Pelo buraco de Alice
Qualquer empresário sabe que o Governo Regional está numa
lastimável situação financeira. São as dívidas aos fornecedores, os atrasos nos
pagamentos, as linhas de apoio desertas e as comparticipações por pagar. Por
outro lado, sucedem-se as notícias que dão conta dos aumentos da dívida da
região, que já atinge uns impressionantes 3.2 mil milhões de euros. O Banco de Fomento
que coloca a Secretaria das Finanças em Tribunal. E dos atrasos do PRR, então,
já nem se fala. Aqui há umas semanas o Expresso fazia eco de fontes que davam
nota da possibilidade da Região estar à beira de um “resgate”. A confirmação
desse descalabro acaba por vir na forma de um apoio extraordinário em sede de Orçamento
de Estado no valor de 75 milhões de euros para amortização da dívida, a que o
PSD chama de “justa e adequada compensação” e o PS classifica, mais uma vez, de
“resgate”, na esperança que seja esse eminente apocalipse financeiro a fazer tremer
o governo de Bolieiro.
Na esteira das recentes eleições americanas, muito se tem
falado sobre as motivações eleitorais e, principalmente, do impacto das
questões económicas na orientação de voto dos eleitores. Colocando muitos analistas
o ónus da derrota de Kamala Harris nas consequências da crise inflacionária na
vida dos americanos, resumindo a teoria na velha e célebre expressão de James
Carville, assessor político de Bill Clinton, que sentenciou: “é a economia, estúpido!”
Nos Açores, onde o peso da administração pública na economia
ronda os 32% é difícil perceber os impactos reais da situação financeira na
intenção de voto dos seus cerca de 34 mil funcionários públicos, cerca de um
terço da população empregada. Mas, desconfio que enquanto continuarem a cair
todos os meses os ordenados nas contas e o Turismo continue a fazer verter pequenos
acrescentos ao seu rendimento o impacto será reduzido ou nulo. Para mal dos
nossos pecados, o grande motivador eleitoral nos Açores é o recrutamento laboral
nessa mesma administração pública, muito mais do que as percentagens do
endividamento ou as curvas negativas do défice.
No mês passado, o PS-Açores realizou o seu congresso num Teatro
Micaelense com meia casa e a tentativa de projetar o seu novo líder para o topo
das preferências do eleitorado. Num episódio muito pouco comentado, mas
elucidativo, Pedro Nuno Santos, no seu discurso, dirigindo-se a Francisco César,
referiu a sua já longa carreira política conjunta, de mais de vinte anos, e a
sua cumplicidade e amizade, o que é normal e apreciável, mas logo a seguir foi mais
longe ao dizer que “nós sabíamos que este dia ia chegar”, cito, referindo-se à
circunstância de serem ambos líderes nacional e regional do partido socialista,
o que, isso sim, revela uma certa maneira de estar e de ver a política que tem
tudo para ser condenável. Presos na sua própria mitomania, os dois jovens
lideres como que caíram pelo buraco de Alice e perderam a noção da realidade, vivendo
nesse devaneio sonhador de quem acha que está predestinado ao céu por direito próprio.
Há um lugar comum que diz que nos Açores não se ganha
eleições, são os outros que as perdem. Esta nova sofreguidão dos socialistas açorianos
com a dívida da Região mostra bem por onde acham que Bolieiro poderá vir a
sentir mais dificuldades. Mas esta esperança, este pensamento mágico, labora em
dois equívocos. O primeiro, como agora ficou provado com esta esmola
orçamental, é que Montenegro nunca deixará cair Bolieiro e tão depressa Pedro
Nuno não substituirá Montenegro. A segunda, e muitas vezes esquecida, e que James
Carville repetia sempre depois de gritar pela economia, é que o que os
eleitores pedem é mudança, e, como se vê pela incapacidade de constituir uma
candidatura a Ponta Delgada, essa mudança, por pior que sejam os social-democratas,
este PS não consegue pelos vistos corporizar.