quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Café Royal CCXI

São Marcelo

Estas presidenciais não foram mais do que uma pequena e irritante lomba, um curto semáforo, no marcelismo reinante. Essa foi, aliás, a melhor metáfora da noite. As imagens daquele homem só, ao volante, conduzindo sem nexo pelas ruas de uma cidade universitária deserta, às curvas, parando nos semáforos, acossado por paparazzis, em busca de um rumo ou, quiçá, de um tempo útil para estacionar. Antes, tínhamos acompanhado o seu ar melancómico, de andar arrastado, a ir buscar um bitoque ao tasco do bairro, saco de plástico caído sob o peso dos ombros. Ou, o aspeto ascético, monástico até, do candidato/presidente, sozinho em casa, deambulando um pouco atarantado pela cozinha, as garrafas de vinho passado, abrindo uma carta do banco no preciso momento em que as televisões lhe cantavam vitória, num justo e adequado final para uma campanha em que esse homem, que se julga providencial, achou com toda a arrogância que nem precisava de ir a jogo. Levado por uma ideia sebastiânica de si próprio, líder solitário e autocrata que, como o velho de Santa Comba, salvará intrépido o país. Ao mesmo tempo, 60,5% dos eleitores disseram estar-se a marimbar para esta patetice em que se tornou a política à portuguesa.

in Açoriano Oriental

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