quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Speakers' Corner 63

O “bater asas” e a arte de pousar

Nos últimos dias, as páginas deste jornal foram palco de um animado debate em torno do estado do ensino na Região, tendo como epicentro a Escola Secundária Domingos Rebelo.

Num longo texto, infelizmente anónimo e algo caótico na argumentação, um grupo de pais levantou, ainda assim, questões pertinentes sobre o funcionamento da escola e os seus impactos na avaliação e, sobretudo, na motivação dos alunos. Seguiu-se uma reação talvez excessivamente emotiva por parte da Associação de Pais, compreensível quando estão em causa pais e filhos, culminando na sua demissão e, posteriormente, uma réplica particularmente interessante de um ex-aluno, centrada naquele que me parece ser o verdadeiro cerne da questão: o dilema permanente entre o “bater asas” para fora da Região ou o permanecer na ilha, tantas vezes percepcionado como uma forma de estagnação.

Não conheço pessoalmente nenhum dos protagonistas deste debate. Escrevo apenas como observador da coisa pública e como pai de duas adolescentes que frequentam este mesmo estabelecimento de ensino (9.º e 11.º anos). Essa dupla condição confere-me, creio eu, a legitimidade para assinalar algumas questões que considero particularmente relevantes nesta troca de argumentos.

Mais do que me deter nas dimensões mais domésticas da polémica, horários, intervalos, currículos, modelos de avaliação, ou mesmo a responsabilidade individual e a motivação da classe docente, parece-me que o essencial reside numa reflexão mais ampla sobre o estado do ensino e da educação na Região.

Numa sociedade estruturalmente pobre, com baixos índices sociais e onde uma parte significativa da população não ultrapassa o 6.º ano de escolaridade, o ensino deveria ser encarado como o principal motor de desenvolvimento e de mobilidade social. No entanto, persistimos numa obsessão com exames, avaliações, rankings e estatísticas que pouco dizem sobre o percurso individual de cada aluno e quase nada sobre a sua formação enquanto cidadãos conscientes e participativos.

À família cabe um papel fundamental na transmissão de valores, no sentido de responsabilidade e no respeito pelo rigor do percurso académico, não como uma corrida à excelência traduzida em médias, quadros de honra ou diplomas acumulados, mas como um caminho de vida. O início de um trajeto onde, muitas vezes, mais importantes do que as notas ou os “canudos” são as relações que se constroem com colegas, professores e com a comunidade em geral.

À escola, e em particular aos professores, compete dotar os alunos de instrumentos intelectuais que lhes permitam compreender e questionar o mundo. Num tempo em que o ChatGPT é utilizado com mais frequência do que uma caneta BIC, talvez seja mais importante ensinar a formular boas perguntas do que a decorar respostas ou resolver equações. A escola não deve ser uma competição orientada por rankings e métricas, mas um espaço de formação de pessoas autónomas, criativas, críticas e empreendedoras.

Mas talvez a maior responsabilidade recaia sobre os sucessivos governos que, ao longo de cinco décadas de autonomia política, falharam na construção de um verdadeiro ecossistema educativo, capaz de ligar de forma consequente a escola ao território e de gerar riqueza e desenvolvimento sustentado para a Região.

Dar “asas” aos jovens é importante. Mas talvez mais importante ainda seja ensinar-lhes a delicada arte de pousar. O sucesso não se mede apenas em euros, cargos, promoções ou diplomas, mas também na capacidade de parar, observar, apreciar a subtileza do que nos rodeia e valorizar as memórias que construímos com aqueles que encontramos pelo caminho, para que “bater asas” não seja apenas partir, mas também regressar.

Talvez o maior ensinamento de todos seja compreender que, em vez de correr atrás da vida, temos de aprender a pará-la para verdadeiramente a viver. E talvez o maior luxo que a ilha nos ofereça seja, precisamente, dar-nos tempo para o fazer.

 

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom. Invejo-lhe a lucidez e a clareza da argumentação.