo do tempo, tem sido a própria
pandemia a pôr em causa todas as supostas verdades do discurso oficial, seja na
letalidade do vírus, na forma de disseminação, na eficácia da vacina, na sua
transmissibilidade e imunização. Seja, na evidencia empírica, protagonizada
pela Suécia, de que nada do que foi feito em Portugal era, em boa verdade,
necessário. Porém, para Patrão Neves, questionar tudo isto é um sinal de
“ignorância”, numa inversão indesculpável e inaceitável de tudo aquilo que
deveria ser o debate, já não só científico, mas acima de tudo e isso sim,
democrático.
No mais, a lógica de Patrão Neves é apenas um libelo infeliz pejado de intolerância e autoritarismo, igual a tantos outros que temos visto, por estes dias da peste, que vivemos desde Março de 2020. Um comboio de fel, carregado, nas suas próprias palavras, de “falta de paciência”, “exasperação”, “emoções primárias”, irracionalidade e insustentabilidade de ideias e, mais triste, ou cómico se quisermos, numa extraordinária incapacidade de se ouvir e ler a si própria, de alguém que começa por defender a necessidade de um pensamento único, mas acaba a apelar ao espírito crítico, como única forma de o instituir. Pois quanto a isso, da minha parte, nada contra.