n.º 1 Jackson Pollock
A liberdade é uma das mais antigas
e interiores aspirações do ser humano. Desde a liberdade individual, a
autonomia do ser, a maioridade, se assim se pode dizer, expressa na
independência pessoal, ou na acepção mais anglo-saxónica e provavelmente mais correcta, a
liberdade da adulthood. Até à liberdade dos povos e a sua
autodeterminação, da qual todas as sociedades têm uma expressão, um passado ou
uma aspiração. Mas hoje, na era do vírus, a liberdade foi capturada pela
autoridade do Estado. O respeito, seja ele individual ou colectivo, que é a
base de todas as liberdades, está refém de uma subserviência acrítica, que os
Governos impõem, com o megafone noticioso, aos indivíduos, aos cidadãos, sob a
chantagem da retórica da “vida”. Trocamos a responsabilidade, que sustenta a
liberdade, como pilares fundamentais da vida social, por uma escravidão
consciente e voluntária. Às crianças foi-lhes impedida a infância, aos idosos
foi-lhes aprisionada a velhice, aos mais desprotegidos foi lhes expropriado o
direito ao trabalho e a uma vida digna, o acesso à educação preso no ensino à
distância, um serviço de saúde universal, aprisionado pelas suas próprias deficiências
e debilidades, mesmo o direito ao ar-livre, foi nos espoliado por decreto, sob
o pretexto de uma ameaça invisível, amplificada pela voragem mediática na culpa
cidadã. Já não é o vírus a ameaça, somos todos nós, cada um de nós, feios e
malcomportados, como crianças irresponsáveis. Festejamos a liberdade confinados
ao recolhimento obrigatório e não há qualquer grama de ironia nisto. Há, essencialmente,
uma liberdade que falta, que não se cumpriu. A igualdade e a fraternidade das
coisas simples num mundo de créditos bancários. A liberdade maior da independência
financeira, a básica liberdade da autonomia em relação ao poder. Tantas pequenas
liberdades que afinal nunca brotaram, que nunca floresceram realmente, ninguém
as regou com a água da vida, ninguém chegou sequer a plantá-las. A liberdade
primeira e fundamental do serviço ao outro em lugar do ser serviçal de um
Estado arrogante e dominador. A liberdade da independência do espírito. A liberdade
criativa, audaz, arrojada e vanguardista. Uma liberdade sem medos, sem amarras,
sem os grilhões das coisas certas e das obrigações mesquinhas e mundanas e medíocres.
A liberdade sincera e responsável que se abraça no outro, no que é diferente e
distante. Falta a liberdade interior, a liberdade mais íntima do ser. A liberdade
da escolha, do voo livre e sem rumo, a liberdade cheia e plena do
contentamento. Uma liberdade livre de clamar pela própria liberdade, hoje e
sempre e em cada nova madrugada. A liberdade do amor. Tudo isso falta, hoje, nesta
era do vírus. Não vejo que haja muito para celebrar. Mas, hoje mais do que
nunca, quando levantarmos a voz para exclamar liberdade, realizemos o que
verdadeiramente está em causa. Só poderá haver liberdade quando verdadeiramente
compreendermos que a autoridade não está no Estado mas em cada um de nós e que
a primeira obrigação do Estado é respeitar os cidadãos e não o respeitinho
subserviente e envergonhado dos cidadãos pelo Estado que, sentado nos seus
tronos de poder, se ri, à gargalhada, do infortúnio que nos esmaga nesta Era do
Vírus. Hoje, mais do que nunca, gritemos a uma só voz, Viva a Liberdade! Mas, amanhã também e depois e sempre, cada novo dia, sejamos nós a própria Liberdade.
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