Bastava 1.
Bastava uma morte. Não eram precisas 64, ou 65, ou qualquer outro número que
lhe queiram dar. Bastava 1. Mas, no entanto, desprovidos da mais elementar
decência, políticos e jornalistas entretêm-se numa obscena contabilidade da
morte. Num sinistro espetáculo que é revelador, acima de tudo, da falência de todo
um país. Pedrogão Grande é o marco, esperemos que definitivo, da morte de
Portugal inteiro. Em 80 anos, 40 de ditadura e 40 de liberdade, Portugal falhou.
O interior é deserto, envelhecido, acabrunhado. O litoral é desordenado,
desequilibrado, desvairado… Este é o verdadeiro retrato do país que as chamas
devastadoras de Pedrogão revelaram. Porém, na face da tragédia, o que fazemos
enquanto comunidade é discutir o número de lápides quando deveríamos debater e
agir em nome do futuro. Urge uma política de ordenamento do território, mas os
nossos políticos estão entretidos a fazer ultimatos vácuos, passar de culpas e
outras tantas declarações que seriam vãs, não fossem tenebrosas as causas que
nos colocaram aqui. Urge equilibrar o país, no uso da terra, na criação de
riqueza, na invenção de uma comunidade que seja tão solidária como produtiva.
No entanto, o que fazemos é divagar tetricamente sobre as sombras dos mortos
buscando tirar ganhos políticos e eleitorais da dor profunda que as labaredas
criaram. Bastava um, bastava uma morte, porque esse um somos nós todos, essa
morte é a nossa morte…
segunda-feira, 31 de julho de 2017
quinta-feira, 20 de julho de 2017
Café Royal XXIX
Classismo
Quando se
pensava que a estação tonta não iria chegar este ano, queimada pelas desgraças
que assolaram o país, eis que ela chega pela boca de um tal de Sr. Ventura, de
Loures e da CMTV… O Sr. Ventura, para alimentar a sua candidatura autárquica,
decidiu lançar umas atoardas sobre os ciganos e pegou fogo sobre si próprio. Do
que se tem dito sobre esta pueril polémica há uma coisa de que discordo. O Sr.
Ventura não é racista, não é esse o preconceito que o mina. É o de classe. O
que incomoda o Sr. Ventura não é a cor da pele ou do cabelo, o idioma, ou o
salero. É a ideia da pobreza. O Sr. Ventura não gosta de pobres e para ele os
ciganos representam essa classe baixa que lhe incomoda e que ele acredita ter
que ser posta na ordem. Em boa verdade o povo português não é, nem nunca foi,
racista. A maior dádiva de Portugal ao mundo não foi a pimenta, nem o
planisfério. A maior criação da portugalidade foi a mulata. Algo que só um povo
intrinsecamente não-racista poderia criar. Mas se há coisa que os portugueses
têm de sobra, infelizmente, é o preconceito de classe. Só que o que os
portugueses muitas vezes confundem é que os sinais exteriores de riqueza podem
ser enganadores. Não é com piscinas e BM’s que se avalia a fortuna. Qualquer
povo perseguido sabe que as piscinas não são facilmente transportáveis de um
país para o outro. A cultura, como o ouro, são o bem mais precioso de um povo e
isso os ciganos têm para dar e vender… quer uma, quer outra…
Café Royal XXVIII
Decoro
Fiquemo-nos pelos 40 anos da nossa púbere democracia. Poderíamos ir mais atrás, talvez tão atrás como o começo da nação e a um país nascido da guerra entre um filho e uma mãe. Mas não, fiquemo-nos pela história da democracia nacional – esse libreto de ópera-bufa. Ao longo destes anos já tivemos anedotas de mau gosto, dedos em corninhos no cenáculo parlamentar, falsificação de licenciatura, suspeitas de corrupção, promessas de bengalada no Chiado no Facebook, tudo razões para ministros se demitirem, ou serem demitidos, e estes são só os que eu em lembro. O que espanta nisto não é tanto as razões pelas quais estas figuras do estado caíram, mas sim todos os outros que, por razões mais graves, se aguentaram nas cadeiras! Olhando as últimas notícias não podemos deixar de nos espantar com a falta de decoro que grassa em muitas das nossas figuras de estado. Secretários de estado apresentam demissão na véspera de se saber que são constituídos arguidos, quando o decoro exige que o tivessem feito mal foi tornado público a suspeita. Dois ministros alapam-se aos lugares quando o decoro exige que tomassem elações políticas das gravíssimas ocorrências havidas durante os seus mandatos. Um secretário-regional suspende funções meses depois de se assumir como candidato à maior autarquia da região, quando o decoro exige que o fizesse no exacto minuto desse anúncio. Mas, no país tudo vai bem. Tudo menos o decoro…
