quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Speakers' Corner 7

Pelo buraco de Alice

Qualquer empresário sabe que o Governo Regional está numa lastimável situação financeira. São as dívidas aos fornecedores, os atrasos nos pagamentos, as linhas de apoio desertas e as comparticipações por pagar. Por outro lado, sucedem-se as notícias que dão conta dos aumentos da dívida da região, que já atinge uns impressionantes 3.2 mil milhões de euros. O Banco de Fomento que coloca a Secretaria das Finanças em Tribunal. E dos atrasos do PRR, então, já nem se fala. Aqui há umas semanas o Expresso fazia eco de fontes que davam nota da possibilidade da Região estar à beira de um “resgate”. A confirmação desse descalabro acaba por vir na forma de um apoio extraordinário em sede de Orçamento de Estado no valor de 75 milhões de euros para amortização da dívida, a que o PSD chama de “justa e adequada compensação” e o PS classifica, mais uma vez, de “resgate”, na esperança que seja esse eminente apocalipse financeiro a fazer tremer o governo de Bolieiro.

Na esteira das recentes eleições americanas, muito se tem falado sobre as motivações eleitorais e, principalmente, do impacto das questões económicas na orientação de voto dos eleitores. Colocando muitos analistas o ónus da derrota de Kamala Harris nas consequências da crise inflacionária na vida dos americanos, resumindo a teoria na velha e célebre expressão de James Carville, assessor político de Bill Clinton, que sentenciou: “é a economia, estúpido!”

Nos Açores, onde o peso da administração pública na economia ronda os 32% é difícil perceber os impactos reais da situação financeira na intenção de voto dos seus cerca de 34 mil funcionários públicos, cerca de um terço da população empregada. Mas, desconfio que enquanto continuarem a cair todos os meses os ordenados nas contas e o Turismo continue a fazer verter pequenos acrescentos ao seu rendimento o impacto será reduzido ou nulo. Para mal dos nossos pecados, o grande motivador eleitoral nos Açores é o recrutamento laboral nessa mesma administração pública, muito mais do que as percentagens do endividamento ou as curvas negativas do défice.

No mês passado, o PS-Açores realizou o seu congresso num Teatro Micaelense com meia casa e a tentativa de projetar o seu novo líder para o topo das preferências do eleitorado. Num episódio muito pouco comentado, mas elucidativo, Pedro Nuno Santos, no seu discurso, dirigindo-se a Francisco César, referiu a sua já longa carreira política conjunta, de mais de vinte anos, e a sua cumplicidade e amizade, o que é normal e apreciável, mas logo a seguir foi mais longe ao dizer que “nós sabíamos que este dia ia chegar”, cito, referindo-se à circunstância de serem ambos líderes nacional e regional do partido socialista, o que, isso sim, revela uma certa maneira de estar e de ver a política que tem tudo para ser condenável. Presos na sua própria mitomania, os dois jovens lideres como que caíram pelo buraco de Alice e perderam a noção da realidade, vivendo nesse devaneio sonhador de quem acha que está predestinado ao céu por direito próprio.

Há um lugar comum que diz que nos Açores não se ganha eleições, são os outros que as perdem. Esta nova sofreguidão dos socialistas açorianos com a dívida da Região mostra bem por onde acham que Bolieiro poderá vir a sentir mais dificuldades. Mas esta esperança, este pensamento mágico, labora em dois equívocos. O primeiro, como agora ficou provado com esta esmola orçamental, é que Montenegro nunca deixará cair Bolieiro e tão depressa Pedro Nuno não substituirá Montenegro. A segunda, e muitas vezes esquecida, e que James Carville repetia sempre depois de gritar pela economia, é que o que os eleitores pedem é mudança, e, como se vê pela incapacidade de constituir uma candidatura a Ponta Delgada, essa mudança, por pior que sejam os social-democratas, este PS não consegue pelos vistos corporizar.

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