Crónica de um desastre anunciado
À hora em que escrevo, estes são os factos conhecidos: Sónia
Nicolau, ex-militante socialista e candidata independente à Câmara Municipal de
Ponta Delgada, terá sido contactada pela vice-presidente do Partido Socialista
dos Açores e secretária-coordenadora do partido em São Miguel, Cristina
Calisto, com uma proposta de coligação liderada pelo PS, na qual a candidata
independente ocuparia o segundo lugar.
De acordo com um comunicado, Sónia Nicolau submeteu essa
proposta à consideração dos seus apoiantes, que a rejeitaram por unanimidade.
Em declarações à Antena 1 Açores, Cristina Calisto assume o
contacto, mas nega tratar-se de uma proposta formal de coligação, muito menos
em nome do partido, afirmando que se tratou apenas de uma manobra exploratória,
feita a título pessoal e individual, para aferir da sensibilidade de Sónia
Nicolau perante a eventualidade de uma coligação.
Após um processo muito atabalhoado de escolha de candidatos,
o PS parece incapaz de se alinhar numa estratégia coerente, ou sequer num rumo
definido. Primeiro, geriu desastrosamente o dossier Sónia Nicolau, hostilizando
e até vilipendiando uma militante e ex-deputada, de forma imprópria para um
partido livre e democrático. Depois, Isabel Rodrigues, que no papel parecia ser
uma escolha qualificada e aceitável, revelou-se um nado-morto, ausente,
titubeante, dir-se-ia mesmo, desistente.
Depois da hecatombe eleitoral de maio último, o PS corre
para apanhar os cacos de um partido em estado catatónico, sob ameaça de uma
eutanásia eleitoral nas autárquicas que se aproximam. Mas nem o desespero de
quem vê chegar o fim de uma era explica tantos erros, tanta incapacidade
estratégica e tamanha inabilidade política.
Já o escrevi antes: Pedro Nascimento Cabral é um mau
presidente. Errático, autoritário, sem visão. Bastaria a gestão do Mercado da
Graça para lhe negar a reeleição. Mas há mais. A candidatura a Capital Europeia
da Cultura, o seu triste desfecho, e a atual designação como Capital Nacional
da Cultura 2026, mergulhada numa deriva populista, sem programa e à distância,
a meros seis meses do início, são igualmente reveladores de um mandato vazio e
desperdiçado.
Este era o momento ideal para o PS reconquistar a Câmara de
Ponta Delgada, que não lidera desde 1989, quando a conquistou numa coligação
encabeçada pelo centrista Mário Machado. Mas uma mistura de jactância com muita
incompetência, desde os líderes da concelhia aos secretários de ilha, alguns
dos quais optaram por paragens mais arejadas e pecuniosas, enquanto outros
parecem agora enveredar por verdadeiras incursões kamikaze, feitas a título
pessoal no campo adversário, até ao silêncio conspiratório do líder máximo,
tudo contribui para que o PS se atire a um precipício eleitoral de difícil
recuperação.
Sejamos claros: o líder do partido devia estar nos Açores a
tempo inteiro e assumi-los como a sua prioridade. Devia, ele próprio, ser o
candidato à principal câmara municipal da região.
Hostilizar Sónia Nicolau foi um erro. Oferecer-lhe o 2º
lugar foi outro. Insistir em Isabel Rodrigues é um 3º erro. Não se compreende,
aliás, como é que esta ainda se mantém na corrida, depois de ter sido
publicamente menorizada pela sua própria secretária-coordenadora de ilha, que
claramente não acredita nas hipóteses reais da sua candidata vencer esta
eleição.
Neste momento, a única solução com dignidade para o
PS-Açores é: (1) apoiar Sónia Nicolau. Esse, aliás, devia ser o caminho em
todas as freguesias e concelhos das nove ilhas. Abrir o partido aos eleitores
com humildade, proximidade e com candidatos reais, com efetiva presença e
capacidade de trabalho no terreno; ou (2) sair da corrida, apelando aos seus
militantes e simpatizantes para que colaborem num amplo movimento de cidadãos
capaz de derrotar Pedro Nascimento Cabral que, enquanto isso, sorrindo impávido
no conforto do seu gabinete aveludado, vai-se fazendo de morto como melhor
forma de garantir a sua reeleição.
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