quarta-feira, 23 de julho de 2025

Speakers' Corner 42

A Insustentável Leveza da Penúria Estival

Perdoem-me os leitores por trazer este pesadíssimo tema à baila num período já quase estival, embora ainda de pouca luz solar e ausente do tão necessitado calor balnear que tanta falta nos faz. Bem sei que discutir finanças públicas em tempo de churrascos pode causar fastio ou azia. Como aquele conhecido que não se cala com a mais recente fofoca da corrida eleitoral local, tema talvez mais em voga, mas igualmente soporífero na morrinha do verão, e que deixamos a falar sozinho à sombra do metrosídero enquanto procuramos o alívio fresco de uma pilsner gelada.

O estado pré-calamitoso das finanças regionais tem levado algumas vozes avisadas a trazer, de novo, para a praça pública o velho tema da revisão da célebre Lei de Finanças Regionais. Vasco Cordeiro, num extensíssimo artigo publicado recentemente neste jornal, e Mota Amaral, ainda ontem, com a gravitas que lhes advém da condição de ex-presidentes do Governo Regional, chamaram ambos a atenção para a suma importância do problema. Alertaram para a sua urgência, os dilemas que envolvem a sua elaboração errática, ou errónea, e, no caso do último, apelaram mesmo a uma espécie de sobressalto cívico regional. Quase um chamamento a uma sublevação de tipo 6 de Junho de 1975, agora em defesa dos interesses pecuniários dos Açores e dos açorianos, se bem entendi da leitura do seu artigo.

O caso é que, de uma forma genérica e muitas vezes generalizada, a ideia subjacente ao direito de autogoverno da Região parece resumir-se a uma espécie de pedinchice insular, como tantas vezes refere o atual Presidente do Governo, por aumento da mesada ao pai centralista, autoritário e castigador, instalado na penumbra faustosa dos salões do Terreiro do Paço. Andamos, como já foi dito, eternamente de mão estendida, agora ainda mais, quando o valor da dívida ameaça fazer colapsar todo o edifício autonómico.

Acumulam-se dívidas a fornecedores, agravam-se os atrasos nos pagamentos, os apoios, mesmo os do COVID, pasme-se, veem-se (ou não se veem) por um canudo escuro e, para cúmulo da desgraça, há já empresas públicas com salários em atraso. E não vale a pena vir dizer que não é bem assim, como ouvi num daqueles debates televisivos, porque até um modesto contabilista saberá que os subsídios de férias são parte integrante e indivisível do vencimento do trabalhador.

Regresso muitas vezes a uma célebre, embora esquecida, frase de Álvaro Monjardino que, confrontado com uma comissão parlamentar para a reforma da autonomia, respondeu com bonomia que o que os Açores precisavam não era de mais ou menos autonomia, mas de um projeto económico para a Região. Cito-a amiúde porque me parece que ali está dito, com clareza, aquilo que continua a ser o verdadeiro problema estrutural dos Açores.

De celeiro real a entreposto atlântico, de pomar de laranjas a abrigo de baleeiros, as ilhas têm-se debatido, ao longo da sua história, com a difícil tarefa de encontrar uma identidade económica que lhes permita criar riqueza e sustentar o seu desenvolvimento. Sem esse modelo, não somos mais do que, parafraseando o meu amigo Nuno Barata, "petchenos" a pedir dinheiro ao pai cada vez que querem apanhar uma bebedeira ou acampar, sem tino nem critério, num desses muitos (talvez até demais) festivais de verão que nos assomam como praga de conteiras.

A ideia de uma suposta solidariedade nacional com esta periferia atlântica, por mais bem-intencionada que seja, padece de uma debilidade fundacional: a incapacidade dos Açores para garantirem a sua própria sustentabilidade económica. Uma Lei de Finanças Regionais deveria ser um mecanismo de compensação solidária pelos custos adicionais da insularidade e pela extensão marinha e geoestratégica que os Açores aportam para a República, e nunca a fonte principal de financiamento de um sistema político regional que há muito se habituou ao desgoverno, a gastar à tripa forra e a nem sequer se dar ao respeito. Ser autónomo exige, também, sabermos ser sérios.

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