quarta-feira, 4 de junho de 2025

Speakers' Corner 35

Crónica de um desastre anunciado

À hora em que escrevo, estes são os factos conhecidos: Sónia Nicolau, ex-militante socialista e candidata independente à Câmara Municipal de Ponta Delgada, terá sido contactada pela vice-presidente do Partido Socialista dos Açores e secretária-coordenadora do partido em São Miguel, Cristina Calisto, com uma proposta de coligação liderada pelo PS, na qual a candidata independente ocuparia o segundo lugar.

De acordo com um comunicado, Sónia Nicolau submeteu essa proposta à consideração dos seus apoiantes, que a rejeitaram por unanimidade.

Em declarações à Antena 1 Açores, Cristina Calisto assume o contacto, mas nega tratar-se de uma proposta formal de coligação, muito menos em nome do partido, afirmando que se tratou apenas de uma manobra exploratória, feita a título pessoal e individual, para aferir da sensibilidade de Sónia Nicolau perante a eventualidade de uma coligação.

Após um processo muito atabalhoado de escolha de candidatos, o PS parece incapaz de se alinhar numa estratégia coerente, ou sequer num rumo definido. Primeiro, geriu desastrosamente o dossier Sónia Nicolau, hostilizando e até vilipendiando uma militante e ex-deputada, de forma imprópria para um partido livre e democrático. Depois, Isabel Rodrigues, que no papel parecia ser uma escolha qualificada e aceitável, revelou-se um nado-morto, ausente, titubeante, dir-se-ia mesmo, desistente.

Depois da hecatombe eleitoral de maio último, o PS corre para apanhar os cacos de um partido em estado catatónico, sob ameaça de uma eutanásia eleitoral nas autárquicas que se aproximam. Mas nem o desespero de quem vê chegar o fim de uma era explica tantos erros, tanta incapacidade estratégica e tamanha inabilidade política.

Já o escrevi antes: Pedro Nascimento Cabral é um mau presidente. Errático, autoritário, sem visão. Bastaria a gestão do Mercado da Graça para lhe negar a reeleição. Mas há mais. A candidatura a Capital Europeia da Cultura, o seu triste desfecho, e a atual designação como Capital Nacional da Cultura 2026, mergulhada numa deriva populista, sem programa e à distância, a meros seis meses do início, são igualmente reveladores de um mandato vazio e desperdiçado.

Este era o momento ideal para o PS reconquistar a Câmara de Ponta Delgada, que não lidera desde 1989, quando a conquistou numa coligação encabeçada pelo centrista Mário Machado. Mas uma mistura de jactância com muita incompetência, desde os líderes da concelhia aos secretários de ilha, alguns dos quais optaram por paragens mais arejadas e pecuniosas, enquanto outros parecem agora enveredar por verdadeiras incursões kamikaze, feitas a título pessoal no campo adversário, até ao silêncio conspiratório do líder máximo, tudo contribui para que o PS se atire a um precipício eleitoral de difícil recuperação.

Sejamos claros: o líder do partido devia estar nos Açores a tempo inteiro e assumi-los como a sua prioridade. Devia, ele próprio, ser o candidato à principal câmara municipal da região.

Hostilizar Sónia Nicolau foi um erro. Oferecer-lhe o 2º lugar foi outro. Insistir em Isabel Rodrigues é um 3º erro. Não se compreende, aliás, como é que esta ainda se mantém na corrida, depois de ter sido publicamente menorizada pela sua própria secretária-coordenadora de ilha, que claramente não acredita nas hipóteses reais da sua candidata vencer esta eleição.

Neste momento, a única solução com dignidade para o PS-Açores é: (1) apoiar Sónia Nicolau. Esse, aliás, devia ser o caminho em todas as freguesias e concelhos das nove ilhas. Abrir o partido aos eleitores com humildade, proximidade e com candidatos reais, com efetiva presença e capacidade de trabalho no terreno; ou (2) sair da corrida, apelando aos seus militantes e simpatizantes para que colaborem num amplo movimento de cidadãos capaz de derrotar Pedro Nascimento Cabral que, enquanto isso, sorrindo impávido no conforto do seu gabinete aveludado, vai-se fazendo de morto como melhor forma de garantir a sua reeleição.

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