A (des)comunicação social
Na última semana, o CIVISA elevou para V3 o nível de alerta
do vulcão de Santa Bárbara, na ilha Terceira, devido ao aumento da atividade sismovulcânica
que se encontra com índices acima dos níveis de referência, em resultado de um
processo de intrusão magmática em profundidade. Este recrudescimento do nível
de alerta levou a uma súbita excitação dos meios de comunicação social,
colocando os Açores no spotlight das notícias de última hora. As
tragédias são bons captores de audiência e nada como o prenúncio de uma
desgraça para alimentar a sede de sangue dos media. Veja-se, a propósito, como
a SATA, na sua longa e agonizada tragédia, alimenta as manchetes dos suplementos
de economia.
O episódio mais revelador desta onda noticiosa foi a
sucessão de imagens erradas divulgadas pelos principais órgãos de comunicação
social nacionais. A Terceira surgiu ilustrada pelas Sete Cidades, e o vulcão de
Santa Bárbara foi confundido com a Praia de Santa Bárbara, na Ribeira Grande, em
São Miguel, entre outras cómicas representações da iconografia do arquipélago. Este
desconhecimento básico da geografia insular é recorrente e não seria
particularmente grave se não revelasse algo bem mais profundo: o estado de
erosão e degradação daquele que deveria ser um pilar essencial da democracia e
do estado de direito, aliás reconhecido enquanto quarto poder – a imprensa
livre.
O que assistimos hoje, nesta era da “pós-verdade”, é
uma corrosão clara dos principais mediadores entre a informação e o público.
Com os órgãos de comunicação social transformados eles próprios em agentes de
desinformação. Onde antes existiam redações estruturadas, com editores
experientes e revisão rigorosa, encontramos hoje equipas reduzidas,
pressionadas por interesses financeiros e dependentes de jornalistas mal
preparados e mal remunerados.
Esta degradação não é apenas um problema corporativo. Tornou-se
uma ameaça à própria qualidade do debate público. Quando a informação é frágil
ou manipulada, abre-se caminho à legitimação de discursos populistas,
autoritários e emocionalmente inflamados, que prosperam num ambiente onde o
espírito crítico é substituído pelo impacto imediato e baseado na mentira.
O problema torna-se mais inquietante quando são os próprios
agentes políticos a controlar a mensagem através das suas estruturas de
comunicação. Partidos, organizações e governos criam aparelhos internos que
interferem diretamente no ecossistema informativo, moldando agendas e
percepções. O Governo de Luís Montenegro, o mesmo que pôs em causa o trabalho da
comunicação social no caso Spinumviva, anunciou recentemente a criação da
Secretaria-geral Adjunta para a Comunicação Institucional. Trata-se de uma nova
central comunicacional, liderada por um antigo jornalista, destinada a
profissionalizar a comunicação governamental e a reforçar a presença do
Executivo nos media e nas plataformas digitais.
O discurso oficial apresenta esta estrutura como mera
racionalização da comunicação pública. Na prática, como bem sabemos na Região,
desde os tempos do velho GACS, estas centrais funcionam como máquinas de
propaganda institucional, produzindo conteúdos embalados e prontos a publicar,
capazes de inundar redações enfraquecidas com narrativas favoráveis ao poder
político.
A isto soma-se um novo e determinante risco. Os motores de
busca e os sistemas de IA consomem e replicam exatamente o conteúdo que lhes é
fornecido. Se esse conteúdo é gerado por aparelhos de comunicação política ou
por redações descuidadas, baseado em erros, enviesamentos ou manipulações, a
desinformação e a mentira multiplicam-se em espiral. Criamos assim um espaço
público onde a fronteira entre facto e invenção se torna praticamente
imperceptível. Já não se trata apenas de pós-verdade. É a pós-realidade, um
lugar onde a ilusão e a mentira se tornam mais convincentes do que o próprio
mundo real.


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