O “bater asas” e a arte de pousar
Nos últimos dias, as páginas deste jornal foram palco de um
animado debate em torno do estado do ensino na Região, tendo como epicentro a
Escola Secundária Domingos Rebelo.
Num longo texto, infelizmente anónimo e algo caótico na
argumentação, um grupo de pais levantou, ainda assim, questões pertinentes
sobre o funcionamento da escola e os seus impactos na avaliação e, sobretudo,
na motivação dos alunos. Seguiu-se uma reação talvez excessivamente emotiva por
parte da Associação de Pais, compreensível quando estão em causa pais e filhos,
culminando na sua demissão e, posteriormente, uma réplica particularmente
interessante de um ex-aluno, centrada naquele que me parece ser o verdadeiro cerne
da questão: o dilema permanente entre o “bater asas” para fora da Região ou o
permanecer na ilha, tantas vezes percepcionado como uma forma de estagnação.
Não conheço pessoalmente nenhum dos protagonistas deste
debate. Escrevo apenas como observador da coisa pública e como pai de duas
adolescentes que frequentam este mesmo estabelecimento de ensino (9.º e 11.º
anos). Essa dupla condição confere-me, creio eu, a legitimidade para assinalar
algumas questões que considero particularmente relevantes nesta troca de
argumentos.
Mais do que me deter nas dimensões mais domésticas da
polémica, horários, intervalos, currículos, modelos de avaliação, ou mesmo a
responsabilidade individual e a motivação da classe docente, parece-me que o
essencial reside numa reflexão mais ampla sobre o estado do ensino e da
educação na Região.
Numa sociedade estruturalmente pobre, com baixos índices
sociais e onde uma parte significativa da população não ultrapassa o 6.º ano de
escolaridade, o ensino deveria ser encarado como o principal motor de
desenvolvimento e de mobilidade social. No entanto, persistimos numa obsessão
com exames, avaliações, rankings e estatísticas que pouco dizem sobre o
percurso individual de cada aluno e quase nada sobre a sua formação enquanto
cidadãos conscientes e participativos.
À família cabe um papel fundamental na transmissão de
valores, no sentido de responsabilidade e no respeito pelo rigor do percurso
académico, não como uma corrida à excelência traduzida em médias, quadros de
honra ou diplomas acumulados, mas como um caminho de vida. O início de um
trajeto onde, muitas vezes, mais importantes do que as notas ou os “canudos”
são as relações que se constroem com colegas, professores e com a comunidade em
geral.
À escola, e em particular aos professores, compete dotar os
alunos de instrumentos intelectuais que lhes permitam compreender e questionar
o mundo. Num tempo em que o ChatGPT é utilizado com mais frequência do que uma
caneta BIC, talvez seja mais importante ensinar a formular boas perguntas do
que a decorar respostas ou resolver equações. A escola não deve ser uma
competição orientada por rankings e métricas, mas um espaço de formação de
pessoas autónomas, criativas, críticas e empreendedoras.
Mas talvez a maior responsabilidade recaia sobre os
sucessivos governos que, ao longo de cinco décadas de autonomia política,
falharam na construção de um verdadeiro ecossistema educativo, capaz de ligar
de forma consequente a escola ao território e de gerar riqueza e
desenvolvimento sustentado para a Região.
Dar “asas” aos jovens é importante. Mas talvez mais
importante ainda seja ensinar-lhes a delicada arte de pousar. O sucesso não se
mede apenas em euros, cargos, promoções ou diplomas, mas também na capacidade
de parar, observar, apreciar a subtileza do que nos rodeia e valorizar as
memórias que construímos com aqueles que encontramos pelo caminho, para que “bater
asas” não seja apenas partir, mas também regressar.
Talvez o maior ensinamento de todos seja compreender que, em
vez de correr atrás da vida, temos de aprender a pará-la para verdadeiramente a
viver. E talvez o maior luxo que a ilha nos ofereça seja, precisamente, dar-nos
tempo para o fazer.


1 comentário:
Muito bom. Invejo-lhe a lucidez e a clareza da argumentação.
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