quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Café Royal CIX

O fosso

Por estes dias, discute-se se Portugal é, ou não, racista. Com mais ou menos espuma na boca, mais ou menos indignação de rede social, ruminamos sobre a violência policial, a vida num bairro de barracas enfeitado de antenas parabólicas, o Mamadou Ba, a cor da pele do primeiro-ministro e outras tantas vulgaridades mundanas como, por exemplo, a culpa comunista pelos bairros degradados. Agostinho da Silva, um dos mais importantes pensadores portugueses do século XX, hoje infeliz e injustamente esquecido, teorizou sobre a nacionalidade da língua e a possibilidade de uma identidade colectiva que abarcasse os falantes da língua portuguesa fossem eles brancos, pretos, ou outros. Uma nacionalidade lusófona, possível pela existência de uma cultura de tolerância, que teve a sua expressão maior na miscigenação que marcou de forma absolutamente determinante a história de Portugal e dos portugueses no mundo, desde o interior da Amazónia ao extremo de Timor. O mal nacional não é, nunca foi, o racismo. O que corrói o país é outra coisa: é o fosso profundo entre ricos e pobres, entre os remediados do Jamaica e os “chiques” da Quinta da Marinha…
 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Café Royal CVIII

1.200.000.000

Mil e duzentos milhões de euros, é o que se estima que a CGD terá perdido em empréstimos de risco. A lista dos principais devedores, agora vinda a público, é a confirmação do que já sabíamos existir – uma imensa rede de intimidades entre negócios, política e finança. Num dos lugares de topo dessa lista está Joe Berardo, que, sozinho, terá provocado um rombo de mais de 150 milhões de euros. Berardo é, com Ricardo Salgado, a outra face da mesma moeda. São, de certo modo, a perpetuação de um Portugal que depois de 40 anos de uma ditadura bafienta e 40 de uma democracia débil se fez sempre de compadrios. Salgado, o homem austero, de berço de ouro e lugar no Turf. Berardo, o emigrante espampanante que ambicionou ser o Gulbenkian do século XXI. Ambos, com a mesma falta de escrúpulos e de vergonha na cara, representam bem a ruína do país. Mas o que dá asco é que ao Zé Povinho, a nós todos, a mesma CGD, o banco público, subiu juros, recusou empréstimos, penhorou casas e destruiu vidas, com o mesmo sangue-frio com que arrebentou milhões nos caprichos dos ricos. E não há consequências: nem nós nos revoltamos, nem eles vão presos. Só o Vara.
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Café Royal CVII

Olhar o futuro

Alexandre Gaudêncio, edil da Ribeira Grande e ungido aspirante a Presidente do Governo, anunciou, com gáudio e estrilho, a construção de 14 novas unidades turísticas, quase 3000 camas, um investimento superior a 80 milhões de euros e a criação de 300 postos de trabalho. Só lhe faltou decretar uma nova rota, de um voo low cost, com aterragem direta no saudoso “aerovacas”. O que Gaudêncio não percebe é que para qualquer cidadão comum, com dois dedos de bom senso, este crescimento desmesurado e desregrado do turismo tresanda a massificação e é tudo o que os Açores não precisam. Dá a sensação que quer matar a galinha antes mesmo de ela começar a pôr os tão cobiçados e reluzentes ovos. Após uma meteórica ascensão, que o levou de pequeno autarca a putativo candidato a líder de toda a Região, Gaudêncio tem titubeado entre a promessa vã, a inveja alheia, o bota-abaixo e uma confrangedora ausência de um verdadeiro projecto político para os Açores. O que precisamos, sofregamente, são políticos que pensem o futuro com os olhos postos no longo prazo e não na pequena miopia da sua próxima eleição…

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Café Royal CVI

O telefonema

Algumas notícias mostram bem o retrato do país. O Governo está desagradado com a hipótese de um relatório sobre Portugal, da OCDE, conter um capítulo dedicado à relação entre a Justiça e a actividade económica, com destaque para o drama da corrupção. Na Assembleia da República, a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no desempenho de cargos políticos e públicos, ao fim de 1000 dias de trabalho, tem zero de produção legislativa. Já o ex-ministro Miguel Macedo, no caso dos “Vistos Gold”, foi absolvido, com fortes críticas do Juiz à actuação do MP nessa investigação. Em resumo – o país tem um gigantesco problema de corrupção, que destrói a competitividade da economia e a credibilidade das instituições, algo que só pode ser combatido com o fortalecimento dos meios de investigação e com o aumento da transparência no exercício de cargos públicos e políticos. No entanto, o parlamento não parece ter pressa em legislar sobre o assunto e, o país, está mais interessado em debater o trrim-trrim burlesco do Prof. Marcelo para o programa da Cristina. É este o Portugal de hoje…  

in Açoriano Oriental

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Café Royal CV

Sustentabilidade

Foi a palavra do ano nos Açores. Foi em 2018 tal como será, certamente, em 2019. Nos cafés, nos jornais, no parlamentarês trauliteiro dos discursos das assembleias ou nas narrativas pseudotécnicas dos Grão-mestres dos clubes de empresários, a sustentabilidade é mote para todas as conversas. Desde a sustentabilidade financeira da SATA, à sustentabilidade política do Governo, passando pela sustentabilidade da cota do Goraz. Porém, é no Turismo que a palavra ganha maior protagonismo, embora, nem sempre, com o melhor sentido. A reboque da candidatura da Região a mais um selo internacional que, ao que parece, virá este ano directamente do Burkina Faso para a Terceira, não há político ou profissional do sector que não use o termo. Mas, se para a grande maioria dos políticos a sustentabilidade é apenas um chavão para enfeitar sound bytes noticiosos, para grande parte dos empresários a sustentabilidade é, acima de tudo, a preservação dos seus negócios. Onde ambos tardam em se encontrar é na visão global do tema que inclua, e principalmente, a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental da Região, ou seja, da vida de todos nós. É um, bom, desejo para 2019…

in Açoriano Oriental