quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Speakers' Corner 57

O futuro da esquerda

O tema da refundação da esquerda democrática tem sido amplamente debatido, nos últimos anos, um pouco por todo o mundo ocidental. A ameaça do populismo, da extrema-direita e a deriva demagógica e polarizadora de certos extremismos “woke” colocaram sob enorme pressão os partidos tradicionalmente socialistas ou social-democratas.

Nos Estados Unidos da América, o bipartidarismo funcionou, durante décadas, como uma espécie de tampão ao crescimento de franjas radicais, tanto à esquerda como à direita. Se, por um lado, os movimentos sindicais e, por outro, os radicais evangélicos sempre foram protagonistas relevantes do processo político americano, o espírito “catch-all” de Republicanos e Democratas permitiu, durante muito tempo, controlar a influência desses sectores mais extremados.

Na Europa, mais plural e, em boa medida, mais confusa, o processo sempre foi mais colorido, para não dizer caótico, com uma profusão de pequenos partidos sectoriais dedicados a bandeiras ideológicas específicas. Do ambientalismo aos direitos laborais, passando mais recentemente pelas questões identitárias e de género, numa fragmentação do espaço político tradicional.

A sobrevivência dos partidos moderados do “grande centrão” assentou historicamente na manutenção de um equilíbrio delicado entre as forças nem sempre consensuais da economia de mercado e os valores do Estado Social. Poderíamos recuar a Tony Blair e à sua “Terceira Via” para assinalar o início do fim desse consenso, mas a queda decisiva da social-democracia dá-se, em grande medida, em 2008, com o colapso do Lehman Brothers e o célebre mantra do “too big to fail”.

Obama e diversos líderes europeus, ao salvarem a banca enquanto deixavam vastas camadas da população afundar-se, destruíram os frágeis alicerces desse equilíbrio, abrindo a porta ao avanço de populistas e extremistas de ambos os lados. A dupla experiência traumática da grande crise financeira e do abalo social provocado pela COVID gerou uma sensação de orfandade política e ideológica numa maioria que se viu privada daquilo que é o fulcro da democracia: a esperança num futuro melhor. Acabando por tombar nos braços do voto de protesto radical.

À hora em que escrevo, cerca de 12 milhões de eleitores nova-iorquinos dirigem-se às urnas para eleger o seu novo Mayor, numa eleição já descrita como a mais importante do século nesta cidade fundamental do imaginário político e económico americano. Surpreendentemente, o front-runner é Zohran Mamdani, até há pouco tempo um desconhecido jovem político de origem islâmica, assumidamente socialista.

Numa cidade onde perto de 17% da população vive abaixo do limiar da pobreza e que enfrenta desafios gigantescos nas áreas sociais essenciais, como habitação, educação, mobilidade e infraestruturas, Mamdani construiu uma candidatura alavancada por um carisma invulgar. Desafiou o establishment democrata ao derrotar um dos seus barões locais, Andrew Cuomo, e combinou uma intensa presença no terreno, feita de ações porta a porta e encontros comunitários, com uma comunicação digital eficaz. As suas propostas, frequentemente rotuladas de “radicais”, incluem o congelamento das rendas, transportes públicos gratuitos, taxação da riqueza e supermercados municipais com preços regulados.

Independentemente do resultado, Mamdani deixa claro que a refundação da esquerda democrática exige um retorno às suas bases fundadoras: o primado da pessoa humana, a defesa intransigente da dignidade social e o combate frontal à ditadura do capital que molda, hoje, grande parte das nossas vidas.

Na cidade que viu nascer Wall Street e os seus “vampiros” talvez seja precisamente o resgate da democracia social das mãos de um capitalismo cada vez mais selvagem que possa, ainda, salvar o futuro das sociedades democráticas e, com elas, do próprio socialismo.