in Açoriano Oriental
Fiquemo-nos pelos 40 anos da nossa púbere democracia. Poderíamos ir mais atrás, talvez tão atrás como o começo da nação e a um país nascido da guerra entre um filho e uma mãe. Mas não, fiquemo-nos pela história da democracia nacional – esse libreto de ópera-bufa. Ao longo destes anos já tivemos anedotas de mau gosto, dedos em corninhos no cenáculo parlamentar, falsificação de licenciatura, suspeitas de corrupção, promessas de bengalada no Chiado no Facebook, tudo razões para ministros se demitirem, ou serem demitidos, e estes são só os que eu em lembro. O que espanta nisto não é tanto as razões pelas quais estas figuras do estado caíram, mas sim todos os outros que, por razões mais graves, se aguentaram nas cadeiras! Olhando as últimas notícias não podemos deixar de nos espantar com a falta de decoro que grassa em muitas das nossas figuras de estado. Secretários de estado apresentam demissão na véspera de se saber que são constituídos arguidos, quando o decoro exige que o tivessem feito mal foi tornado público a suspeita. Dois ministros alapam-se aos lugares quando o decoro exige que tomassem elações políticas das gravíssimas ocorrências havidas durante os seus mandatos. Um secretário-regional suspende funções meses depois de se assumir como candidato à maior autarquia da região, quando o decoro exige que o fizesse no exacto minuto desse anúncio. Mas, no país tudo vai bem. Tudo menos o decoro…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 6 de julho de 2017
Café Royal XXVII
A não-crónica
Imitando rituais antigos, o Café veio a banhos para Vila Franca do Campo, passar a época estival. Sentado à varanda, seguindo o barulho do mar, observando o ilhéu imponente e, para lá, o horizonte, o cronista pondera, melancómico (abraço Nuno…), os temas da atualidade, os assuntos da semana, a espuma dos dias e suspira. Podia escrever sobre o roubo de armas em Tancos fazendo lembrar um filme ou, afinal, a triste realidade de um país a saque. Podia escrever sobre o grito de alma de Juncker dando nome à afronta de um Parlamento Europeu que não se dá ao respeito. Podia escrever sobre as férias do Primeiro-ministro, as dores da geringonça, a tragédia da oposição ou a falta dela. Podia, talvez, escrever sobre a euforia do Turismo, que acometeu a ilha como uma epidemia que ninguém sabe muito bem como tratar. Podia escrever sobre a Ibizificação de Ponta Delgada, onde barcos-discoteca poluem as marinas e magnos planos camarários nos misturam com tudo ofuscando a nossa identidade. Podia escrever sobre a agonia da SATA, que cambaleia se os aviões pudessem cambalear. Podia, enfim, escrever sobre o Verão, os cálidos banhos de mar, a dança das ondas e o bailado dos Garajaus-rosados sobre o penedo. Mas, pensando bem, talvez o melhor seja não escrever sobre nada e apenas, bebericando uma transpirante cerveja, viver o calor, o sol, o anseio das águas e a tranquilidade do amor…
in Açoriano Oriental
Imitando rituais antigos, o Café veio a banhos para Vila Franca do Campo, passar a época estival. Sentado à varanda, seguindo o barulho do mar, observando o ilhéu imponente e, para lá, o horizonte, o cronista pondera, melancómico (abraço Nuno…), os temas da atualidade, os assuntos da semana, a espuma dos dias e suspira. Podia escrever sobre o roubo de armas em Tancos fazendo lembrar um filme ou, afinal, a triste realidade de um país a saque. Podia escrever sobre o grito de alma de Juncker dando nome à afronta de um Parlamento Europeu que não se dá ao respeito. Podia escrever sobre as férias do Primeiro-ministro, as dores da geringonça, a tragédia da oposição ou a falta dela. Podia, talvez, escrever sobre a euforia do Turismo, que acometeu a ilha como uma epidemia que ninguém sabe muito bem como tratar. Podia escrever sobre a Ibizificação de Ponta Delgada, onde barcos-discoteca poluem as marinas e magnos planos camarários nos misturam com tudo ofuscando a nossa identidade. Podia escrever sobre a agonia da SATA, que cambaleia se os aviões pudessem cambalear. Podia, enfim, escrever sobre o Verão, os cálidos banhos de mar, a dança das ondas e o bailado dos Garajaus-rosados sobre o penedo. Mas, pensando bem, talvez o melhor seja não escrever sobre nada e apenas, bebericando uma transpirante cerveja, viver o calor, o sol, o anseio das águas e a tranquilidade do amor…
in Açoriano Oriental
Subscrever:
Mensagens (Atom)