quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Café Royal CLXIII



Era o fim da primeira grande guerra. Um pouco por toda a França, milhares de jovens soldados, debilitados, malnutridos e intoxicados, encavalitavam-se, uns sobre os outros, nas trincheiras e nos hospitais. Em Étaples-sur-mer, norte de França, o exército expedicionário inglês montou o seu principal hospital de campanha. Mais de 100 mil soldados fazem trânsito em Étaples diariamente. Para prover à alimentação, foi improvisada uma suinicultura e milhares de galinhas são trazidas dos campos e vilas mais próximas. No Inverno de 1917, os médicos relatam os primeiros casos de uma misteriosa e incurável doença respiratória que se dissemina rapidamente. Em cada espirro ou convulsão de tosse, meio milhão de partículas virais são espalhadas pelo ar. Durante os cerca de dois anos e meio seguintes, perto de 30 Milhões (!) de pessoas, em todo o mundo, perderam a vida, naquela que foi a maior pandemia da história contemporânea. Curiosamente, a região do globo menos afetada foi a China. Até ontem, 77931 pessoas, em todo o mundo, estavam infetadas com coronavírus. Até ontem, 2618 mortes e destas apenas 23 fora da China, mas, quem veja as notícias parece que estamos a viver uma nova Gripe Espanhola.



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Café Royal CLXII


Polarização

Os sinais estavam todos lá, mas, fiéis aos nossos proverbiais brandos costumes, achámos que estávamos imunes às pandemias do momento. Populismo, extremismo, xenofobia, autoritarismo e toda uma outra panóplia de vírus, que se expandiram pelo mundo, nas últimas décadas, em proporção maior que a do Coronavirus, aos quais nós, uns à beira-mar plantados, outros no meio do mar alçados, julgámos, placidamente, estar a salvo de qualquer risco de contaminação. Eis que um dia, uma sondagem dá 6% ao partido da extrema-direita, um jogador de futebol é expulso do campo pela selvajaria xenófoba de uma turba de energúmenos e o país político e social entrincheira-se na discussão maniqueísta e estéril da “dignidade” da morte. E, de repente o país deixou de ter um centro para ter dois polos: o branco e o preto, os bons e os maus, os que defendem a vida até ao último suspiro e os que querem exterminar todos os velhinhos. A democracia é o sistema político que nos impele à concertação, ao diálogo e, acima de tudo, ao aceitar do outro. A verdadeira Democracia não é a hegemonia das maiorias, mas a protecção que dá às minorias que vivem dentro de si. Perder isso é perdermo-nos a nós próprios.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Café Royal CLXI


Ah, o Amor!

Precisará o amor de um dia? Ou de um Santo? Precisará o amor de uma celebração anual, revestida de montras repletas de peluches, chocolates e lingeries de melhor ou pior gosto? Se o amor for só comércio, o coração não será mais do que uma caixa registadora. Amor é dádiva, não é penhor. Amor não é cambio, nem valor. Não, o amor não se vende, não se materializa num qualquer cartão colorido, nem num ramo de flores, mesmo que sejam rosas. O amor é transe, não é transacção. O amor é um olhar, um ensejo, é a doce ternura de um beijo, um leve toque de mão. O amor é uma borboleta no estômago e um sorriso. Uma vergonha tímida e uma coragem gigante. O amor é um arrebatamento súbito e uma promessa para a vida. O amor é desapego. O amor não tem horário, nem dia no calendário. O amor não tem um dia, amor que é amor é-o a cada dia. O amor não se celebra uma vez por ano como se fosse um feriado, ou uma pausa, ou o “meter um Artigo”. O amor é um instante de luz que cega e espanta. O amor é uma chama que nunca se apaga. E, é preciso cuidar do amor em cada momento, dia-a-dia e sempre, todos os dias do ano, até ao último sopro da vida.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Café Royal CLX


Steiner

Desde o início desta crónica, Janeiro de 2017, que George Steiner é, e continuará sempre a ser, uma figura tutelar deste “café”. Nesse primeiro texto socorri-me da bela imagem de Steiner de que a “ideia de Europa” está alicerçada no hábito europeu de frequentar cafés e, principalmente, de, nesses cafés discutir e debater ideias livremente e no choque benigno entre diferentes correntes literárias, visões científicas ou opiniões políticas. Uma Europa contruída por dois pilares fundamentais – liberdade de pensamento e respeito pelo outro. A Europa das Ideias. Só possível, aliás, pela existência dessa persona, que o próprio Steiner representava e da qual era um dos últimos verdadeiros exemplares, o Intelectual. Steiner dedicou a sua vida a duas atividades em vias de extinção: a leitura e o pensamento. Mas sempre com um profundo respeito pelas ideias, mesmo que estas fossem antagónicas entre si. Num tempo em que a excessiva especialização, a abstração rápida e o entrincheiramento ideológico se tornam sinónimos de cultura, a noção de que é preciso perder tempo a pensar é um dos grandes legados de George Steiner, e um saudável exercício que continuaremos a cultivar aqui, no Café Royal.