quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Speakers' Corner 6

Porque perderam os Democratas

Muitas foram as reações a que assistimos, um pouco pelo mundo, à surpreendente vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. Surpresa, choque, até mesmo, em alguns casos, pavor, perante o regresso à Casa Branca da alaranjada e iconoclástica celebridade americana, foram alguns dos mais comuns registos, tanto por parte de políticos como de comentadores, do lado esquerdo da barricada, nos dois lados do Atlântico. No campo Democrata, o grosso das respostas foram no mesmo sentido da campanha, uma visceral e contundente repulsa perante tudo aquilo que Trump representa, literalmente, um novo fascismo, englobando no epiteto tanto a criatura como os seus apoiantes

Em Portugal, no dia a seguir às eleições a líder parlamentar do Partido Socialista, Alexandra Leitão, foi ao ponto de publicar na rede social X um desabafo em que classificava o resultado como a vitória do ódio. “Venceu o ódio, a violência, o totalitarismo, a boçalidade, o racismo e a misoginia. (…) Venceu a indecência!” Escreveu. Este tipo de reações, mais ou menos gástricas, à eleição de Trump, embora compreensíveis, revelam, no entanto, um padrão mais complexo e, diria eu, perigoso, que é o alheamento dos diretórios partidários da esquerda global relativamente ao que são as legitimas aspirações dos eleitores e, mais grave, àquilo que eles próprios contribuíram para este tipo de desfecho, e o que isso significa para a própria saúde da democracia no seu todo.

Por alguma razão, a esquerda não consegue compreender o quão drasticamente se afastou do seu eleitorado e como as pessoas se sentem rejeitadas e abandonadas por aqueles cuja obrigação era protegê-las. E, de como décadas de subserviência ao  grande capital, ou, mais recente, a deriva para um segmento urbano, dito intelectual e woke, levaram a que a classe trabalhadora olhasse para o outro lado da barricada em busca de quem lhes resolva os problemas. Bernie Sanders, velho e empedernido socialista, foi o primeiro a colocar o dedo nesta ferida, assinalando precisamente este alheamento do partido democrata face àquilo que era o seu verdadeiro eleitorado – a “working class” americana, que luta no dia-a-dia para chegar ao fim do mês. Basicamente, o partido deixou de ouvir, defender e representar as suas bases.

Talvez o aspeto mais revelador desta oligarquia do diretório partidário seja a própria forma de designação dos candidatos. Primeiro com uma insistência absurda em Joe Biden, octogenário, impopular e decadente. E, a sua substituição, tardia, sombria e autoritária, por Kamala, numa usurpação incompreensível do procedimento enraizado de primárias. Os barões do Partido Democrata dispuseram a seu belo prazer das opções do partido, com o resultado desastroso que agora se conhece.

Enquanto a América real se preocupava com a economia, a emigração e os impactos e consequências da pandemia, a esquerda liberal e socialista perdia o seu tempo em preleções incoerentes sobre franjas sociais ou a pura e simples demonização, e mesmo insulto, dos seus adversários. Recordemos que Biden chegou a classificar de “lixo”(!) os apoiantes de Trump, tal como Alexandra Leitão os adjetiva de indecentes, numa arrogância e superioridade moral e intelectual que é a antítese de tudo o que deveria ser a Esquerda.

Esta incapacidade de estabelecer pontes, de ouvir o eleitorado e de se aproximar da realidade concreta das vidas dos cidadãos, desviando-se do centro e polarizando ainda mais o ambiente político é, como se vê, uma receita para a desgraça. Lá, como cá, inclusive até nestas pequenas ilhas no centro do lago, é na aproximação dos partidos às pessoas, sabendo escutar as bases, saindo das pequenas bolhas dos grupos de amigos, ou dos vídeos do TikTok, que se constroem alternativas, que se estreitam laços com críticos e opositores, e que, ao final do dia, se ganham eleições. Em democracia, não há vencedores pré-designados, nem sequer vitórias morais. Em democracia, quem manda é o povo, mesmo quando não concordamos com ele.

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