Porque perderam os Democratas
Muitas foram as reações a que assistimos, um pouco pelo
mundo, à surpreendente vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais
americanas. Surpresa, choque, até mesmo, em alguns casos, pavor, perante o
regresso à Casa Branca da alaranjada e iconoclástica celebridade americana,
foram alguns dos mais comuns registos, tanto por parte de políticos como de comentadores,
do lado esquerdo da barricada, nos dois lados do Atlântico. No campo Democrata,
o grosso das respostas foram no mesmo sentido da campanha, uma visceral e
contundente repulsa perante tudo aquilo que Trump representa, literalmente, um
novo fascismo, englobando no epiteto tanto a criatura como os seus apoiantes
Em Portugal, no dia a seguir às eleições a líder parlamentar
do Partido Socialista, Alexandra Leitão, foi ao ponto de publicar na rede
social X um desabafo em que classificava o resultado como a vitória do ódio. “Venceu
o ódio, a violência, o totalitarismo, a boçalidade, o racismo e a misoginia.
(…) Venceu a indecência!” Escreveu. Este tipo de reações, mais ou menos
gástricas, à eleição de Trump, embora compreensíveis, revelam, no entanto, um padrão
mais complexo e, diria eu, perigoso, que é o alheamento dos diretórios partidários
da esquerda global relativamente ao que são as legitimas aspirações dos
eleitores e, mais grave, àquilo que eles próprios contribuíram para este tipo de
desfecho, e o que isso significa para a própria saúde da democracia no seu todo.
Por alguma razão, a esquerda não consegue compreender o quão
drasticamente se afastou do seu eleitorado e como as pessoas se sentem
rejeitadas e abandonadas por aqueles cuja obrigação era protegê-las. E, de como
décadas de subserviência ao grande
capital, ou, mais recente, a deriva para um segmento urbano, dito intelectual e
woke, levaram a que a classe trabalhadora olhasse para o outro lado da
barricada em busca de quem lhes resolva os problemas. Bernie Sanders, velho e empedernido
socialista, foi o primeiro a colocar o dedo nesta ferida, assinalando precisamente
este alheamento do partido democrata face àquilo que era o seu verdadeiro
eleitorado – a “working class” americana, que luta no dia-a-dia para
chegar ao fim do mês. Basicamente, o partido deixou de ouvir, defender e representar
as suas bases.
Talvez o aspeto mais revelador desta oligarquia do diretório
partidário seja a própria forma de designação dos candidatos. Primeiro com uma insistência
absurda em Joe Biden, octogenário, impopular e decadente. E, a sua substituição,
tardia, sombria e autoritária, por Kamala, numa usurpação incompreensível do
procedimento enraizado de primárias. Os barões do Partido Democrata dispuseram
a seu belo prazer das opções do partido, com o resultado desastroso que agora
se conhece.
Enquanto a América real se preocupava com a economia, a
emigração e os impactos e consequências da pandemia, a esquerda liberal e
socialista perdia o seu tempo em preleções incoerentes sobre franjas sociais ou
a pura e simples demonização, e mesmo insulto, dos seus adversários. Recordemos
que Biden chegou a classificar de “lixo”(!) os apoiantes de Trump, tal como
Alexandra Leitão os adjetiva de indecentes, numa arrogância e superioridade
moral e intelectual que é a antítese de tudo o que deveria ser a Esquerda.
Esta incapacidade de estabelecer pontes, de ouvir o
eleitorado e de se aproximar da realidade concreta das vidas dos cidadãos, desviando-se
do centro e polarizando ainda mais o ambiente político é, como se vê, uma
receita para a desgraça. Lá, como cá, inclusive até nestas pequenas ilhas no
centro do lago, é na aproximação dos partidos às pessoas, sabendo escutar as
bases, saindo das pequenas bolhas dos grupos de amigos, ou dos vídeos do TikTok,
que se constroem alternativas, que se estreitam laços com críticos e
opositores, e que, ao final do dia, se ganham eleições. Em democracia, não há
vencedores pré-designados, nem sequer vitórias morais. Em democracia, quem manda
é o povo, mesmo quando não concordamos com ele.
Sem comentários:
Enviar um comentário