quinta-feira, 19 de março de 2020

Café Royal CLXVI


Depois do vírus

Em silêncio, de forma capciosa, sibilina e quase imperceptível, o vírus foi-se espalhando calmamente, contaminando o mundo com a sua imparável e definitiva virulência. À iminência da morte seguiu-se o pânico e o caos. Vivemos agora debaixo da influência do medo, da ascendência do pavor. Não são só os corpos o que o vírus contamina, é a própria tessitura da sociedade. É a argamassa da comunidade que é corroída e se esboroa, de dia para dia. Estamos em guerra contra um inimigo invisível, dizem-nos solenemente os estadistas do momento e decretam medidas, isolamentos, quarentenas. Fechem as fronteiras, parem o mundo, grita o coro das redes sociais. Tanto ou mais do que uma crise de saúde pública, esta é uma crise de representação política e de modelo económico, é uma crise civilizacional. É todo o mundo que construímos, desde a revolução industrial, que está a desabar sob os múltiplos efeitos da contaminação. O mundo, tal como o conhecíamos, perdeu o sentido. Não há normalidade possível porque a normalidade é, ela própria, uma parte do vírus. A pergunta a que todos teremos de responder é que mundo queremos que nasça desta morte? Que futuro queremos para amanhã, depois do vírus?


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