A Insustentável Leveza da Penúria Estival
Perdoem-me os leitores por trazer este pesadíssimo tema à
baila num período já quase estival, embora ainda de pouca luz solar e ausente
do tão necessitado calor balnear que tanta falta nos faz. Bem sei que discutir
finanças públicas em tempo de churrascos pode causar fastio ou azia. Como
aquele conhecido que não se cala com a mais recente fofoca da corrida eleitoral
local, tema talvez mais em voga, mas igualmente soporífero na morrinha do
verão, e que deixamos a falar sozinho à sombra do metrosídero enquanto
procuramos o alívio fresco de uma pilsner gelada.
O estado pré-calamitoso das finanças regionais tem levado
algumas vozes avisadas a trazer, de novo, para a praça pública o velho tema da
revisão da célebre Lei de Finanças Regionais. Vasco Cordeiro, num extensíssimo
artigo publicado recentemente neste jornal, e Mota Amaral, ainda ontem, com a
gravitas que lhes advém da condição de ex-presidentes do Governo Regional,
chamaram ambos a atenção para a suma importância do problema. Alertaram para a
sua urgência, os dilemas que envolvem a sua elaboração errática, ou errónea, e,
no caso do último, apelaram mesmo a uma espécie de sobressalto cívico regional.
Quase um chamamento a uma sublevação de tipo 6 de Junho de 1975, agora em
defesa dos interesses pecuniários dos Açores e dos açorianos, se bem entendi da
leitura do seu artigo.
O caso é que, de uma forma genérica e muitas vezes
generalizada, a ideia subjacente ao direito de autogoverno da Região parece
resumir-se a uma espécie de pedinchice insular, como tantas vezes refere o
atual Presidente do Governo, por aumento da mesada ao pai centralista, autoritário
e castigador, instalado na penumbra faustosa dos salões do Terreiro do Paço.
Andamos, como já foi dito, eternamente de mão estendida, agora ainda mais,
quando o valor da dívida ameaça fazer colapsar todo o edifício autonómico.
Acumulam-se dívidas a fornecedores, agravam-se os atrasos
nos pagamentos, os apoios, mesmo os do COVID, pasme-se, veem-se (ou não se
veem) por um canudo escuro e, para cúmulo da desgraça, há já empresas públicas
com salários em atraso. E não vale a pena vir dizer que não é bem assim, como
ouvi num daqueles debates televisivos, porque até um modesto contabilista
saberá que os subsídios de férias são parte integrante e indivisível do
vencimento do trabalhador.
Regresso muitas vezes a uma célebre, embora esquecida, frase de Álvaro Monjardino que, confrontado com uma comissão parlamentar para a reforma da autonomia, respondeu com bonomia que o que os Açores precisavam não era de mais ou menos autonomia, mas de um projeto económico para a Região. Cito-a amiúde porque me parece que ali está dito, com clareza, aquilo que continua a ser o verdadeiro problema estrutural dos Açores.
De celeiro real a entreposto atlântico, de pomar de laranjas
a abrigo de baleeiros, as ilhas têm-se debatido, ao longo da sua história, com
a difícil tarefa de encontrar uma identidade económica que lhes permita criar
riqueza e sustentar o seu desenvolvimento. Sem esse modelo, não somos mais do
que, parafraseando o meu amigo Nuno Barata, "petchenos" a pedir dinheiro ao pai
cada vez que querem apanhar uma bebedeira ou acampar, sem tino nem critério,
num desses muitos (talvez até demais) festivais de verão que nos assomam como
praga de conteiras.
A ideia de uma suposta solidariedade nacional com esta
periferia atlântica, por mais bem-intencionada que seja, padece de uma
debilidade fundacional: a incapacidade dos Açores para garantirem a sua própria
sustentabilidade económica. Uma Lei de Finanças Regionais deveria ser um
mecanismo de compensação solidária pelos custos adicionais da insularidade e
pela extensão marinha e geoestratégica que os Açores aportam para a República, e
nunca a fonte principal de financiamento de um sistema político regional que há
muito se habituou ao desgoverno, a gastar à tripa forra e a nem sequer se dar
ao respeito. Ser autónomo exige, também, sabermos ser sérios.
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