Da falência à estabilidade cúmplice
O estado de quase calamidade pública da dívida regional
atingiu um ponto tal que a situação se tornou digna de notícia de abertura dos
telejornais nacionais. Há poucos dias, o telejornal da SIC abriu com os números
dantescos deste descalabro financeiro. A dívida pública regional aumentou uns
assustadores 42% em apenas quatro anos, atingindo já mais de 3.400 milhões de
euros.
Destes, mais de mil milhões são da responsabilidade do atual
governo regional, liderado por José Manuel Bolieiro, sustentado pela coligação
PSD/CDS/PPM, com o beneplácito parlamentar do Chega e, ao que parece,
surrealisticamente, também do PS-A. Mas já lá iremos.
De acordo com os especialistas, esta dívida per capita
significa que cada um de nós, pobres cidadãos contribuintes, deve cerca de 14
mil euros. Um peso difícil de compreender, face ao nível dos nossos impostos e
aos saldos das nossas contas bancárias. A medo, fui verificar, mas, ao que
parece, são responsabilidades futuras. Não digam nada às minhas filhas,
coitadas, que ainda não sabem.
Mas as más notícias não se ficam por aqui. O défice
orçamental ultrapassa os 165 milhões de euros. As necessidades de financiamento
da administração pública regional foram, no último ano, superiores a 247
milhões. A dívida a fornecedores já ultrapassa os 400 milhões, e o rating da
Região teima em manter-se estagnado nos BBB, ou seja, as agências
internacionais de avaliação financeira classificam o risco de incumprimento da
Região como moderado, em contraciclo com a Madeira e a República.
A dívida da SATA já atinge os 400 milhões, e a da Portos dos
Açores ronda os 270 milhões. Se juntarmos a isto o aumento do custo de vida e
uma inflação que se mantém acima dos 2%, estamos perante um quadro de
pré-bancarrota que nos devia preocupar a todos, todos os dias, várias vezes ao
dia.
O cenário é de tal ordem que só mesmo uma revisão em alta da
Lei de Finanças Regionais poderá permitir salvar a economia regional, o que, na
prática, equivaleria a uma espécie de resgate financeiro, embora sem a mão
pesada de uma Troika continental a pôr ordem nos nossos desmandos.
Desmandos esses que já inspiram epítetos pouco lisonjeiros.
Um querido amigo, por sinal de direita, chama jocosa, mas certeiramente, ao
secretário das Finanças o “Freitas das contas mal feitas”. E, nos meios
empresariais, já se ouve dizer à boca pequena: “Volta Sérgio Ávila, que estás
perdoado”. Porque havia dívida, é certo, mas ao menos havia dinheiro, numa
espécie de indulgência retroativa a uma das figuras mais profundamente
associadas ao descalabro da governação socialista. Agora, pelo contrário, há
dívida, mas não há dinheiro, com muitos pequenos e médios empresários ainda à
espera de receber os apoios da era Covid.
É precisamente este cenário que me leva à estratégia, ou à
falta dela, do Partido Socialista. Perante esta demonstração de total
incompetência e falta de horizonte do pior governo regional de sempre, o PS-Açores,
pela voz do seu líder, dá a entender que está não só disponível para viabilizar
o Orçamento Regional, como disposto a conceder uma espécie de livre-trânsito ao
governo de Bolieiro até 2029, ao afirmar que o PS-A pretende uma longa
reavaliação de “três anos sem eleições”, para, nas suas palavras, “se dar a
conhecer”.
Num momento em que o Partido Socialista se devia afirmar
como a única alternativa sólida de poder, dizendo “presente” neste momento
crítico da vida regional, parece antes mais preocupado, com ou sem “Estados
Gerais”, em salvar o seu líder do que em salvar os Açores desta deriva
calamitosa em que se encontra a governação das ilhas.
É sobejamente conhecida a velha máxima de Sá Carneiro sobre
a política sem ética e sem risco. Pelo que se percebe, o Partido Socialista dos
Açores não parece querer correr riscos, nem parece ter vergonha de não o fazer.
Entre a bancarrota financeira e a complacência política, a
Região vive à custa da dívida… e da falta de coragem.


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