O grande apagão e a globalização do lucro
Amanhã é Dia do Trabalhador. A data, instituída no âmbito da
segunda Internacional Socialista, assinala a Greve de Chicago, quando, no dia 1
de maio de 1886, um grupo de trabalhadores de diferentes fábricas dessa cidade americana
se uniram numa grande greve geral para reivindicar melhores condições de
trabalho, em especial a segurança e a redução da jornada de trabalho que, na
altura, era de 17 horas diárias. Organizadas durante vários dias, as manifestações
viriam a descambar em confrontos. No dia 3, os grevistas da McCormick Company, reunidos
em protesto na Haymarket Square, entraram em luta com a polícia e os
“detetives” da Agência Pinkerton, contratados pelos patrões para aplacar os grevistas,
resultando em dois mortos, despoletando uma sequência de dias de conflitos,
entre bombas, motins e manifestações, terminando num processo judicial que levaria
à condenação à morte de quatro dirigentes anarquistas. Uma luta que haveria de
marcar o movimento sindical mundial nas décadas seguintes.
Em 1889, no congresso da segunda Internacional Socialista,
criada por Friedrich Engels, o 1º de Maio foi instituído como Dia Mundial do
Trabalhador e, também, o 8 de Março, proposto como Dia Internacional da Mulher,
numa afirmação da verdadeira fraternidade dos movimentos progressistas a nível global.
É importante notar, dentro do contexto histórico do final do sec. XIX e do início
do sec. XX, onde o choque entre impérios dominava a política mundial, que foi
uma organização de trabalhadores a imaginar e propor uma grande união
internacional, que extravasava as fronteiras nacionais ou patrióticas,
fundamentada nos valores humanistas e representando os interesses de todos os
trabalhadores do mundo. Isto muito antes do Tratado das Nações, que só viria a
unir o mundo em 1945, no rescaldo do extermínio da Segunda Guerra Mundial.
Ao longo das décadas seguintes e até aos dias de hoje, no
permanente conflito entre forças conservadoras e progressistas, na velha luta
entre capital e trabalho, não deixa de ser irónico que, no contexto atual,
tenha sido a globalização do lucro a estabelecer-se como hegemónica a nível
mundial e a luta dos trabalhadores seja vista hoje como um movimento anacrónico
e esquecido no pó dos cadafalsos da história. Hoje, é a própria Internacional Socialista,
cujo hino apelava a uma “terra sem amos”, que vive amordaçada no peso da
ditadura do capital, capturados os partidos pela opressão do financiamento. E
são organizações dúbias como o World Economic Forum, do inefável Sr. Schwab,
que comandam as políticas internacionais e as interdependências entre países.
Também não deixa de ser simbólico que o novo líder desta organização de representantes
não eleitos dos maiores interesses económicos globais seja um senhor chamado
Peter Brabeck-Letmathe, ex-CEO da Nestlé, que ficou famoso por sugerir que a
água não era um direito universal, mas antes uma commodity, privatizável
e comerciável, na incessante prossecução do lucro das grandes corporações
internacionais. A globalização e o internacionalismo, alicerçados no primado da
pessoa humana e nos direitos dos cidadãos, cujos valores foram reacendidos
pelas lutas das duas internacionais socialistas, foram vencidos pela
internacionalização do lucro e da avareza do comércio global. O recente apagão
ibérico, a que assistimos não sem alguma dose de choque e pavor, foi disso um
bom exemplo, com um bem essencial à vida contemporânea, a energia elétrica,
refém dos interesses corporativos de uma empresa detida a mais de 80% por
grandes multinacionais estrangeiras e operando sem controlo, ou segurança, no
liberalizado mercado ibérico da energia.
Einstein, ele próprio um socialista, dizia que três grandes
forças dominavam o mundo: a estupidez, o medo e a ganância. A realidade deu-lhe mais uma vez razão - na estupidez, no medo e, principalmente, na insaciável
ganância do capitalismo global.